A corrida para a sucessão de Pedro Passos Coelho está a aquecer e, mais do que as diferenças políticas, em causa parecem estar diferentes conceções do mundo. Enquanto Rui Rio acusa Pedro Santana Lopes de baixar o nível do debate e se afirma contrário a esse caminho, o seu adversário não perde uma oportunidade para dar dele uma ideia de político passadista, incapaz de disputar com António Costa a liderança de Portugal.
Este fim de semana, enquanto Rio dava uma entrevista ao “SOL”, Santana Lopes respondia com outra ao “Expresso”. “Acho que tem uma visão limitada do conhecimento do país e do mundo”, dizia Santana de Rio. “A imagem do partido não ficou manchada porque não entrei no mesmo campo que ele. Se o tivesse feito, a imagem final seria de degradação”, afirmou, por seu lado, Rio, em relação ao primeiro debate entre os dois.
O que ficou demonstrado no debate de quinta-feira na RTP e acentuado nas entrevistas de ambos é que Rio lida mal com a imagem, com a televisão, com as câmaras, com o timing e o formato – meio onde Santana se move como peixe na água.
“Tenho plena consciência de que os debates não são a melhor forma, nem de longe nem de perto, de esclarecer alguém. Têm uma componente de espetáculo muito maior do que uma componente de elucidar o eleitorado, interno ou externo”, explicou Rui Rio.
Por seu lado, Santana adiantou que saiu “bem-disposto” do debate. E embora não queira fazer a avaliação de quem ganhou ou quem perdeu (a maioria dos analistas atribuiu-lhe a vitória por larga margem), sempre mostra a sua perspetiva diametralmente oposta sobre a validade destes debates televisivos para o esclarecimento das massas: “Espero que tenha sido útil para os militantes, que são quem tem de votar agora, mas também para os portugueses em geral para formarem a sua opinião.”
Talvez o pouco crédito que Rio dá aos debates, preferindo uma boa entrevista, bem conduzida, explique o menor à-vontade com o ritmo televisivo. Rio não concorda que tenha perdido o debate e afirma isso taxativamente na entrevista, e explica porquê: “É-me difícil concordar com o politicamente correto. O partido são muitos militantes. Aqueles que ficaram contentes são os que têm hoje uma postura clubística, que estão apaixonadamente de um dos lados. E esses ficam entusiasmados com aquele tipo de discurso, claro. Os outros, mais próximos da minha candidatura, ficam indignados.”
A situação é simples para Rio: de um lado está a baixa política, que se vale de todos os meios para atingir os seus fins; do outro, ele, com a sua forma de estar na política que o impede de se deixar arrastar para aí, mesmo que admita: “Não é o meu género, mas também sei fazer” – sublinhando com isso que não é defeito, mas feitio.
“Acho que devemos elevar o debate”, sublinha Rio ao “SOL”, porque a forma como decorreu não é aquela que, no seu entender, “serve melhor o partido.”
Na visão de Santana Lopes, a culpa do rumo que o debate tomou nem sequer é dele. “Não fui eu que comecei a falar do passado. Cito a frase do dr. Rui Rio quando Vítor Gonçalves [o moderador do debate da RTP] lhe perguntou o que pensava de mim e ele disse ‘bem, vai ser desagradável dizer na frente’.”
Rio vê o seu adversário como alguém que se move na área do espetáculo, que traz sempre guardado algo na manga para atrair as atenções. Os debates “têm uma componente de espetáculo muito maior que uma componente de elucidar o eleitorado”, sublinhou o ex-presidente da Câmara do Porto. Para a televisão, procuram-se “levar truques e qualquer coisa de que o adversário não esteja à espera”. E isso está abaixo da maneira como Rio encara a política: “Para mim, essas coisas não são muito relevantes para o exercício de um cargo como o de primeiro-ministro. Para outros desempenhos, sim; para primeiro-ministro exige-se mais: capacidade de gestão, visão estratégica. Não se exige ‘jeito para o espetáculo’.”
É uma linha de raciocínio que Rio vai usando, a diferença entre a substância (ou seja, ele) e a forma (Santana), entre a profundidade e a ligeireza. “Sei que ele não acredita em nada daquilo que disse. (…) Aquilo não traduz posições genuínas. Estava num palco e precisava de dizer aquilo para agradar a quem tinha de agradar.”
Algo que Santana Lopes contraria e lhe serve para recorrer a um discurso que nos habituámos a ouvir mais na boca do seu adversário, o ataque à imprensa com uns laivos de Donald Trump: “Aposto que nenhum dos que escreve sobre os programas leu o meu programa, que é absolutamente extraordinário, feito por uma equipa fantástica. É o único que tem medidas concretas.”
O ex-provedor da Santa Casa da Misericórdia sabe que os seus cinco meses como primeiro-ministro lhe pesam no currículo e contribuem para que o seu adversário insista nas “trapalhadas” do seu governo e na falta de profundidade da sua forma de estar na política; daí que procure ser mais do que essa mancha no currículo. E queira acentuar o lado positivo de ter avançado para disputar a liderança do PSD: de ser uma candidatura positiva, com vontade de ir a votos contra António Costa, e de não ser apenas alguém que se chegou à frente para ser o candidato anti-Rio.
“O importante é que estou a cumprir o meu dever, candidatei-me, tenho feito um trabalho imenso, apresentei um programa que julgo que ninguém apresentou, fiz mais sessões do que qualquer outro, vou a todo o lado e estou cheio de vontade, força, determinação e entusiasmo para este novo ciclo, por uma razão. Porque acho que vou ter condições desta vez para fazer o que não pude fazer anteriormente, que é: com o voto direto dos portugueses, executar o programa em que acredito.”
A citação é longa, mas elucidativa de um ex-primeiro-ministro a querer construir uma imagem de candidato a primeiro-ministro que não inclua a vez em que foi realmente primeiro-ministro. De forma mais simples, Santana Lopes quer dizer que liderou um governo cujo programa não era o seu e que não tinha sido sufragado nas urnas, em circunstâncias difíceis e sob a tutela de um Presidente, Jorge Sampaio, que lhe deu pouca margem de manobra para errar, mesmo tendo em conta essas circunstâncias excecionais.
Rio está mais interessado em que os militantes não esqueçam aquilo que Santana foi na única experiência em que teve oportunidade de liderar um governo: as suas “trapalhadas” foram tantas que não deram ao Presidente Sampaio outra hipótese que não fosse dissolver a Assembleia da República e convocar novas eleições. Já dizia Santana na entrevista: “O teu problema é que passas o tempo, até na moção, a dizer mal de mim.”