As alterações à lei do financiamento partidário provocaram uma reação muito negativa em relação aos partidos. Acha que as pessoas estão zangadas com os políticos?
Esse processo foi muito mal gerido e de facto o capital de queixa dos cidadãos relativamente aos políticos é enorme e tende a crescer com estes casos.
A culpa é dos partidos?
Claro. Os cidadãos não se sentem representados nos partidos que integram o sistema político e que estão presentes no Parlamento. A Assembleia da República representa menos de metade dos eleitores. Se somarmos a abstenção aos votos brancos e nulos e aos votos nos partidos que não tiveram votação suficiente para ter representação parlamentar isso já soma mais de 50%. Mais de metade da população não se revê nas suas instituições. Isso tem muito a ver com a forma como o sistema político está formatado e como os partidos funcionam. As pessoas estão cansadas de passar cheques em branco aos partidos.
O que é que quer dizer quando fala em cheques em branco?
Hoje em Portugal os eleitores não elegem verdadeiramente deputados. Isso é falso. Os eleitores passam um cheque em branco aos partidos para que os diretórios partidários possam escolher os deputados. Em nenhum momento do processo político o cidadão tem a possibilidade de escolher o deputado. Os cidadãos votam em listas fechadas feitas pelos partidos em circuito fechado. Os partidos podiam tentar resolver este problema através de primárias, ou seja, abrindo à sua base social de apoio a escolha dos candidatos, mas nem isso acontece. Todo o processo é feito sem a possibilidade os cidadãos poderem optar e escolher os seus deputados.
Tem defendido a realização de eleições primárias no PS. Acredita que esse modelo poderá vir a ser implementado para todas as eleições, nomeadamente para escolher os deputados e os candidatos nas autárquicas?
António Costa assumiu um compromisso relativamente a essa matéria. A proposta que eu apresentei, no último congresso, de alteração estatutária para instituir as primárias não foi votada no congresso. Foi remetida para a Comissão Nacional e o secretário-geral do PS, após várias peripécias, porque houve várias tentativas de não agendar essa discussão, pediu para que a proposta fosse transformada em recomendação com o compromisso de que a partir do congresso de 2018 haveria primárias para a escolha dos candidatos a cargos políticos. Isso é fundamental.
Tem havido resistências dentro do PS para alterar o modelo de escolha dos candidatos?
Tem havido muitas resistências, porque isto é uma revolução. Tenho a certeza que grande parte dos deputados que hoje se sentam na Assembleia da República não voltará a sentar-se lá se houver primárias.
Não têm qualidade?
Há de facto um problema de qualidade no Parlamento. Há um conjunto de deputados de primeira linha que têm preparação, mas depois há um conjunto de outros deputados que passam praticamente pelas legislaturas sem se dar conta da sua presença. O trabalho desses deputados é muito pouco visível e isso faz com que não possa ser escrutinado.
Qual é o critério, dentro do PS, para escolher os candidatos a deputados?
É a confiança política do líder do partido e de alguns líderes distritais. É esse o critério.
Não é o mérito?
Não. O sistema não é meritocrático. Para o sistema ser meritocrático tinha de ser aberto, transparente e participado. Não é nada disso. É um sistema fechado e que funciona, muitas vezes, em função de sindicatos de voto. As competências e as provas dadas por aquelas pessoas não são avaliadas. É um sistema muito opaco em que há um conjunto de biombos que escondem muita coisa do que se passa. É preciso introduzir transparência no sistema. Há muitas resistências, porque as pessoas têm medo de perder os lugares. A política não pode ser encarada como uma profissão para a vida. Há políticos em Portugal no ativo há mais tempo do que o Salazar.
Defende que deveria haver limitação e mandatos para os deputados?
Deve haver limitação de mandatos para os deputados assim como deve haver a possibilidade de listas de cidadãos independentes para a Assembleia da República. Os partidos não podem ter o monopólio da democracia. Os partidos são fundamentais, mas a democracia não se pode esgotar nos partidos.
O que está a sugerir é que a perceção da opinião pública de que há quem ande na política só para arranjar um bom emprego é verdadeira.
Há gente que nunca teve profissão a não ser a política. Saíram da universidade e foram para deputados sem nunca terem tido profissão. Há vários casos desses.
Mas isso não quer dizer que não estejam empenhados em servir o país ou que não sejam competentes.
O problema é que há pessoas que encaram a política como uma espécie de carreira da Função Pública. Acham que só devem sair quando atingirem a reforma. Encaram a política como uma profissão. A política é uma missão e não uma profissão. As pessoas devem estar na atividade política durante um determinado período e depois devem regressar à sua vida.