Entre a lista de alegados agressores sexuais que em Hollywood o movimento #MeToo vai fazendo longa, no mundo da moda a história vinha até aqui sendo outra. Ao fim de várias denúncias e escândalos, para que o fotógrafo Terry Richardson começasse a cair, a ver contratos cancelados, trabalhos recusados, foi preciso que, contra outros, outras vozes se erguessem. Mas depois de Hollywood, do mundo da arte e da política, os holofotes começam a virar-se agora para o mundo da moda, que, deu já Anna Wintour sinais disso, não voltará a ser o mesmo. Não tem como, agora que à lista que não termina se juntam os fotógrafos Mario Testino e Bruce Weber.
Num artigo publicado no passado fim de semana pelo New York Times, o mesmo jornal que, ao lado da New Yorker, trouxe para a esfera mediática o caso de Harvey Weinstein, 15 manequins e ex-manequins vêm acusar Bruce Weber – celebrizado pelas suas fotografias para anúncios para marcas como a Calvin Klein ou a Abercrombie & Fitch – de «padrões» de «nudez excessiva e comportamentos sexuais coercivos» durante as sessões, depois de em dezembro terem já vindo a público queixas de dois modelos masculinos que alegavam que o fotógrafo os tinha obrigado a despirem-se e a tocarem nos seus órgãos genitais durante sessões. «Recordo-me de ter posto os seus dedos na minha boca, e de ter apalpado os genitais. Nunca fizemos sexo ou algo do género, mas muitas coisas aconteceram. Muito toque. Muita molestação», revelou agora o modelo Robyn Sinclair.
Segundo descreve o jornal norte-americano, os 15 homens descrevem «com uma consistência extraordinária» sessões privadas com Weber em que o fotógrafo lhes pedia que se despissem para depois dar início a uma série de «exercícios de respiração e energia». Enquanto inspiravam e expiravam, os manequins deveriam, segundo as suas instruções, tocar em si próprios e nele, pelas partes do corpo em que sentissem a sua «energia» – num processo em que, não raras vezes, era Weber quem os conduzia em direção às «energias».
Visado no mesmo artigo surge também Mario Testino, renomado fotógrafo de moda e de celebridades, da família real britânica e da revista Vogue, numa série de casos que remontam à década de 1990, relatados por 13 assistentes e modelos masculinos que dizem ter sido sujeitos a avanços sexuais que, nalguns casos, envolveram apalpões e masturbação. Escreve ainda o jornal, a partir destes relatos, que aqueles que dizem ter estado na posição de receber «atenção indesejada» por parte dos fotógrafos sentiram que havia uma «escolha clara»: a aceitação para a devida recompensa, ou a rejeição que traria o risco da destruição das suas carreiras. E o medo persiste, pois apesar de alguns, como o citado Sinclair, Ryan Locke ou Terron Wood, terem falado abertamente sobre o assunto, outros impuseram ao jornal como condição o anonimato.
No mundo da moda, disse, citada no mesmo artigo do New York Times a ex-modelo americana Trish Goff, os modelos masculinos são «os menos respeitados e os mais descartáveis». Já Gene Kogan conta, sobre os anos em que trabalhou como agente na Nex Management, entre 1996 e 2002, como era «prática comum alertar um modelo sobre um fotógrafo em particular» cuja «reputação» era já conhecida. Recusar não seria uma opção viável e explica porquê: «Se se dissesse que não se queria trabalhar com alguém como o Bruce Weber ou o Mario Testino, o melhor seria agarrar nas coisas e ir trabalhar noutra indústria.» Ambos os fotógrafos se manifestaram, ao jornal que publicou os relatos de avanços sexuais indesejados, surpreendidos pelas declarações dos manequins. Numa nota enviada ao jornal pelo seu advogado, Weber se disse «completamente em choque e triste com as indignas alegações» feitas contra si, que negou prontamente.
Já Testino, que reagiu através do escritório de advogados Lavely & Singer, que o representa, questionou a credibilidade dos 13 manequins e colaboradores ouvidos pelo New York Times – alegando ainda que uma série de antigos colaboradores seus estavam também «chocados com as alegações» que portanto, argumenta, nunca serão passíveis de ser confirmadas. Se durante anos, como relata Kogan, os abusos no mundo da moda eram recorrentes e conhecidos – veja-se o caso recente de Terry Richardson, que depois de acusado por várias modelos de assédio sexual continuou a ser requisitado por grandes marcas, realidade que começou a alterar-se apenas nos últimos meses, depois de ter rebentado o escândalo de Harvey Weinstein – em 2018 a realidade parece já outra.
Provam-no o desfecho que tiveram, pelo menos por ora, as carreiras do produtor de Hollywood ou de Kevin Spacey, afastado de House of Cards ou do último filme de Ridley Scott. E a reação ao artigo do New York Times de Anna Wintour, que levou menos de 24 horas a anunciar que tinha suspendido as colaborações do grupo que dirige, a Condé Nast, detentor de títulos como a Vogue ou a GQ norte-americanas, que, num texto publicado no site da Vogue em que estabelece um novo código de conduta para todas as sessões fotográficas realizadas para as publicações do grupo, suspende as colaborações com os dois fotógrafos.
Proibidas estão agora as sessões com modelos com menos de 18 anos e qualquer trabalho que envolva nudez, ainda que parcial, ou mesmo as produções em roupa interior ou fato-de-banho, passa a carecer de aprovação prévia. O uso de álcool ou de drogas deixa de ser permitido nos estúdios, que os fotógrafos já não poderão usar para trabalhos externos ao grupo.
«Ao colocarmo-nos do lado das vítimas de abusos e má conduta, temos também que virar o espelho para nós próprios – e questionarmo-nos sobre se estamos a fazer tudo o que podemos para proteger aqueles com quem trabalhamos», escreveu Wintour.