Era o ano de 1955, Londres a sarar as feridas da II Guerra apoiada na coroação de Isabel II. Tempo para famílias reais, para condessas, para herdeiras de fortunas, estrelas de cinema, enfim, todas as grandes senhoras da sociedade britânica a irem dar a uma casa. Desfile de mulheres que haveria de vestir o costureiro Reynolds Woodcock, e não havia outra como a Casa de Woodcock.
Casa que geria a sua irmã, Cyril (Lesley Manville) e em que, palavras do realizador-argumentista, “até as regras têm regras”, numa ordem que um dia Alma (Vicky Krieps), uma jovem descendente de imigrantes de Leste, aparece para romper com a rigorosa ordem estabelecida. Fim da rotina do obcecado Woodcock, da sua casa, como ele a conhecia – talvez mesmo a ameaça do seu próprio fim.
Para um homem assim, para Paul Thomas Anderson a este seu oitavo filme (primeiro que roda fora dos Estados Unidos, depois da aventura da adaptação de “Vício Intrínseco” de Thomas Pynchon), só um ator. O recatado mas premiadíssimo Daniel Day-Lewis, conhecido pelos critérios apertados com que escolhe os seus papéis (este é o seu primeiro filme depois de “Lincoln”, já lá vão cinco anos. E o quarto desde a última colaboração com Paul Thomas Anderson, há dez anos, em “Haverá Sangue”). Só Katharine Hepburn ganhou mais Óscares para um papel principal do que ele, que com metade das nomeações da atriz arrecadou já três, e volta agora a estar nomeado com este que veio no verão anunciar que será o seu último papel. Nomeado está também Paul Thomas Anderson para o Óscar de Melhor Realizador (mais um para juntar ao de Melhor Filme, Melhor Banda Sonora e Melhor Atriz Secundária).
Um retrato de um artista no seu processo criativo, mas também do processo de transformação contra o qual é empurrado pela chegada de Vicky, que Paul Thomas Anderson escreveu como uma “variação do romance gótico”, a explorar a luta de Woodcock e de Alma para “agarrarem e protegerem o seu amor”. Raramente juntos, quase sempre um contra o outro – e Woodcock sempre contra si próprio. Porque, no final, se o amor não tiver sido desgraça, terá sido a guerra. No mínimo.
Tanto que, para Day-Lewis, travá-la neste papel para o qual foi aprender o ofício de costureiro foi tão avassalador que não voltará a haver outro. Foi o que anunciou pelo menos num comunicado no verão passado. Que, depois de “Linha Fantasma”, estava terminada a sua carreira como ator. “Antes de ter feito o filme, não sabia que iria deixar de ser ator”, disse depois à “W Magazine”, numa entrevista exclusiva em que explicava a decisão. “Eu e o Paul rimo-nos muito antes do filme, mas depois deixámos de nos rir porque ambos estávamos esmagados por uma sensação de tristeza, que nos tomou de surpresa. Não tínhamos percebido aquilo que tínhamos feito nascer. Foi difícil viver com isso. Ainda é.”
E nada disto passará despercebido neste brilhante “Linha Fantasma”, que é afinal sobre fantasmas este novo filme de Paul Thomas Anderson que não vem para os exorcizar. Pelo contrário.