Passos Coelho anunciou a saída da liderança há três meses. Como é que o PSD tem vivido estes tempos de transição?
Tem vivido com normalidade. Há ajustamentos a fazer, mas a convivência entre o líder em funções e o líder eleito tem corrido bem, sem problemas. Isso é importante e revela a maturidade democrática do partido.
Criou-se a ideia de que Santana Lopes representava a continuidade e Rui Rio a rutura em relação à liderança de Passos Coelho. O que se espera de Rui Rio?
Santana Lopes tinha mais gente que estava com Passos Coelho e Rui Rio tinha mais gente que não tinha afinidade com a atual liderança, mas nenhum dos candidatos representava a continuidade. O mais importante é que esta campanha serviu para unir o partido em torno do património político recente do PSD. Rui Rio, ao contrário de António Costa, que recusou sempre o passado de José Sócrates, começa este mandato com o partido unido em relação à defesa dos quatro anos de Passos Coelho.
Rui Rio não terá dificuldades com os deputados que foram escolhidos por Passos Coelho e apoiaram Santana Lopes?
Não é a primeira vez que os deputados terão um líder diferente a meio do mandato. O líder do partido também saberá ouvir esses deputados. Tenho a certeza que Rio Rio não vai fazer purgas. Vai gerir o partido com tranquilidade. Não tenho memória de um líder do partido que, após ter sido eleito, não tenha convidado pessoas que apoiaram o seu adversário para as suas equipas. Rui Rio foi bem claro nessa matéria.
Isso quer dizer que o atual líder parlamentar deve continuar?
É uma situação que está resolvida, para já. Hugo Soares só é um problema para António Costa, como se viu nos últimos debates quinzenais. Tenho a certeza que entre ele e Rui Rio não haverá qualquer problema.
Miguel Relvas disse que este líder do PSD pode durar só dois anos se perder as eleições. Concorda?
Não. Os mandatos no PSD são de dois anos. Não há discussão. Nós todos gostamos que o partido tenha líderes de longo prazo. Tenho a convicção de que Rui Rio vai ser o futuro primeiro-ministro de Portugal. Caso contrário não vale a pena defendermos o PSD e as nossas propostas. É futurologia e irresponsabilidade fazer cenários para daqui a dois anos. Muita coisa vai mudar nestes dois anos e eu tenho a certeza de que o PSD pode ganhar as próximas eleições. Muita gente acha que não, mas tenho a consciência de que António Costa é tantas vezes apanhado na sua própria mentira ou meia-verdade que as hipóteses do PSD ganhar as eleições são muito grandes.
Não é preciso o PSD mudar a forma como tem atuado para conseguir ganhar as próximas eleições?
Podemos mudar o estilo, mas a verdade é que aquilo que o PSD foi dizendo confirmou-se com o tempo. Confirmou-se que a austeridade se manteve. Confirmou-se que o Governo cortou irresponsavelmente o investimento público…
Não se confirmou a vinda do Diabo…
O facto é que o Governo ocultou os seus falhanços com a conivência do Bloco de Esquerda, do PCP e dos sindicatos. Veja a vergonha que é a área da Educação, a área da Ciência, a área do Investimento Público… O PSD tem denunciado isso, mas as pessoas têm a sensação de que têm mais dinheiro no bolso.
Não é só a sensação…
O PSD não está descontente por o país estar a crescer. A grande diferença é que o PSD não governa em função de clientelas. Tenho a certeza de que o PSD estaria a governar de maneira diferente. Os serviços públicos estão mais frágeis e isso tem sido ocultado por alguns sindicatos e pela esquerda parlamentar. Os hospitais estão muito pior do que estavam. O investimento público é pior do que no tempo da troika. O dinheiro para a ciência está por utilizar. É mais importante ter serviços públicos com qualidade do que ter uma reposição salarial tão rápida.
Passos Coelho tinha razão no que dizia, apesar de ser muito criticado pela forma como fez oposição a António Costa?
Claro que tinha razão.
Foi injusta a forma como saiu?
O país tem sempre razão, mas provavelmente daqui a dois anos vamos perceber que Passos Coelho tinha razão.
Passos Coelho acabou a sua carreira política?
Nem pensar. Tem um futuro à sua frente.
Pode voltar a ser líder do PSD?
Está em idade para voltar a ser tudo o que quiser. Pode vir a ser líder do PSD, pode vir a ser cabeça de lista às europeias, pode vir a ser Presidente da República…
Há muita gente que não compreendeu a forma como o PSD governou. Não reconhece que faltou sensibilidade social em momentos em que as pessoas estavam a sofrer?
Provavelmente faltou a Passos Coelho ter um bocadinho mais de narrativa para encantar as pessoas, mas a verdade é que depois de toda a austeridade ganhou as eleições. Uma das coisas que eu digo e repito é que o Estado está muito mais bem preparado para enfrentar as crises, porque a transparência das contas é muito maior do que era em 2010. Passos Coelho foi traído por muitos esqueletos no armário que o governo de José Sócrates deixou. Acho inacreditável que haja ministros deste Governo que falam mal dos últimos quatro anos de Passos Coelho e não têm vergonha nenhuma de ter feito parte do Governo que levou o país à bancarrota.
Por essa lógia ficariam praticamente inibidos de fazer política por terem feito parte do Governo de José Sócrates.
Sem dúvida. Eu tinha vergonha de pertencer a um Governo que levou o país à bancarrota. Os ministros que levaram o país à bancarrota deviam ter vergonha de se voltar a apresentar perante os portugueses. Falo de Augusto Santos Silva, Vieira da Silva, Pedro Marques… Foram todos co-responsáveis pela bancarrota. Essa gente devia ter vergonha de se apresentar outra vez perante os portugueses sem pedir desculpa. José Sócrates não levou o país à bancarrota sozinho. Essa gente não tem moral para falar do Governo de Passos Coelho.
Julga que este Governo vai durar quatro anos?
Não é desejável que haja eleições antecipadas.
O que é que espera do congresso do PSD?
Este congresso deve servir para unir o partido, Isso quer dizer que temos de contar com todos. Os que perderam devem saber perder e os que ganharam têm de saber unir a ajudar a construir. Há boas propostas para discutir no congresso e há uma clara vontade de abertura do partido. O grande desafio do próximo líder é modernizar e abrir o partido.
As pessoas estão menos abertas para participar na vida dos partidos.
Antigamente era uma alegria pertencer a um partido. Hoje é quase cadastro. Os partidos devem permitir às pessoas que participem mais. Não como claque, como se pertence a um clube de futebol… Devem participar e ter a liberdade de apoiar um partido por uma ideia ou por uma pessoa. Costumo dizer que até a igreja se reformou mais rapidamente do que os partidos.
É a favor das eleições primárias abertas a simpatizantes?
Sou contra as eleições diretas. Ou voltamos atrás e elegemos o líder em congresso ou damos o passo seguinte. Este modelo atual não faz sentido, porque nem abre o partido nem promove o debate.
Os deputados são mal pagos?
Não. Tendo em conta a média dos portugueses ninguém pode assumir que os deputados ganham mal. Acho, por exemplo, que os governantes são mal pagos. Enquanto o país estiver nesta crise não se pode fazer isso, mas é indecente a responsabilidade que um ministro tem e a remuneração que aufere. Não tenho medo de o dizer. Um ministro tem um salário baixo tendo em conta as responsabilidades que tem.
Sente que os deputados são mal vistos pela opinião pública?
Os deputados são os que mais facilmente pagam a fatura do sistema político, mas muitas vezes são os que têm menos responsabilidades. Não consigo culpar os deputados pela bancarrota, por exemplo. Não consigo responsabilizar a Assembleia da República pela falta de coragem da justiça portuguesa durante muitos anos. Não consigo culpar os deputados pela promiscuidade entre a justiça e o poder político e económico que existiu há uns anos.
A Justiça está melhor?
Há um sentimento generalizado nas pessoas que hoje ninguém está acima da lei. Isso não existia e espero que se mantenha.
O que mudou?
A grande mudança foi que deixou de haver um poder político a tentar controlar o Ministério Público. Houve um governo que deixou de tentar controlar o Ministério Público e deu liberdade à Justiça. Os agentes da justiça sentiram isso. Tivemos um Governo que permitiu que a Justiça fosse livre. O que é importante é que os governos não se metam. Nem os governos, nem as maçonarias, nem os clubes secretos. A Justiça tem de ser livre e independente, doa a quem doer. Tenho muito medo num recuo nesse aspeto. Nós sabemos o que é que este primeiro-ministro disse no passado sobre a Justiça e sabemos o que muita gente do PS tentou no passado fazer na Justiça. Espero que tenham aprendido a lição.