Nunca ninguém parece estar verdadeiramente a par do que vai nas intenções do país-eremita que é a Coreia do Norte. David Sanger, o jornalista que o “New York Times” tem reservado para o dossiê norte-coreano, explica que não é raro os governos norte-americano e norte-coreano errarem nas expetativas e chegarem à mesa de negociações com um pé demasiado atrás ou o outro demasiado para a frente.
Quando, na administração de Bill Clinton, um dos mais altos responsáveis da defesa americana chegou às instalações no Paralelo 38 apenas para negociar uma disputa de fronteira, os responsáveis coreanos tinham instruções de Kim Jong-il para levarem as discussões ao mais alto nível. Washington foi apanhada de surpresa, Pyongyang também. O ceticismo e a esperança estavam desencontrados.
Os desentendimentos podem pagar-se caro e, por estes dias, estão criadas as condições perfeitas para um desastre diplomático. Kim Jong-un, o jovem, errático e agressivo líder norte–coreano, vem ensaiando vários gestos de aproximação em nome dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang, na Coreia do Sul. E o recém-eleito presidente sul-coreano, Moon Jae-in, parece recebê-los com entusiasmo. Moon tem esperança de que a reaproximação leve os dois países a negociar um novo clima diplomático, apesar dos avanços nucleares e balísticos norte-coreanos. Kim, por sua vez, é uma incógnita. Pode querer verdadeiramente o apaziguamento, ou apenas uma manobra de distração para fazer correr em paz os programas militares.
Washington já se decidiu pelo ceticismo. “Aquilo a que chamaria uma ‘ofensiva de charme’ não engana ninguém”, disse esta terça-feira o enviado americano para a ONU nas questões do desarmamento nuclear, Robert Wood, em Genebra, afirmando também que Pyongyang está apenas “a meses” de desenvolver um míssil balístico capaz de transportar uma ogiva nuclear para território americano. Que há dispositivos capazes de chegar ao solo dos Estados Unidos já se sabe desde que o regime testou o Hwasong-15, em novembro. Mas é uma novidade que os mísseis coreanos possam transportar ogivas a distâncias tão grandes.
Trata-se de condições difíceis. O risco de cair numa manobra de diversão e perder mais tempo é grande, mas o de deixar passar uma oportunidade para desanuviar os ares, também. Donald Trump, no entanto, já fechou antes as portas ao seu secretário de Estado, Rex Tillerson, quando este tentava abrir canais de comunicação com o regime, e nada indica que a política do presidente americano se tenha alterado com o enviado do governo aos Olímpicos de Inverno, Mike Pence.
“Ele não vai à Coreia do Sul negociar”, assegurava na segunda-feira uma fonte do governo americano à Reuters, lembrando que o vice-presidente levará como acompanhante o pai do estudante norte-americano que adoeceu gravemente sob detenção norte-coreana e morreu no ano passado num hospital dos EUA, Otto Warmbier.
“É para que o mundo não se esqueça das atrocidades que se passam na Coreia do Norte”, assegura a Casa Branca, falando da presença do pai de Warmbier nas cerimónias desta sexta-feira. A mensagem não podia estar mais distante da que se ouve por estes dias em Seul, que terá claques partilhadas com o Norte e desfilará sob a mesma bandeira na abertura. “Através da participação da Coreia do Norte, as ‘Olimpíadas da Paz’ concretizaram-se e vão servir de fundação para melhores relações intercoreanas”, garante Lee Hee-beom, o presidente dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang.