Tomai lá, para começar, Helmult Schmidt.
Rui Rio foi buscar para o seu primeiro discurso de líder eleito uma frase de um antigo chanceler alemão, presidente do SPD, versão germânica do PS onde o PSD também colheu algumas inspirações na fundação. Num congresso em que o novo presidente se propõe recentrar o PSD e regressar à social-democracia a invocação é curiosa:
“Dizia Helmut Schimdt no início deste novo século: Precisamos de uma moral pública: sem obrigações, os nossos direitos não conseguirão perdurar no tempo”. E é com estas “ideias em mente” que, anunciou, Rio se prepara para “governar Portugal”: “Ter as pessoas como o centro e a razão da nossa ação, conscientes de que a todos nos cabem as obrigações que nos asseguram os direitos que queremos manter e reforçar”.
O novo líder quer recuperar a classe média, particularmente afetada “pelo programa de ajustamento que Portugal foi obrigado a cumprir”, e que colocou “na sua franja inferior muitos portugueses que, sem responsabilidade direta, se viram a braços com dificuldades que antes nunca tinham conhecido”.
Mas não é o “despesismo” que Rio quer, embora tenha sido brutalmente crítico do desinvestimento no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente das cativações. Ainda Helmut Schmidt: “O mesmo Helmut Schmidt dizia-nos que, se queremos chegar longe, temos que ser capazes de dar pequenos passos. O reforço do nosso nível de vida tem de ser feito com a sabedoria, a prudência e o respeito que as pessoas nos merecem”.
Segurança Social, descentralização, Saúde
Rio enunciou os dois principais temas para os quais quer acordos de regime com “os partidos”, o que na prática significa com o PS: a Segurança Social, a descentralização, a quebra demográfica, o apoio aos idosos, a saúde.
Sobre a queda da natalidade: “Temos de identificar e sistematizar as principais razões pelas quais os casais têm poucos filhos e consensualizar um conjunto de medidas drásticas e duradouras no tempo, de molde a produzir o choque cultural que temos de conseguir”. Sobre a Segurança Social: “30% da despesa pública com pensões tem origem no Orçamento de Estado (…). É imprescindível pensar globalmente o sistema, as suas prioridades e os efeitos que se pretendem sobre a economia. Mas esta reflexão tem também de ser guiada pela dimensão humana e pelos princípios do Estado social que temos de defender. Temos de atuar enquanto é tempo”. Rui Rio quer uma reforma “que confira justiça, racionalidade económica e sustentabilidade à Segurança Social”.
A crítica ao governo foi devastadora na área da Saúde. “Urgências caóticas, serviços de internamento permanentemente sobrelotados, falta de recursos humanos, desertificação de médicos no interior do país, défice de investimento, deficiente manutenção de equipamentos, atrasos nos serviços de emergência médica e cativações cegas são exemplos claros da deterioração a que o atual governo tem conduzido o SNS. Não podemos aceitar um empobrecimento como este a que temos vindo a assistir”.
Mas a descentralização foi um dos principais pontos da agenda do novo líder. “Será que os institutos públicos têm de ter todos a sua sede na capital, mesmo que sejam ligados à agricultura, às pescas ou à floresta? Será que o Tribunal Constitucional ou a Provedoria de Justiça não poderiam estar localizados por exemplo em Coimbra?”. Rio defende “uma estratégia enquadrada numa Reforma do Estado, capaz de garantir um país mais equilibrado territorialmente e com uma melhor e mais rigorosa gestão da despesa pública”. Ex-autarca, currículo de que se orgulha várias vezes, Rio afirma que o dinheiro é melhor gerido pelos autarcas. “Quanto mais proximidade na gestão, maior é a capacidade e competência para se gerir a despesa pública com rigor e eficácia (…). Quem trouxe a dívida pública para os patamares da irresponsabilidade foi a administração central”. Para resolver tudo isto, Rio está aberto ao diálogo. “Se não houver coragem de enfrentar os mais pesados problemas de Portugal, não será nunca por falta de empenho, dedicação e abertura ao diálogo por parte do Partido Social-Democrata”.
Apesar da quase inexplicável escolha de Elina Fraga para a Comissão Política, Rui Rio não formalizou a “reforma da justiça” como prioridade. Quando falou da Justiça, juntou-a à Defesa e à Segurança: “A Defesa Nacional, a Segurança ou a Justiça são claramente áreas onde Portugal tem vindo a acumular deficiências, por força de um Estado que não tem estado à altura das necessidades do país”. E ainda: “Se com a Justiça o descontentamento dos portugueses é por demais evidente há muito tempo, também a Segurança vai mostrando fragilidades como, muito recentemente, os fogos florestais deixaram bem patente em todos nós”. Uma bandeira que caiu ou ficou, só por agora, a meia-haste?