A Baixa merece mais do que intervenções pontuais

A Baixa está a perder o seu caráter que é também a identidade de Lisboa.

A recente intervenção num quarteirão da Praça da Figueira, em Lisboa, com a aplicação de azulejos na fachada, é pretexto para retomar a discussão sobre a recuperação da Baixa lisboeta.

As intervenções que se têm verificado na Baixa aparecem como casuísticas, em função da procura turística, com a reabilitação de edifícios sem a devida salvaguarda do património, com invasão do comércio incaracterístico e a expulsão dos poucos habitantes que restam. Em suma, a Baixa está a perder o seu caráter que é também a identidade de Lisboa.

«A Baixa de Lisboa é o coração da cidade» – feliz expressão de Maria José Nogueira Pinto – e precisa de ser tratada como parte vital do desenvolvimento da cidade, unidade e referencial da revitalização de Lisboa.

Em 2006 foi aprovada pela Câmara Municipal uma estratégia de revitalização para a Baixa-Chiado com base no trabalho desenvolvido por um comissariado composto por personalidades de reconhecido mérito. Esta estratégia corporizou o processo de candidatura da Baixa Pombalina a património mundial da UNESCO, iniciada pelo município em 2004 e robustecida com um plano global de intervenção.

Infelizmente, durante dez anos pouco do plano foi concretizado, designadamente em relação à candidatura a património que só voltou a ser retomada em 2015 depois de reformulada no contexto da candidatura ‘Lisboa Histórica, Cidade Global’.

Após o terramoto de 1755, a reconstrução da Baixa obedeceu a um projeto que, recorrendo aos conceitos de desenvolvimento urbano mais modernos para a época, reconstruiu o centro da cidade com a utilização de técnicas construtivas de resistência sísmica inovadoras (a gaiola pombalina), um desenho espacial ordenado e funções urbanas bem definidas. O Plano da Baixa pós-terramoto constitui-se como uma referência de desenvolvimento urbano exemplar.

A Baixa assumiu um papel central na vida da cidade e do país. O poder político ali se concentrou, o comércio – fundamental no desenvolvimento de Lisboa – teve a Baixa como ponto central, também foi centro de serviços da administração pública e sede para a instalação da atividade do setor terciário, tudo conjugado com a existência de habitação.

A expansão da cidade teve como consequência a decadência da Baixa com a saída de muitas atividades ali concentradas e a degradação do edificado tornou urgente uma intervenção sistemática.

A Baixa de Lisboa precisava, no início do século, de uma intervenção que voltasse a colocar o coração da cidade a bater através de uma visão global que sustentasse uma ação sistemática. Hoje é urgente concretizar um programa articulado que condicione a revitalização do centro de Lisboa.

Importa retomar o ambicioso programa de revitalização da Baixa, adaptando-o à nova realidade, mas mantendo o objetivo de preservar a identidade do centro de Lisboa, valorizando-a em vez de permitir (ou fomentar) a sua descaracterização.

A salvaguarda do edificado deve ser mais do que a manutenção das fachadas. O espaço público e os seus elementos devem ser valorizados. O comércio característico da Baixa deve ser protegido. Importa assegurar os diversos usos sem excluir a habitação que deve ser observada numa ótica intergeracional. As soluções de promoção da mobilidade devem ser implementadas e o trânsito tem de ser resolvido com medidas que extravasam a zona.

A Baixa de Lisboa é o coração da cidade e parte da sua identidade. Trata-se de um todo cujo valor reside na especificidade das suas características. Os princípios orientadores devem ser claramente definidos pelo município e a intervenção neste meio deve ser programada e articulada, comprometendo todos os agentes.