“Foi-lhe indiferente”, garante ao i fonte próxima de Rui Rio, sobre a votação para a liderança parlamentar. “Quem achar que uma votação parlamentar apoquenta o que Rio pretende para o PSD e para o país, está muito enganado”, remata a mesma fonte, indisponível para prolongar a conversa.
Pois bem. A leitura, que poderá à primeira vista parecer ingénua, não o é. Não é só o círculo íntimo de Rui Rio – nem o próprio Rio – que não atribuem especial relevância à insurgência parlamentar que fez com que o novo presidente da bancada – Fernando Negrão, por si indicado – colhesse somente 39,7% dos votos dos deputados do PSD. Também outros, tanto rioístas descontentes como passistas pouco resolvidos, olham a guerra parlamentar instaurada com algumas dúvidas.
“É uma estratégia – se é que se trata de uma estratégia – um tanto tonta… Rio é um líder teimoso por natureza. Para alguns, até mais autoritário, se quiser pôr as coisas assim… E revoltas como esta são o argumento perfeito para reforçar esse tipo de posição. Nunca ouviu aquela expressão, ‘não há um tirano sem uma revolução’? Bem, os deputados, com este motim, deram-lhe a revolução. Agora, se quiser, poderá ser tirano”, analisa um senador social-democrata, mais afastado dos holofotes com a chegada de Rio.
Um dos deputados que não votou em Fernando Negrão também reconhece o prenúncio de uma purga, mas não se resigna por isso. “Ora, diga-me lá então qual era a diferença, entre ser corrido das listas em 2019 e estar calado até lá e dizer agora o que penso e ser corrido na mesma?”.
De facto, muito do grupo parlamentar eleito com Passos em 2015, que depois apoiaria Santana Lopes, seria naturalmente substituído na medida em que Rio, eleito pelos militantes para suceder a Passos, quererá trazer outros nomes – como aliás fez nos convites para a sua Comissão Política Nacional. Se ninguém acreditaria que Elina Fraga fosse eleita deputada com Passos Coelho, também ninguém acredita que Paula Teixeira da Cruz queira ser eleita deputada com Rui Rio.
A guerra, todavia, está instaurada bem antes de a feitura das listas ser assunto do dia. Com algumas figuras mais senatoriais e próximas de Rio, como a ex-líder Manuela Ferreira Leite, o ex-líder parlamentar José Pacheco Pereira e outras figuras, como Guilherme Silva e Carlos Encarnação, pedindo aos parlamentares laranjas alguma disciplina ou até mesmo a renúncia ao mandato na Assembleia da República, as redes sociais começaram a estalar ainda a capa do i (à direita) não estava ainda impressa.
Sérgio Azevedo, que fora muito crítico do primeiro discurso de Negrão enquanto líder parlamentar eleito (contra ninguém), escreveu na sua página: “Ouviram? Juízo, meus meninos rabinos…”. O deputado Paulo Neves, do PSD/Madeira, comentou, em síntese: “Deputado não é funcionário do PSD”; contando com a aprovação pública a este comentário do agora ex-líder parlamentar Hugo Soares.
Carlos Abreu Amorim, ex-vice da bancada de Soares com o já mencionado Sérgio Azevedo, prosou por seu lado: “Ora aqui estão três figuras especialmente fadadas para apelar à unidade e à obediência estrita aos ditames de uma liderança do PSD”.
“Designadamente nos últimos oito anos, como todos bem sabemos, foram exemplos perfeitos de fidelidade, concordância e disciplina, perante a direção do PSD e o seu presidente, Passos Coelho, a quem seguiram em todos os combates por mais difíceis que estes fossem…”, ironizou, em conclusão, Abreu Amorim, sobre as três figuras na capa do i de ontem.
Num tom mais académico, João Marques de Almeida, professor universitário que contribuiu para a elaboração do programa de Pedro Santana Lopes como independente, avaliou: “Os apoiantes de Rui Rio dizem que o posicionamento do partido mudou bastante, estando mais recentrado e com uma orientação mais social-democrata. Mas este argumento, acentuando as diferenças em relação à liderança de Passos Coelho, levanta um problema complicado de legitimidade democrática. Se os deputados foram eleitos com um mandato político diferente da orientação da atual liderança, a quem devem eles a sua lealdade política, ao eleitorado? Ou ao novo líder?”, questionou, deixando a resposta aberta à reflexão.
Rui Rio, que ontem reuniu com Marcelo Rebelo de Sousa (ver texto na página seguinte), começou por dirigir-se à comunicação social com um sorriso, respondendo às questões colocadas sobre o almoço com o Presidente da República. Quando as perguntas dos jornalistas caíram no tabu parlamentar, o sorriso desvaneceu-se e a resposta foi mais cortante.
“Os deputados são 89 e, à partida, contamos com 89. Os que não quiserem colaborar assumem essa responsabilidade. Eu vou trabalhar com todos aqueles que quiserem trabalhar”, disse Rio. Marcelo afirmou que o repasto correu “muitíssimo bem”. A bancada parlamentar não terá, com certeza, sido assunto.