O pão de fabrico tradicional está na moda, mas ao mesmo tempo há também cada vez mais ofertas ditas saudáveis. Os rótulos são um pouco mais extensos do que se poderia pensar evocando a tradicional receita de pão – água, farinha, fermento e sal – e basta uma ronda por qualquer supermercado para o confirmar. Como orientar as compras? O i pediu ajuda a uma nutricionista para desmontar alguns mitos.
Antes, um pequeno exemplo. Veja-se um pão de farinha de trigo com sementes à venda numa cadeia de supermercados. Os ingredientes incluem farinha de trigo integral, linhaça, levedura, sementes de sésamo, flocos de aveia, sementes de girassol, gordura vegetal de girassol, milho, glúten de trigo, soja, antiaglomerante (E170), sal, espessante (E466, E415), emulsionante (E472e, E482) e agente de tratamento da farinha (E300). Por fim, há a nota de que pode conter vestígios de soja, leite, ovos, frutos de casca rija, sulfitos e tremoço. Mariana Abecasis, especialista em nutrição, defende uma máxima: até há aditivos que podem ser neutros, mas quanto menos ingredientes no pão, melhor.
Há uma nova tendência de procurar o pão de fabrico tradicional. Antigamente, o pão era mais saudável?
O pão tradicional é um alimento muito simples: água, farinha, fermento e sal. Nesse sentido, acho que o pão tradicional é um alimento mais saudável, dependendo, obviamente, do tipo de farinha usada. Farinhas mais integrais e menos refinadas são sempre a melhor opção.
É certo que ao escolhermos um pão de cereais ancestrais ou um pão de espelta estamos a fazer a melhor opção?
Hoje, a indústria e uma série de marcas começaram a desenvolver o pão e a criar uma série de variantes que nem sempre considero uma mais-valia. O pão passou a ter uma série de extras adicionados, passando de alimento simples e “caseiro” a um alimento processado e industrializado. Ainda assim, é preciso ressalvar que há casos e casos e há pães mais atuais que são boas alternativas e que têm uma boa composição nutricional.
Hoje, muito do pão que encontramos à venda no supermercado contém vários aditivos nos rótulos. Como podemos saber quais são seguros e quais são desaconselhados?
Não há necessidade de transformar um alimento simples num alimento processado. Por isso, lendo a lista de ingredientes, se tiver aditivos, provavelmente não é a melhor opção. Agora, é impossível saber todos os aditivos e códigos de cor. Há que salientar que um alimento com mais aditivos (ou E’s) é um alimento mais artificial. Há certos aditivos que são totalmente naturais, sendo inócuos para a saúde. Por exemplo, o sumo de limão (ácido cítrico) é considerado um aditivo que pode ser usado para conservar os alimentos. Mas, na minha opinião, podemos perfeitamente evitar o pão com estes aditivos.
Nos últimos anos aumentou muito a preocupação em torno do glúten. Além dos doentes celíacos, quão frequente é a intolerância ao glúten?
Vejo frequentemente em consulta a preocupação em evitar ou cortar o glúten da alimentação, mas vejo igualmente que muita gente não sabe o que é: referem que fazem dietas sem glúten, mas depois ao relatar a alimentação – bolos, croissants ou pizzas – incluem-no à mesma. Felizmente, a percentagem de doença celíaca em Portugal é baixa (estima-se que afete 1 a 3% da população). Pessoas que sofram de doença celíaca têm mesmo de cortar. Há outras situação clínicas que veem os seus sintomas atenuados quando se faz uma alimentação isenta de glúten. Contudo, a maior parte da população tem capacidade de digerir o glúten corretamente. Muitas vezes, a sensação de inchaço e enfartamento que as pessoas associam ao glúten deve-se mais aos fermentos presentes nos mesmos alimentos ou mesmo a uma alimentação mais pesada e desregrada – e uma dieta equilibrada é o suficiente para a regressão dos sintomas. Mais importante do que uma alimentação com ou sem glúten é ter uma alimentação equilibrada no geral e adaptada a cada pessoa.
O sal no pão é outra preocupação e vários estudos sugerem que ingerimos sal em demasia. Qual é o limiar saudável a que devemos estar atentos nos rótulos?
A Organização Mundial da Saúde recomenda não ingerir mais do que 2 gramas de sódio (5 g de cloreto de sódio) por dia. Cerca de 75% do sal é adicionado durante a produção e processamento dos alimentos, por isso, a leitura dos rótulos pode ser importante para controlar a ingestão de sal. Genericamente considera-se um valor aceitável 0,3 a 1,5 g de cloreto de sódio/100 g para cada produto. O pão pode ser um alimento que leva sal na sua composição, mas considero que há outros a que devemos estar mais atentos. Além de devermos reduzir a quantidade de sal usado para cozinhar ou temperar, o melhor é moderar o consumo de snacks salgados, charcutaria, batatas fritas e outros aperitivos, refeições pré-confeccionadas e enlatados.
Uma pessoa que queira perder peso precisa de cortar totalmente no pão? Qual é o pão menos calórico?
Claro que depende de caso para caso, mas defendo que, para quem gosta de pão, fazer uma dose por dia, idealmente da parte da manhã, é perfeitamente exequível numa dieta de emagrecimento – idealmente, pão feito com farinhas menos refinadas, como as farinhas integrais, centeio ou mistura, mas sem extras de sementes, frutos secos ou cereais e óleos, que conferem uma maior densidade e uma maior carga calórica ao pão.
Que outros mitos em torno do pão tem mais vezes de desfazer em consulta?
Vejo que hoje ainda se foge do pão “tradicional” e se opta mais por pães “de longa duração” com alegações que apelam à saúde – como feito com azeite ou rico em ómega 3, etc. – que levam a que o consumidor assuma que são melhores alternativas. Muitos destes novos produtos até podem ter uma base saudável, mas transformam o pão num alimento diferente daquilo que era na sua origem. A sugestão é ler a lista de ingredientes, mais do que a tabela nutricional. Se tiver ingredientes como açúcar ou algum tipo de gordura, aditivos ou uma vasta gama de ingredientes, provavelmente não é a melhor opção.
Saiba mais em:
www.marianaabecasisnutricionista.pt