Trabalho. Leis laborais dividem geringonça

É mais aquilo que divide PS, BE e PCP do que o que une os parceiros à esquerda quando se trata de leis laborais. O Código do Trabalho está quase como a troika o deixou

A pouco mais de um ano de acabar a legislatura, o governo ainda quase não mexeu no Código do Trabalho herdado do tempo da troika. Muitas das mudanças propostas por BE e PCP foram chumbadas pelo PS com a ajuda de PSD e CDS e outras estão há meses à espera de serem apreciadas na comissão parlamentar de Trabalho.

Apesar das reticências dos patrões – com António Saraiva da CIP a considerar que as medidas propostas pelo governo  “vêm contra o desenvolvimento económico e a normalidade das empresas” – e dos avisos de Rui Rio, que diz que “uma mudança da lei laboral, no sentido de ela andar para trás relativamente àquilo que foi feito e que apresenta bons resultados, não pode ter o apoio de um partido que seja sensato”, o que está em cima da mesa está longe de ser uma marcha atrás no Código Laboral deixado pelo governo de Passos Coelho.

tema divide esquerda O tema das leis parte ao meio a geringonça e o pacote apresentado pelo ministro Vieira da Silva na concertação social não é suficiente para ultrapassar essa clivagem, mesmo que muitas das medidas propostas pelo governo aos parceiros sociais tenham saído de um grupo de trabalho de combate à precariedade formado com o BE.

“O governo PS mantém no essencial a legislação laboral de PSD e CDS. As alterações que foram feitas até agora são pontuais, cirúrgicas e muito limitadas no seu alcance”, comenta ao i a deputada do PCP Rita Rato.

Temas como as 35 horas no setor privado, a proteção de quem trabalha por turnos e medidas de combate à precariedade estão à espera que se inicie o seu debate em sede de comissão, em alguns casos quase desde o início da legislatura. Só em matéria de combate à precariedade há um pacote com 14 medidas apresentado pelo PCP pendente há meses para ser apreciado em comissão.

Mas além dos temas pendentes, há aqueles em que BE e PCP sabem que não podem contar com mudanças aprovadas pelo PS. A reposição do cálculo das indemnizações em caso de despedimento, das férias ou do pagamento das horas extraordinárias que existiam antes da troika fazem parte de propostas bloquistas e comunistas que foram chumbadas por PS, PSD e CDS. E o governo já deixou claro que não apoia o fim da caducidade dos contratos coletivos de trabalho nem a reposição do tratamento mais favorável e nem sequer o fim dos bancos de horas – que devem deixar de ser individuais -, pontos considerados como estruturantes por Bloco de Esquerda e PCP.

“O PS está encostado à direita em matéria laboral”, afirma Rita Rato, explicando que o PCP não se surpreende com isso. “O PS votou com o PSD e o CDS nestas matérias no tempo do anterior governo, quando esse governo tinha maioria absoluta e bastaria a abstenção para as aprovar”, nota a deputada.

OE2019 não está em risco No entanto, as divergências à esquerda serão suficientes para perigar a aprovação do Orçamento do Estado de 2019? A resposta é não. “Não fazemos negociação sobre o Orçamento do Estado como moeda de troca. Negociamos só sobre as propostas do orçamento”, explica Rita Rato.

No BE, tal como no PCP, a ideia é tentar aproveitar a margem que houver para conseguir alguns avanços. É por isso que os bloquistas consideram como positivo o pacote de Vieira da Silva que inclui a limitação da duração dos contratos a prazo e a criação de uma taxa que penalize as empresas que abusem deste tipo de vínculos. 

“Só temos 10% no parlamento”, vinca uma fonte bloquista para explicar que os objetivos estão longe de alcançados em matéria laboral e lembrando que o partido viu o PS chumbar as suas propostas sobre indemnizações, férias e pagamentos de horas extraordinárias.

BE com pressa Agora, o BE faz pressão para que os socialistas avancem mais rapidamente naquilo em que já há acordo com os bloquistas. “A nossa expectativa é que as propostas que o ministro apresentou na sexta-feira sejam aprovadas até junho”, comenta fonte do BE.

A questão é que não é líquido que todo o pacote de medidas proposto por Vieira da Silva venha a ser aprovado. A criação de uma taxa que penalize as empresas com mais contratos a prazo do que a média do seu setor foi acertada com o BE, mas o PCP tem reservas “de princípio” sobre uma medida. 

“A taxa levanta-nos dúvidas porque pode legitimar a precariedade”, comenta Rita Rato, que diz que o PCP precisa de analisar o projeto em concreto antes de se pronunciar sobre a sua aprovação.

Pelo lado dos bloquistas, um ponto que é considerado ainda demasiado vago é a intenção de Vieira da Silva de introduzir limites ao número de renovações de contratos de trabalho temporário, que hoje a lei permite que cheguem às 730 (um contrato por dia durante dois anos). “Não é igual serem 300 ou três”, notava ontem o deputado bloquista José Soeiro no Fórum da TSF.

Mais pacíficas serão as limitações ao número de renovações aos contratos a prazo – aplaudidas por BE e PCP – ou o fim das exceções que permitem às empresas fazer contratos a prazo a jovens à procura do primeiro emprego ou desempregados de longa duração. “Temos uma proposta igual que está em comissão à espera de ser apreciada”, nota Rita Rato.