Diplomacia. Kim foi até Xi para sarar uma amizade preciosa

Encontro em Pequim sugere que no reino eremita se leva muito a sério a ideia de um frente a frente com Trump.

Kim Jong-un saiu do casulo do seu poder absoluto pela primeira vez desde que o herdou do pai, há pouco mais de seis anos e meio. Não foi muito longe. Percorreu apenas algumas centenas de quilómetros até Pequim, viajando no mesmo comboio verde blindado com que o pai chegou também em tempos à capital chinesa. Que a primeira visita do jovem ditador norte-coreano tenha sido ao centro do poder político chinês não é surpreendente. Pequim sustenta o seu regime, mantém mais ou menos aberta a torneira dos bens de luxo que ainda chegam à elite e compra nove em cada dez produtos que os norte-coreanos vendem ao mundo. Que a viagem tenha ocorrido agora é mais revelador. E que Pequim a tenha caracterizado como uma “visita informal”, também.

Kim Jong-un quer sarar e aproveitar uma amizade preciosa na véspera dos dias mais importantes da sua vida de líder supremo. Não há datas certas para os encontros prometidos entre Kim e os presidentes sul-coreano e norte-americano, mas há indicações de que podem dar-se já em abril ou maio. Numa questão de semanas, o mesmo líder norte-coreano que até a esta segunda-feira não havia nunca apertado a mão de outro chefe de Estado pode em breve ver-se na posição de o fazer com um rival de guerra e um inimigo histórico. O último, materializado na forma de Donald Trump, é particularmente imprevisível. E Xi Jinping, o presidente chinês, conhece-o melhor que a maioria dos líderes mundiais.

“Kim provavelmente quis perguntar aos chineses o que é que eles pensam sobre a oferta de Trump, tendo em conta a sua tendência em disparar pólvora seca”, escrevia esta quarta-feira o politólogo britânico Robert E. Kelly, sugerindo que o encontro em Pequim é um sinal de que os norte-coreanos encaram muito seriamente a perspetiva de se reunirem com Washington e Seul. Kim e Xi tiveram muitas oportunidades para discutir o caráter do novo presidente americano. Em dois dias de encontros protocolares, os líderes chinês e norte-coreano jantaram na companhia das respetivas mulheres, assistiram a um espetáculo e tiveram juntos aulas sobre a cultura chinesa do chá. Pelo caminho, Kim reafirmou que está disposto a aceitar a “desnuclearização da península”.

Todavia, Trump não foi, provavelmente, a figura central de todas as conversas. O líder norte-coreano vê-se forçado a fazer a corte diplomática ao presidente chinês, que assistiu da plateia, distante, às semanas de reaproximação entre as coreias e os Estados Unidos. Kim e Xi, por toda a proximidade aparente entre os dois países, estão longe de uma amizade política ideal. O líder norte-coreano parece violar a cada oportunidade os duros pacotes de sanções aprovados também pelo governo chinês, que dispõe hoje a novos castigos a um regime que, em todo o caso, não pretende deixar cair. É um equilibrismo difícil e a chegada a cena do mais recente Kim, mais errático e agressivo que os que o antecederam, apenas dificultou as coisas. No ano passado, por exemplo, pelos dias em que Xi se preparava para acolher uma cimeira dos BRICS, Kim detonou a mais poderosa bomba nuclear na História da Coreia do Norte.

Problemas em diante 

Kim quer pedir emprestado algum do peso diplomático chinês para as semanas que se avizinham e para isso procura acomodar Xi Jinping. Visitá-lo antes de anunciar oficialmente as reuniões com a Coreia do Sul e Estados Unidos é um claro sinal de que é Pequim, e não Pyongyang, quem domina o poder asiático. O encontro de dois dias, no entanto, parece não ter sido vénia suficiente ao poderoso líder em Pequim. A visita foi designada pelo governo chinês como um “encontro não oficial”. “Foi ‘não oficial’ provavelmente porque Xi está ainda zangado e frustrado com o facto de Kim ter demonstrado uma total falta de respeito em relação aos seus interesses pessoais e os da China”, comentava esta quarta ao “Guardian” Michael Kovrig, analista do think-tank International Crisis Group. “”Kim ainda está de castigo.”

É impossível ler com nitidez as intenções do regime norte-coreano. A viagem de Kim a Pequim sugere que em Pyongyang se fazem preparações aceleradas para a campanha diplomática das próximas semanas. Mas há também muitas nuvens negras. Kim Jong-un promete, muito especificamente, a “desnuclearização da península”, o que forçaria a saída de mísseis norte-americanos dos quais Washington não quer abrir mão, pensando na expansão chinesa. E o “New York Times” revelou terça-feira que a Coreia do Norte está prestes a colocar em funcionamento um novo reator nuclear, alegadamente destinado à produção de eletricidade, mas capaz também de produzir o plutónio usado nas bombas atómicas. Donald Trump, todavia, mostra-se otimista. “Recebi na noite passada uma mensagem de Xi Jinping, da China, na qual me dizia que o encontro com o Kim Jong-un correu muito bem e que ele está ansioso por se encontra comigo”, escreveu esta quarta-feira o presidente americano no Twitter.