Ricardo Gonçalves, antigo deputado na Assembleia da República, tentou apresentar uma lista alternativa à comissão política no congresso do PS/Braga, que foi recusada. Apresentou queixa no Conselho de Jurisdição distrital e promete ir a todas as instâncias contra uma decisão que diz que é “ilegal” e “estalinista”. As tropas de Pedro Nuno Santos, mais do que provável candidato a líder num futuro pós-Costa, dominam o partido, afirma. Diz que atualmente há uma “discrepância” entre o que pensam Costa e Centeno e o que dizem as estruturas intermédias do PS.
Acusou o PS-Braga de falta de democracia interna por causa das recentes eleições para a Federação. Porquê?
O PS tem uma tradição muito recuada em termos democráticos, quase sempre apresentam-se listas únicas, candidatos únicos, etc. Aqui em Braga também só houve um candidato. O presidente é eleito diretamente pelos militantes e no mesmo dia, em listas separadas, são eleitos os delegados ao congresso que depois vão eleger os órgãos distritais. Aqui em Braga fizemos uma lista de delegados – obviamente que o candidato à federação era só um, a moção global era só uma – mas apresentámos uma lista de delegados ao congresso federativo. O PS afundou-se em todo o distrito nas autárquicas, os resultados foram mesmo muito maus, perdemos três câmaras, perdemos vereadores por todo o lado, perdemos juntas de freguesia. E já nas legislativas Braga tinha ficado 2% abaixo da média nacional do PS, quando costumávamos ficar 3 a 4% acima da média! Foi um resultado péssimo. Além do mais, não temos influência no governo, não há nenhum militante de Braga no governo, não temos produção de ideias.
Então avançaram com lista alternativa no congresso?
Apresentámos uma lista alternativa, para que pudesse haver debate nos órgãos do partido, já que só houve um candidato à Federação, que já estava eleito, o Joaquim Barreto. Eles ofereceram-nos três lugares na lista oficial, mas nós não aceitámos. Lá fizemos uma lista com os nomes necessários para a comissão política distrital, que é eleita por método de Hondt, um órgão colegial. E o normal nos órgãos colegiais é que apareça mais do que uma lista! Só no PS é que há este hábito da lista única, tudo feito à medida, tudo com arranjinhos! A lista tinha 71 efetivos e 36 suplentes, estávamos convencidos que estava tudo bem. Para nosso espanto, a mesa anuncia que a nossa lista não era aceite para ir a votos porque faltava-lhe um suplente! Deviam ser 37 e não 36! Ora, no regulamento diz que quando há alguma anomalia na lista os subscritores têm que ser chamados para a corrigir! A nós ninguém nos chamou! Até podíamos ter metido mais suplentes!
Joaquim Barreto disse que, além dessa questão do suplente, a lista não podia ser aceite porque era obrigatório apresentar moção…
O Joaquim Barreto, não contente com a lista não ser aceite, vai ao microfone e faz um discurso totalmente estapafúrdio! A dizer que quem mandava era ele, que a moção era a dele, e que nós não tínhamos moção e portanto não podíamos apresentar lista! E como era democrata ia sujeitar a lista ao plenário! Claro que a esmagadora maioria, como a votação era de braço no ar e está toda a gente controlada pelos sindicatos de voto das concelhias, chumbou aquilo! Isto tudo é antidemocrático e é de um estalinismo absoluto! Lembra as democracias iliberais que funcionam na Hungria, na Rússia, na Venezuela. Agora, os estatutos são a lei do partido e os estatutos não obrigam que para se fazer uma lista à comissão política distrital tenha que existir uma moção. Só exigem para a apresentação de um candidato a presidente da federação! Se fosse preciso apresentar moção, tínhamos apresentado! Sete das moções setoriais foram feitas por gente da minha lista! Agora fala-se em mudar os estatutos, porque no PS o que se pensa sempre é em impedir as vozes alternativas! Estamos num partido que, nesse aspeto, é pior que o Partido Comunista!
Há menos democracia interna no PS do que no PCP?
O que eu digo é: no congresso do PSD houve oito listas ao Conselho Nacional. No CDS, houve três. No Bloco de Esquerda houve cinco listas para a Mesa Nacional. No PS, para se fazer uma lista alternativa à do poder é o cabo dos trabalhos! Da última vez, apareceu a lista do [Daniel] Adrião e foi uma loucura para fazer aquilo! Há pressões de todo o lado, problemas de todo o lado! É por isso que eu digo que o PS e o Partido Comunista são os dois partidos mais estalinistas! E o Partido Comunista tem uma organização diferente, pelo menos têm entre eles debates bastante profundos antes dos congressos.
Acha que o PS hoje está pior do que no passado relativamente à falta de abertura interna?
O PS sempre que está no poder está assim. Muito fechado, muito limitado, incapaz de discutir seja o que for. E neste momento vivemos uma situação em que não há ligação entre o que se passa no partido e o governo. O governo está com uma imagem razoável, fruto da conjuntura que é boa, mas depois o partido não corresponde minimamente. O que está a acontecer neste momento no PS é que a antiga Juventude Socialista, liderada por Pedro Nuno Santos, está a tomar conta do partido.
Diz que Pedro Nuno Santos está a controlar o partido em todo o lado?
Sim, toda aquela linha do Pedro Nuno Santos, mais esquerdista, mais ligada à antiga JS, com os mesmos truques da JS, com as mesmas ideias muito próximas do Bloco de Esquerda. Aliás, os discursos que eles fazem nas bases são muito próximos dos do Bloco de Esquerda, às vezes até ultrapassam o próprio Bloco! E esses discursos e posições entram totalmente em contradição com o discurso que António Costa faz sobre a Europa ou as posições de Mário Centeno! É totalmente contraditório!
A linha de Pedro Nuno Santos domina já o aparelho do partido?
Não tenha dúvidas! Neste momento, domina a maior parte das estruturas intermédias do partido. Não digo os presidentes das distritais, que estão neste momento equidistantes, mas a maior parte das pessoas que hoje se movimentam no terreno são afetas ao Pedro Nuno Santos. E António Costa não está a dar muita importância a isso, o que é muito mau. Acho que ele se devia preocupar mais com isso.
Devia-se preocupar porque isso engrossa o poder interno de Pedro Nuno Santos?
Está a engrossar o poder de Pedro Nuno Santos e está a fazer um distanciamento entre aquilo que são as posições mais moderadas do Mário Centeno e do próprio António Costa e as posições do partido! Há uma discrepância muito grande. E essa discrepância, num momento de crise ou num momento de passagem de testemunho, é fatal. O PS corre grandes perigos de se dividir e até entrar em crise como entraram todos os partidos socialistas europeus.
Corre o risco de se dividir como? Se Pedro Nuno Santos for candidato à liderança do PS tem hipóteses de ganhar, certo?
Sim, mas as ideias do Pedro Nuno Santos são ideias que transformariam o PS num ‘Bloco de Esquerda B’. Seria um Bloco de Esquerda melhorado…
Vê Francisco Assis como candidato alternativo a Pedro Nuno Santos?
É evidente que eu sou próximo do Assis e das ideias do Assis. Mas a questão aqui não é essa. Efetivamente, o partido precisava de mais pluralidade, mais debate e precisava, efetivamente, de estar mais próximo da realidade. Todos os discursos que se fazem no PS são completamente contraditórios com as posições de Mário Centeno!
Dê-me um exemplo.
O Pedro Nuno esteve no encerramento do congresso de Braga e toda a gente me diz que o discurso que ele fez esteve mais próximo do Bloco de Esquerda do que das posições que Mário Centeno e Costa têm. O Pedro Nuno governante não faz esse discurso, mas nas bases faz. Há uma discrepância enorme. No PS há lugar obviamente para o Pedro Nuno. Quando era a ala moderada que comandava o PS, a ala esquerda sempre teve uma preponderância enorme. Agora que a ala esquerda aparece com mais preponderância, a ala mais moderada está completamente diminuída.
E isso não é culpa da ala moderada? Ainda tentou criar com Francisco Assis uma corrente, mas não aconteceu nada… No PS não há ninguém a fazer oposição à direção atual.
Isso não é verdade. Além de que, entre os dirigentes socialistas europeus que restam, António Costa é bastante moderado. O que eu lhe digo é que existe uma discrepância entre a realidade do PS e a realidade do governo liderado por António Costa. E é enorme!
Então o governo Costa/Centeno é moderado, dentro de uma linha em que o Ricardo se revê, e as bases são mais radicais? É isto?
O que eu vejo é o Pedro Nuno e o grupo dele com discursos completamente díspares em relação ao governo. E vejo o partido muito fechado, muito pouco plural. Não há condições para haver debates. Tudo é feito para limitar o debate.