A audição de Mário Centeno no parlamento já estava prevista mas a denúncia de crianças a fazer quimioterapia nos corredores do S. João e internadas em contentores com buracos acabou por dominar boa parte das cinco horas de sessão de ontem no parlamento. Confrontado várias vezes para que respondesse objetivamente sobre quando serão libertados os 22 milhões de euros necessários para uma ala pediátrica condigna, Centeno não se comprometeu com uma data, mas remeteu o dossiê para o pacote de “investimentos estruturantes” que vão ser colocados pelo governo no Plano de Estabilidade (PE), que deverá ser aprovado esta quinta-feira em conselho de ministros e debatido no parlamento a 24 de abril. O BE não está disposto a continuar à espera e, já depois da audição, solicitou a discussão de um projeto de resolução para a libertação imediata das verbas.
Do lado de Centeno, a garantia é que, no final do ano passado, estavam assumidos 140 milhões de euros de investimento no SNS, valor que este ano poderá rondar os 150 milhões e incluirá as obras na ala pediátrica do S. João. Recorde-se que, no final de 2016, o ministério da Saúde anunciou um plano de reequipamento tecnológico e de infra-estruturas do SNS para o triénio 2017-2019. O valor total desse plano nunca foi anunciado, embora o ministro da Saúde tenha chegado a apontar, numa fase inicial dos levantamentos pedidos às instituições, para necessidades acumuladas na casa dos 800 milhões de euros.
No caso do S. João, a ala pediátrica funciona em contentores desde 2011. Na audição parlamentar, Centeno garantiu que neste governo não haverá lançamento de primeiras pedras para o “boneco”, sem um pacote financeiro associado. Uma alusão concreta ao projeto da ala pediátrica Joãozinho, que começou com uma campanha de angariação de fundos lançada em 2009, numa altura em que a administração hospitalar previa que a obra viesse só a ser feita com donativos. Em 2015, insistiu Centeno, foram lançadas primeiras pedras pelo anterior executivo, só para a fotografia, porque mais uma vez não houve um plano financeiro associado.
Nos últimos meses passou a haver mas, aparentemente, nada mudou. Em entrevista ao i, o administrador do S. João disse que quando assumiu funções, em 2016, quiseram avançar com o projeto e, na ausência de verbas, as mesmas foram solicitadas à tutela, que se comprometeram a 1 de junho de 2017 com o desenvolvimento do projeto enquanto investimento público. Até hoje, estão à espera de luz verde e dinheiro.
No parlamento, Centeno recusou que o assunto só esta semana tenha sido conhecido. “Sabemos há muito tempo e outros também sabiam e nada fizeram”, disse, embora a sua constatação de que não lançará primeiras pedras para a fotografia tenha sido contraposta, pelo PSD, com exemplos de governos socialistas como o lançamento do projeto de um novo hospital do Algarve, há dez anos, sem que nada tivesse avançado até hoje.
“Estamos melhor” Centeno reconheceu que o ritmo de investimento no SNS terá de ser acelerado e que as necessidades não estão satisfeitas, mas insistiu que atualmente o serviço público de saúde tem mais recursos. Para o ministro, três números ilustram esta trajetória: atualmente o SNS tem mais 8480 profissionais do que em 2015, a despesa anual em saúde recuperou 700 milhões de euros face ao mesmo ano e já foram assumidos 140 milhões de euros de investimento. “Estamos melhor porque temos dedicado mais recursos ao SNS. Poderá não chegar e podemos estar todos à volta desta mesa em concordância com esta conclusão, o que não podemos é negar estes números que são consequência da política do governo”, disse Centeno, insistindo que só podem ser reforçados os recursos do SNS se o país os tiver e que não é possível converter “receitas circunstanciais” em “despesas permanentes”, mas reiterando que a redução do défice não tem sido feita à conta da saúde nem existem cativações no setor.
Num slogan que teve diferentes reivenções ao longo da audição, Centeno chegou mesmo a dizer “não somos Centeno, somos todos Adalberto”, para falar das “prioridades claríssimas” do governo, que se concretizam no facto de o setor da saúde ter tido o “maior reforço orçamental setorial” da legislatura.
Se oposição não poupa críticas, os partidos à esquerda reconhecem alguma evolução mas pedem mais. O Bloco de Esquerda foi particularmente crítico, com o deputado Moisés Ferreira a acusar o ministro de ir “orgulhosamente além das metas do défice” e desafiando o governante a dizer de que lado está: se do lado de Bruxelas ou do SNS. No final da audição, Centeno não deu mostras de querer rever o caminho. “Temos de manter os pés no chão. O défice de 2017 em Portugal é o 11º da Europa. Temos 10 países na Europa que têm saldos orçamentais melhores.”
Quanto aos pagamentos em atraso no SNS, Centeno garantiu que, dos 1400 milhões de euros prometidos no final de 2017 para regularizar dívidas, 900 milhões de euros já foram aplicados.