O supremo líder norte-coreano é também por estes dias o supremo puzzle das relações internacionais. As grandes potências, a oriente e ocidente, não sabem o que fazer das concessões que Kim Jong-un anuncia em catadupa, ou da proximidade com que, de um mês para o outro, ofereceu a diplomatas e governantes que ainda há meses ameaçava bombardear até à obliteração.
O líder norte-coreano comporta-se como um estadista diferente. Longe parecem as ameaças incendiárias e os fuzilamentos surpresa de generais e familiares. O envenenamento do meio-irmão, ao fim da manhã, com uma arma química altamente mortal e em pleno aeroporto, nada parece já corresponder ao homem que se prepara para uma cimeira possivelmente transformadora nesta sexta-feira e, sábado, afirmou que deixará de testar armas nucleares e novos mísseis. E encerrar o grande centro de enriquecimento de urânio também.
O puzzle parece ganhar novas peças a cada dia. Até aos Olímpicos de Inverno de fevereiro, em PyeongChang, na Coreia do Sul, a grande máxima entre analistas da política norte-coreana era a de que o regime jamais contemplaria abrir mão do arsenal nuclear e balístico que levou décadas a desenvolver e em nome do qual pagou com pobreza extrema e alheamento internacional.
As lições da queda de Saddam Hussein e Muammar Khadafi, repete-se ainda, não passaram despercebidas em Pyongyang. Hoje, contudo, segundo as equipas de americanos e sul-coreanos em circulação recente pelo Norte, Kim diz estar disposto a aceitar o fim do seu arsenal nuclear sob certas condições de segurança secretas. O líder norte-coreano já não exige sequer a saída dos 25 mil militares americanos estacionados no Sul.
As promessas de Kim são oferecidas num tom altamente codificado. Este fim de semana, por exemplo, o líder norte-coreano anunciou o fim da estratégia byungjin, ou “progresso em paralelo”, segundo a qual a Coreia do Norte avançaria simultaneamente nos terrenos militar e económico. Agora, afirmou a dias de encontrar-se com o presidente sul-coreano e possivelmente colocar um fim à guerra dos anos 50, Kim Jong-un procura “uma nova linha estratégica” que desenvolva “um ambiente internacional favorável à construção económica socialista”.
À superfície, Kim parece prometer o fim das armas nucleares em nome do desenvolvimento económico. No entanto, em nenhum momento do seu discurso de sábado Kim falou em eliminar o arsenal norte-coreano. Prometeu encerrar o principal centro de testes nucleares, sim, mas afirmou também que “já desempenhou a suas funções”.
“Isto tem mais ares de negociação militar de um país com armamento nuclear do que propriamente um regime forçado a desarmar-se”, afirma Adam Mount, cientista da Federação dos Cientistas Americanos, citado pelo “New York Times”. Trata-se da teoria soviética: avançar para negociações como potência nuclear incontestada, oferecer algumas ogivas e mísseis, congelar a situação atual e receber as devidas recompensas económicas. “É uma afirmação cuidadosamente redigida. Descreve uma limitação parcial dos programas nuclear e balístico, mas não promete o desarme. Mesmo sob estas restrições, a Coreia do Norte pode prosseguir a expansão significativa das suas capacidades.”
A semanas do encontro histórico com o presidente americano – realizar-se-á a finais de maio ou inícios de junho –, identificam-se três linhas de resposta às aparentes aberturas de Kim.
A primeira, mais otimista, apresentada por uma Coreia do Sul desesperada por desanuviar o clima da península, assegura que Kim tem planos diferentes que os dos seus antecessores e se revelará o Deng Xiaoping da Coreia do Norte. A postura intermédia, defendida no sábado por António Guterres, por exemplo, concebe uma abertura histórica de um regime pressionado pelas sanções internacionais, indisposto a abdicar dos seus programas militares mas no limiar do fracasso económico.
A leitura mais pessimista repete-se regularmente em Tóquio: antes de Kim abrir os braços, também Kim Jong-il pareceu acolher o fim dos sonhos nucleares apenas para mais tarde violar os acordos internacionais, recebendo pelo caminho um importante balão de oxigénio económico. “A História repete-se como farsa”, explica Lee Sung yoon, da Escola de Direito e Diplmacia da Tufts University, Boston. “As artimanhas de Kim não são originais e muito preguiçosas.”