icampeões europeus. É assim que se apresentam, desde o passado sábado, os 26 meninos – e respetivos técnicos – que bateram a congénere espanhola na final do Europeu de sub-20 de râguebi, em Coimbra, e assim revalidaram um título já conseguido em 2017, então numa prova disputada na Roménia e também numa final com Espanha. Um torneio, refira-se, que é composto pelo chamado ‘second tier’ europeu; seleções como a de Inglaterra e restantes ilhas britânicas (Escócia, País de Gales, Irlanda), de França ou de Itália estão muitos furos acima das outras e não entram nesta competição.
O triunfo (25-3) não mereceu qualquer discussão, numa exibição inclusivamente mais conseguida do que a das meias-finais, onde Portugal havia batido a Holanda por 22-7. Isto, perante uma Espanha que chegou à final com vitórias claras e sem pontos sofridos (82-0 à Ucrânia e 30-0 à Rússia). Os espanhóis até entraram melhor, colocando-se em vantagem aos quatro minutos na conversão de uma penalidade, mas a superioridade lusa viria a fazer-se sentir com o passar dos minutos. Duarte Costa Campos fez o primeiro ensaio de Portugal aos 14’ e uma penalidade transformada por João Lima levou o resultado em 8-3 para o intervalo.
Na segunda parte, o domínio português foi incontestável. Martim Cardoso dilatou a vantagem aos 56’, num ensaio, e João Lima aumentou ainda mais na conversão de nova penalidade. Aos 80’+3’, um ensaio de Duarte Azevedo, seguido de uma conversão de Simão Van Zeller, selaram o 25-3 final.
Objetivo: Mundial A
Esta conquista constitui uma «situação quase inédita», acredita Luís Pissarra, o homem que comanda estes campeões. Antigo internacional (esteve presente no Mundial de 2007, no que é até hoje o momento mais alto da história do râguebi nacional), o agora técnico não se lembra de outro feito do género «em qualquer modalidade» em Portugal. E não poupa nos elogios à sua equipa, que com este triunfo voltou a garantir o apuramento para o Mundial B, a realizar entre agosto e setembro e onde terá pela frente o Uruguai, as Ilhas Fiji e o vencedor do embate entre Estados Unidos e Canadá. O campeão desta prova apurar-se-á para o Mundial A, onde competem as maiores potências da modalidade, como a Nova Zelândia, a África do Sul, a França, a Inglaterra ou o País de Gales.
No ano passado, num torneio realizado no Uruguai, Portugal chegou à final com o Japão, numa caminhada impressionante travada apenas pelo clima… e pela organização. «Durante o torneio, esteve sempre a chover muito, o campo esteve sempre alagado. No dia do jogo, então, choveu uma anormalidade, havia trovões, uma verdadeira tempestade. O jogo antes do nosso esteve interrompido mais de dez minutos, e quando chegou a nossa vez o campo estava completamente encharcado. Até que, a 15 minutos do fim, interromperam o jogo e deram-no como concluído. Estávamos a perder, mas estávamos completamente por cima do jogo. Foi muito frustrante, mas pronto», recorda Luís Pissarra.
O percurso, esse foi irrepreensível. «Fomos ganhar às Fiji, uma potência da modalidade a quem Portugal nunca havia ganho fosse em que escalão fosse. Ganhámos ao Uruguai, que é uma potência da América do Sul e que vai aos campeonatos do mundo de seniores; e depois disputámos essa final com o Japão, que tinha sido relegado do Mundial A, que vai ser o próximo organizador do campeonato do mundo, vai ter os Jogos Olímpicos e que no último Mundial ganhou à África do Sul», realça o técnico, admitindo que tudo mudou desde então a nível de mentalidade dos atletas:
«Comparando com os outros países que competem nesta categoria (Espanha, Rússia, Roménia, Holanda), Portugal é de longe o país com menos praticantes. E no campeonato do mundo que vamos disputar, então… Mas o nosso feito no ano passado gerou um impacto tremendo, essa geração abriu portas no sentido de mostrar que é possível competir para ganhar. Foi um marco muito importante a nível psicológico. Agora, cada vez que formos para esta competição, só pode ser para ganhar. Isto já foi desbloqueado e a partir de agora tem de ser sempre esse o objetivo. A geração passada ouvia este discurso e ainda olhava com algumas dúvidas, esta já não. Espantámos o mundo do râguebi e agora vamos ter os olhos postos em nós.»
As palavras do ‘mister’ são corroboradas por Manuel Cardoso Pinto, que ficou famoso quando marcou o ensaio praça-a-praça frente à Roménia no Europeu do ano passado: «Este ano foi tudo completamente diferente. Foi a primeira coisa que se falou entre nós: era para ganhar. O ano passado fez-nos perceber que esse objetivo não estava assim tão distante. E para o Mundial, a mesma coisa. A perspetiva de poder jogar com os futuros melhores do mundo… em seniores está muito fora de alcance. Mas nos escalões jovens não. É esse o nosso objetivo.» E sobre o tal ensaio? «Só sei dizer que me senti muito rápido (risos)! A minha maneira de jogar sempre foi assim, sair de trás, arriscar com espaço, fugir ao contacto, mas nem me passava pela cabeça conseguir fazer o ensaio. Achava que ia passar por um ou dois e depois ser placado (risos). Com esse ensaio percebi que podia arriscar mais», explica o defesa do Agronomia.
A vida profissional complica tudo
Mais de 20 por cento da equipa deste ano esteve igualmente presente na caminhada vitoriosa da campanha de 2017. Um fator importante para o triunfo deste ano, admite Luís Pissarra. «Esses jogadores mais velhos, com mais experiência, acabam por passar o legado e contribuir para a coesão, a união do grupo. Dentro de campo somos um. Nós sabemos que todos os adversários vão ser maiores fisicamente que nós, geneticamente estamos logo tramados, somos sempre mais pequenos que os outros. Mas nós conseguimos, temos uma alma muito guerreira e muito combativa que surpreende. Eles olham para nós, veem o nosso tamanho e muitas vezes somos desvalorizados, mas quando nos veem em campo, a nossa união, a nossa capacidade defensiva, ficam surpreendidos. Felizmente», atira o técnico.
Manuel Cardoso Pinto concorda e revela até uma brincadeira de balneário. «Dizemos que é preciso entrar com um parafuso a menos (risos). Este ano estivemos em grande nível, por exemplo o nosso 3/4 mais pesado na final tinha 82 kg; o ano passado tinha 100! Mas este ano éramos mais equipa. Sabíamos que éramos mais pequenos e tínhamos de ser ainda mais agressivos. Neste caso, com menos dois parafusos (risos)! E o modelo de defesa que instaurámos este ano fez toda a diferença. No jogo com a Espanha, por exemplo, viu-se que eles não tinham ideias nos transportes», ressalva o jovem de 20 anos, estudante de Publicidade e Marketing em Lisboa.
O ano de 2007 ficou marcado na história do râguebi nacional. Pela primeira vez, a seleção nacional chegou a um Mundial de seniores e ficam para sempre as imagens dos Lobos a cantar o hino com a maior entrega e devoção. Luís Pissarra era um dos elementos dessa equipa e confirma que, desde então, todos os anos se inscrevem mais atletas na modalidade, embora o râguebi «ainda esteja longe de ser um desporto de massas».
Estes sucessos recentes nos escalões jovens podem contribuir para novos feitos históricos nos seniores. No entender do técnico dos sub-20, porém, nesse campo as dificuldades prendem-se com outros aspetos. «Nos escalões jovens conseguimos competir e dar muito boa réplica. Isso deve-se ao nível social dos miúdos, que até estas idades ainda têm disponibilidade, conseguem conciliar os estudos com a prática do desporto. Quando acabam os cursos e/ou iniciam a vida profissional, isto acaba por se tornar um hobby e muitos perdem a ambição e o compromisso a 100 por cento, deixam de ter este objetivo tão firme. Não é por acaso que a seleção principal neste momento é composta na sua maioria por miúdos que saíram há pouco dos sub-20. É preciso encontrar uma forma de fazer com que os jogadores integrem o mercado de trabalho sem ter de descurar a parte da competição», salienta o técnico.
Manuel Cardoso Pinto assume essa realidade: «Quando somos jovens conseguimos nivelar, mas nos seniores a vida profissional começa a afastar-nos. Em Portugal ninguém é profissional do râguebi, ao contrário do que acontece nos países contra os quais competimos.» Questionado sobre a possibilidade desta geração conseguir igualar o feito daquela de 2007, o defesa apresenta algumas reticências: «Na altura, Portugal conseguiu-o com muito mérito, claro, mas também porque países como a Geórgia, por exemplo, ainda não estavam tão desenvolvidos. Agora é muito mais difícil. Para já, estamos na terceira divisão, temos de subir uma e conseguir estar ao nível das melhores equipas da segunda. De qualquer forma, impossível não é. Já provámos nas camadas jovens que temos qualidade: esta geração promete muito.»