Resumindo o despacho da decisão instrutória do caso que envolve a TAP e a Sonair, uma subsidiária da Sonangol, pode concluir-se que ser angolano, por si só, não é crime. Esta foi uma das críticas ao MP apontadas ontem pelo juiz de instrução Ivo Rosa, que decidiu não levar a julgamento os sete arguidos deste caso, que se baseava num alegado esquema de circulação de dinheiro para favorecer responsáveis da petrolífera angolana.
Na decisão instrutória, a que o i teve acesso, o juiz condena as ligações estabelecidas pelo Ministério Público (MP) entre os alegados crimes de corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, falsificação de documentos e branqueamento de capitais e o facto de os supostos beneficiários serem de nacionalidade angolana e estarem associados a figuras com impacto social, económico e político naquele país. Segundo a acusação, Luís Ferreira do Nascimento José Maria, membro da nova administração da Sonangol nomeado pelo presidente angolano João Lourenço, seria uma das pessoas que beneficiaria do esquema de circulação de dinheiro, recebendo 2,5 milhões de euros dos 25 milhões de euros que saíram dos cofres da Sonair.
Francisco José Lemos Maria, ex-presidente da Sonangol, e Mirco Martins, enteado no ex-vice-presidente de Angola e antigo líder da petrolífera Manuel Vicente, também estariam envolvidos neste plano. Recorde-se que o ex-governante angolano já se viu a braços com vários casos na justiça, nomeadamente a Operação Fizz.
“O simples facto das estruturas societárias em causa serem tituladas por sociedades sediadas nas Seychelles e nas Ilhas Virgens Britânicas e de estas terem como destinatários finais cidadãos angolanos, não nos permite inferir, sem mais, que os movimentos financeiros, ou parte deles, têm origem ilícita”, refere a decisão instrutória.
“Na verdade, não existe qualquer presunção de que todos os atos praticados por pessoas ligadas à Sonangol ou por cidadãos angolanos, ainda que ligados, por razões familiares ou afetivas, a pessoas que exerçam, ou tenham exercido, cargos na Sonangol têm origem criminosa. Com efeito, não faz qualquer sentido, sobretudo desacompanhada de uma descrição de factos concretos, a referência da acusação a propósito da ligação de Mirco Martins a Manuel Vicente”, acrescenta.
Falta de indícios O juiz decidiu que o caso não seguirá para julgamento. Durante a leitura instrutória, Ivo Rosa explicou que não tinham sido recolhidos “indícios suficientes nos autos para submeter os sete arguidos – três advogados ligados à Worldair e quatro funcionários da TAP – a julgamento pelos factos que lhes foram imputados na acusação”, ordenando o “levantamento imediato da apreensão dos saldos bancários” de contas ligadas aos arguidos e o cancelamento da apreensão dos imóveis envolvidos neste caso.
Em causa estaria um esquema de lavagem de dinheiro que permitia a responsáveis da petrolífera angolana colocar dinheiro da empresa estatal em Portugal. Os montantes seriam pagos pela Sonair à TAP, que tinha depois de pagar uma comissão elevada à Worldair, uma empresa de consultoria que, segundo o Ministério Público (MP), servia de intermediária no esquema.
A TAP não prestou qualquer serviço à Sonair, que “nunca exigiu a prática de qualquer trabalho de manutenção de motores de aeronaves”, lê-se no despacho de acusação, consultado pelo i. A TAP teria recebido cerca de 25 milhões de euros por serviços que não desempenhara – 18 milhões correspondiam a comissões da Worldair pelos supostos serviços de consultoria enquanto intermediária deste negócio. No entanto, a TAP emitiu faturas de 9,9 milhões de euros, mas interrompeu os pagamentos quando começaram as investigações levadas a cabo pelas autoridades.
O fim de um braço de ferro Na decisão instrutória, é feita referência ao processo administrativo que deu origem a este inquérito. Recorde-se que o juiz de instrução criminal exigiu uma cópia integral do processo administrativo, mas o procurador recusou-se a cedê-la. A questão chegou à PGR, que deu razão a Ivo Rosa, exigindo apenas que fossem excluídos “todos os dados identificativos de quem procedeu à comunicação de operação suspeita e prestou ou forneceu (…) informações e outros elementos que naquele procedimento foram integrados”.
No entanto, deste processo administrativo com mais de 1000 páginas, o MP remeteu apenas cerca de 500. Na decisão proferida ontem, o juiz considerou que o MP “violou o princípio da legalidade” e “os princípios do Estado de Direito Democrático, do processo equitativo, da lealdade processual e das garantias de defesa”.
As considerações sobre o trabalho do MP, neste caso conduzido pelo procurador Carlos Casimiro, não se ficam por aqui. Em algumas partes da acusação, entende o juiz, o MP “limitou-se a fazer uma alegação genérica, com apelo ao uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas e obscuras”.