A comissão de inquérito às rendas do setor energético abre uma caixa de Pandora onde o PSD espera ver politicamente debatido o caso José Sócrates. “O princípio continua a ser o de ‘à justiça o que é da justiça’, mas agora vamos poder discutir a dimensão política dos processos”, comenta um social-democrata que acha que não haverá forma de Sócrates ficar de fora das audições.
O objeto da comissão de inquérito proposto pelo BE na sequência das revelações em torno de Manuel Pinho é, na realidade, amplo o suficiente para obrigar o antigo primeiro-ministro a ir ao parlamento dar explicações. Os bloquistas propõem escrutinar os contratos de rendas no setor energético entre 2004 e 2018, analisando “a existência de favorecimento por parte de governos relativamente à EDP, no caso dos CMEC” e”a existência de corrupção de responsáveis administrativos ou titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição destas rendas”.
De resto, o líder parlamentar do BE admitiu ontem que os ex-primeiros-ministros destes 14 anos poderão ser chamados a esta comissão que deverá ser debatida no dia 11. “Não deixaremos ninguém de fora”, garantiu o bloquista.
O período definido pelo BE abrange, além da governação de Sócrates, os governos de Durão Barroso, Pedro Santana Lopes, e Pedro Passos Coelho. Mas entre os sociais-democratas para já há mais entusiasmo do que nervosismo, porque a expectativa é a de capitalizar o facto de, pela primeira vez, se abrir caminho a uma avaliação política do caso que envolve José Sócrates.
António Costa foi o primeiro a afastar o caso Sócrates do perímetro político, logo no momento em que o ex-primeiro-ministro foi detido. “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS , que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”, escreveu Costa num sms enviado aos militantes no momento em que se preparava para assumir a liderança do partido, no Congresso de 2014.
Essa tendência foi seguida não só pelo PS, mas também nos restantes partidos, que acabaram por evitar usar na disputa política os casos judiciais e as suspeitas de corrupção. Isso mudou agora com a iniciativa de Rui Rio de chamar Manuel Pinho a explicar-se ao parlamento sobre os pagamentos que terá continuado a receber do GES para beneficiar a EDP enquanto era ministro da Economia de Sócrates.
O BE pegou no mote de Rio e, lembrando que uma simples audição é algo a que se pode faltar e no qual as falsas declarações não são crime, avançou com a proposta de uma comissão de inquérito.
César corrige o tiro No PS rapidamente se percebeu o potencial explosivo do tema. Os socialistas não hesitaram em dar apoio à iniciativa do BE – que foi também apoiada pelo PCP e à qual o CDS não se opôs, criando uma rara unanimidade entre os partidos.
A consciência da gravidade do caso fez, de resto, Carlos César tomar a iniciativa de criticar Pinho e Sócrates. “O PS sente-se, como os partidos, a confirmar-se o que é dito, envergonhado”, disse comentando o caso de Manuel Pinho, sublinhando que a vergonha no caso de José Sócrates “até é maior”.
As declarações foram inusitadamente fortes e levaram mesmo o grupo parlamentar do PS a perceber que era preciso dar algum contexto ao que César tinha dito no seu programa na “TSF”. Por isso, ao final da tarde de ontem, o gabinete de imprensa socialista no parlamento enviava às redações a gravação da resposta de Carlos César no final de uma reunião com o vice-presidente do Governo Regional dos Açores, quando questionado sobre as suspeitas sobre Pinho.
Nesse som, Carlos César diz ser “muito importante que os portugueses soubessem que os políticos e os seus representantes são pessoas sérias”, defendendo que os casos de corrupção “constituem uma minoria” e que não se deve “tomar a nuvem por Juno”.
César frisa, de resto, que no PS se sente vergonha, “como noutros partidos” se sentiu o mesmo em casos de corrupção ao longo das últimas décadas. E volta ao espírito de separar justiça de política, sublinhando que, apesar das análises políticas dos casos, “os políticos não podem fazer uma condenação prévia” de quem é alvo de suspeitas. “O que nós podemos dizer é que se essas acusações se confirmam e são de facto verdadeiras, são de facto muito tristes e revoltantes”.
João Galamba também surpreendeu, ontem, ao afirmar na SIC Notícias que os casos que envolvem Pinho e Sócrates são “algo que envergonha qualquer socialista” e que “é evidente que o PS está incomodado” e sempre esteve. Só não explicou por que motivo só agora expressou esse incómodo.