Marcelo está a abrir espaço para vetar uma futura lei da eutanásia ou a dar o sinal de que irá promulgá-la – apesar da sua condição de católico? A questão dominou ontem algumas conversas nos bastidores da política. Afinal, em entrevista à Rádio Renascença e ao “Público”, o Presidente disse, recordando o seu famoso discurso, ainda em campanha, na Voz do Operário, em Lisboa: “O veto político não será uma afirmação de posições pessoais, representará a análise que o Presidente da República fará do estado da situação na sociedade portuguesa no momento em que for solicitado a ponderar se promulga ou não.”
Marcelo esclarece que “tem adotado este critério em todas as circunstâncias” em que vetou politicamente. “Se tiver dúvidas de constitucionalidade, suscitarei a fiscalização preventiva; se não tiver, nem de constitucionalidade nem de natureza política, promulgarei.”
Tendo em conta que Marcelo também afirma na mesma entrevista que considera que já existe debate suficiente na sociedade portuguesa sobre a eutanásia, surgiram dúvidas sobre se a declaração seria um sinal de que o católico Presidente estava pronto para promulgar a primeira lei da eutanásia em Portugal.
Na realidade, Marcelo quis deixar todas as opções em aberto. Mas entre os opositores à eutanásia há quem veja também, na contenção com que Marcelo abordou o tema, uma forma de abrir espaço político para um futuro veto – caso a oposição a uma lei da eutanásia seja de forma que “a análise que o Presidente fará do estado da situação na sociedade portuguesa” lhe permita um veto político inatacável.
Para já, o Presidente não quer falar muito do assunto. “Sobre essa matéria, o que eu disse está dito e não tenciono dizer mais nada até me chegar, se for esse o caso, um diploma para efeitos de promulgação. Eu apelei a um debate, no que dependia do Presidente apoiei o debate em várias instâncias, em particular com o papel muito importante do Conselho Nacional de Ética. Foi um debate muito participado por todos os quadrantes político-partidários, religiosos, sociais. Agora seguem o seu curso as iniciativas parlamentares, esperarei aqui em Belém.” Já se sabe que o argumento “falta de debate” não será utilizado nunca por Marcelo caso acabe por decidir optar pelo veto político.
A questão da justiça foi outro tema central da entrevista, com o Presidente a insurgir-se contra a sua lentidão. “Num Estado de direito democrático, nós temos de ir renovando o sistema judicial, em todas as suas componentes, por forma que não haja um risco do alongamento do tempo judicial, que será sempre mais longo.”
O Presidente afirma que na opinião pública há a ideia de “um desfasamento enorme” da justiça relativamente aos tempos mediático e político: “Passa um ano, passam dois anos, passam três, passam quatro, passam cinco anos.” Para Marcelo, “isto pode ter depois consequências. A primeira é uma crítica em relação ao sistema judicial, achando que justiça que é muito lenta acaba por ser menos justa porque chega tarde demais. E, algumas vezes, eu encontro essa sensação em setores da sociedade portuguesa”, disse.
Em segundo lugar, diz Marcelo, “há um outro risco. O risco é prescindir-se do tempo judicial”, achar-se que “isto é de tal maneira que nós morremos primeiro”.
Ora, para o Presidente da República, “é grave num Estado de direito democrático” se for “irrelevante a decisão que houver”. Marcelo afirmou que só avaliaria o mandato de Joana Marques Vidal quando a isso fosse constitucionalmente obrigado.