O escândalo com os duplos financiamentos das viagens dos deputados das Regiões Autónomas levaram a comissão de Ética do Parlamento a defender a revisão da atribuição dos subsídios. «Faz todo o sentido que o direito ao reembolso seja tido em conta no cálculo do valor de referência», lê-se no parecer divulgado esta semana.
O regulamento de atribuição de subsídios está em vigor desde 2004 e nunca foi revisto, nem mesmo quando foi criado o Subsídio Social de Mobilidade – 2008 para a Madeira e 2015 para as duas regiões Autónomas. «Essa reponderação, no entanto, afigura-se justificável, uma vez que a mobilidade de reembolso determinou, ou pelo menos potenciou, uma diminuição do custo efectivo a suportar pelas viagens de residentes nas RA [Regiões Autónomas]», pode ainda ler-se no documento publicado no site a Assembleia da República (AR).
Para além da questão do valor, o grupo de trabalho presidido pelo deputado Luís Marques Guedes, do PSD, sugeriu que a forma de atribuição do subsídio seja também repensada. E sugerem que possa passar a ser feita através do reembolso «mediante apresentação do comprovativo das passagens aéreas», uma vez que a alternativa de serem os próprios serviços do Parlamento a «suportar diretamente o custo da parcela correspondente à passagem de avião» ia implicar um serviço personalizado de marcação e desmarcação de voos para cada deputado. Será ainda celebrado um protocolo entre a AR e as companhias TAP e SATA para cumprir a prioridade de reservas legalmente estabelecida para os deputados.
O parecer vem na sequência do pedido do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues que, já na altura em que a polémica surgiu, veio em defesa dos deputados envolvidos quando disse publicamente que «os deputados eleitos e residentes nas Regiões Autónomas não infringiram nenhuma lei nem nenhum princípio ético, nem nesta nem em qualquer outra legislatura».
Desde a publicação da notícia no Expresso a 14 de abril, que denunciou os duplos apoios do Estado nas viagens dos deputados aos arquipélagos, Carlos César, presidente do PS e deputado eleito pelos Açores e um dos envolvidos na polémica, tem defendido que o reembolso é «legal» e «eticamente irrepreensível».
Segundo a investigação, os deputados com residência nas ilhas faziam o pedido de reembolso do valor acima do estipulado no Subsídio Social de Mobilidade – que é de 86 euros para o arquipélago da Madeira e de 134 euros para os Açores – mesmo recebendo um subsídio de deslocação fixo para compensar as viagens no valor de 500 euros por semana, que recebem independentemente de fazerem ou não as viagens.
Demissões e devoluções
Apolémica envolveu, para além de Carlos César, os deputados Lara Martinho, João Azevedo Castro, Carlos Pereira e Luís Vilhena do PS;Paulo Neves, Sara Madruga da Costa, Berta Cabral, António Ventura e Carlos Costa Neves do PSD;e José Paulino Ascenção do Bloco de Esquerda. A única deputada que não recebeu o reembolso duplo foi a madeirense Rubina Berardo, do PSD.
Logo depois da publicação da notícia, Paulino Ascenção, o primeiro deputado do Bloco de Esquerda a ser eleito pela Madeira, anunciou a sua demissão. «Por considerar que o exercício do mandato parlamentar tem de ser pautado pelo mais absoluto rigor e por inabaláveis princípios éticos, decidi, em coerência, renunciar ao mandato de deputado na AR». Numa nota enviada às redações, Ascenção considerou ter sido «uma prática e incorreta», apresentou um pedido de desculpas e anunciou que o valor que tinha recebido «será entregue a instituições sociais da região da Madeira».
Também Sara Madruga da Costa, deputada do PSD-Madeira, anunciou que iria devolver o montante recebido. «Por uma questão de consciência, decidi antes de saber o resultado do parecer da AR, devolver as verbas recebidas», justificou a deputada num comunicado onde afirma ter agido de acordo com o que entendeu ser a lei, «embora reconheça, com toda a humildade, que tal possa ser eticamente questionável».
Já Carlos César recusou a ideia de devolver o valor duplicado. «Se tivesse uma convicção, pessoal, que este procedimento era ilegal ou eticamente incorrecto não era agora que vinha devolver. Nunca tinha recebido estes apoios», disse a 17 de abril numa entrevista à SIC Notícias. «A minha convicção é que este comportamento corresponde ao que está na lei.»
Polémica das moradas
A questão dos apoios estatais aos deputados tem vindo a levantar várias polémicas, nomeadamente no que à indicação da morada diz respeito.A 25 de abril, a revista Visão avançava que Rubina Berardo recebia apoio de deslocação por ter morada na Madeira, mesmo vivendo em Lisboa desde 2012. «Eu voto na Madeira, tenho habitação na Madeira, tenho um vínculo laboral na Madeira, portanto não há erro nenhum», disse a deputada ao jornal i.
Também José Matos Rosa indicou a morada de Portalegre quando vive em Lisboa com a mulher e a filha desde 2015, numa casa que é propriedade da filha, denunciou o Observador, na mesma altura. No entanto, a principal diferença entre os dois casos é que, enquanto Rubina Berardo foi eleita pela Madeira, Matos Rosa fez parte da lista do círculo de Lisboa. Ao jornal online, o deputado afirmou que a sua residência «sempre foi Portalegre» onde passa «vários fins de semana».
Anteriormente, em março deste ano, Feliciano Barreiras Duarte, deputado doPSD, chegou mesmo a pedir a demissão de secretário-geral do PSD por ter indicado nos serviços da AR que vivia no Bombarral enquanto vivia na capital.