«O homem faz levantar salas». Mesmo vários socialistas moderados, que não partilham a defesa da esquerdização do PS do ‘pedronunossantismo’ e até apoiariam com agrado uma aliança com o PSD, não escondem a admiração pelas qualidades políticas de Pedro Nuno Santos, atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e ex-líder da JS.
As salas que o ‘homem’ levanta são aquelas onde os militantes do partido se vão reunindo e a verdade é que, praticamente todos os fins-de-semana, Pedro Nuno Santos participa em sessões com as bases. Ele tem um projeto de poder ideologicamente vincado e nunca, mas nunca, escondeu o seu desejo de ser candidato à sucessão de António Costa, quando a coisa se colocar. De resto, o próprio Costa sabe disto perfeitamente. Aliás, quase inopinadamente, numa ação da campanha eleitoral em 2015, no distrito natal de Pedro Nuno, Aveiro, António Costa fez um passe de bola ao atual secretário de Estado, afirmando depois que passar-lhe a bola «tinha um grande significado político».
Desde os tempos da candidatura de Jorge Sampaio (que António Costa apoiou) que uma ala esquerda do Partido Socialista não tinha um projeto de poder com cabeça, tronco e membros. Manuel Alegre, que foi o rosto da ala esquerda no confronto com José Sócrates, não tinha, na realidade, um projeto de poder interno – chegou a dizer em plena campanha contra Sócrates que não se via como primeiro-ministro. E se é verdade que António Costa reuniu à sua volta a esquerda do ‘pedronunossantismo’ contra António José Seguro, também teve com igual vigor o apoio de muitos moderados.
Mas o que é ao fim e ao cabo o ‘pedronunossantismo’? É uma corrente que se bate há anos, muito antes da formação da geringonça, pelo diálogo do PS com os comunistas e bloquistas. Desde os seus primeiros passos na política que a batalha de Pedro Nuno Santos é que a esquerda possa «construir alguma coisa em conjunto».
O pedronunossantismo defende um ativo papel do Estado, tal como aconteceu na social-democracia do pós-guerra e é frontalmente contra as correntes liberalizadoras que atafulharam os partidos socialistas europeus depois dos anos 80 – da Terceira Via de Giddens e Tony Blair à Alemanha de Schroeder. O ‘pedronunossantismo’ defende um regresso às origens da social-democracia – o Partido Socialista não pode deixar de falar para os elos mais fracos da sociedade. No texto que publicou no Público na semana passada Pedro Nuno Santos escreveu mesmo que o PS não pode só falar para a «classe média qualificada» e ignorar «os eleitores com baixas e médias qualificações». Afinal, foi o abandono deste eleitorado pelos partidos do sistema que o levou, em vários países europeus, para os braços da extrema-direita.
Mas o pedronunossantismo não menoriza o famoso centro – que Augusto Santos Silva, veio recentemente reclamar como a verdadeira casa mater do PS. O que os homens que se reunem à volta do atual secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares acreditam é que não é preciso abandonar o discurso de esquerda para conquistar o centro.
Moção ao Congresso
Este não é o congresso de Pedro Nuno Santos. Enquanto Costa for secretário-geral, o pedronunossantismo não vai concorrer ao poder máximo dentro do PS. A lealdade de Pedro Nuno Santos a António Costa tem sido, até agora, à prova de bala, apesar de algumas divergências de caminho.
Mas no congresso do PS, que decorre na Batalha de 25 a 27 de maio, Pedro Nuno Santos vai apresentar uma moção setorial sobre ‘Política de Inovação’. A moção, que foi entregue ontem, na data-limite, dará a visão social-democrata de uma matéria essencial para o futuro.
Mas a verdade é que o pedronunossantismo já está a ocupar vários lugares de poder dentro do aparelho socialista. Hoje, a Federação da Área Urbana de Lisboa, uma das mais importantes do PS, está nas mãos de Duarte Cordeiro, número 2 da Câmara de Lisboa, e um dos representantes do ‘pedronunossantismo’.
Mas Duarte Cordeiro, ocupando o cargo de maior relevo, não é o único. As últimas eleições federativas mostraram que apoiantes do atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares dirigem muitas estruturas intermédias do PS espalhadas pelo país. O ex-deputado Ricardo Gonçalves, um moderado apoiante de Francisco Assis que foi contra a constituição da geringonça, disse ao i que a linha afecta a Pedro Nuno Santos «domina a maior parte das estruturas intermédias do partido. A maior parte das pessoas que hoje se movimentam no terreno são afetas ao Pedro Nuno Santos».
‘Não’ a Augusto Santos Silva
É verdade que o atual ministro dos Negócios Estrangeiros e número 1 do Governo, Augusto Santos Silva, sempre foi o inteletual/ideólogo dos governos por onde passou, liderados primeiro por António Guterres e depois por José Sócrates. Percebeu-se recentemente que mantém, com António Costa, a mesma função. Em textos escritos na sua qualidade de militante promoveu o ‘recentramento’ do partido e defendeu que «o caminho do PS é o da esquerda moderada e europeia»
Santos Silva, que ignorou BE e PCP, afirmou «que o futuro da esquerda democrática não está na radicalização política ou programática» e fez a defesa da Terceira Via de Giddens levada à prática por Blair, elogiando a «renovação e a modernização operadas nos fins do século XX» contra os que querem «enterrar a Terceira Via e extirpar a dimensão liberal da nossa visão de sociedade».
Ao ideólogo principal do Governo, Pedro Nuno Santos disse ‘não’. Em artigo de resposta no Público, Pedro Nuno Santos faz duras críticas à Terceira Via que o n.º 2 do Governo recuperou: «Hoje impõe-se fazer uma avaliação crítica da Terceira Via. No plano ideológico, a fronteira entre a esquerda e a direita foi demasiado esbatida, e a corrida para o centro descaracterizou o nosso ideário ideológico, programático e linguístico, deixando que muitas bandeiras fossem apropriadas por forças à nossa esquerda», escreveu Pedro Nuno Santos para quem a Terceira Via «aceitou a introdução generalizada da lógica mercantil nos serviços públicos e que os mercados fossem os únicos motores do crescimento económico».