Manifestação. Imigrantes reúnem-se com PS, BE e PCP para alterar a lei

Muitas centenas de imigrantes de todo o país concentraram-se junto às escadarias do parlamento na manhã de segunda-feira. Contestam uma norma do SEF de 2016 que impede os imigrantes que trabalham e descontam para a Segurança Social de se legalizarem

Alberto Matos trabalha há 17 anos, no Alentejo, na SOLIM, Solidariedade Imigrante. Assistiu nestes anos a uma profunda transformação dos campos sem fim das terras queimadas pelo sol do sul de Portugal. Em Baleizão, lugar onde foi assassinada, pela GNR, a camponesa Catarina Eufémia, os imigrantes que hoje cultivam os campos perguntam-lhe muita vez o que significa o monumento que assinala o sítio onde tombou. “Eu explico-lhes e, provavelmente, no próximo 19 de maio, dia em que se assinala a morte, estarão mais imigrantes que alentejanos dado o esvaziar da terra”, diz o ativista. “Eu estarei lá, estou lá todos os anos, enquanto ainda estiverem vivos alguns filhos da puta.”

São nove horas da manhã, começam a chegar os primeiros imigrantes às escadas da Assembleia da República, são colocados os primeiros panos. Às 10 horas ainda são poucas dezenas – as cinco camionetas de outras localidades do país ainda estão perdidas no meio do trânsito e, pouco a pouco, vai chegando mais gente. A maioria vem da Ásia e são homens: passam de mão em mão os dois megafones existentes: o inglês é língua franca, mas as palavras de ordem vão sendo gritadas: “residência para todos”, “documentos para todos” e, em inglês, “no more country out”.

Imran Mubasmar tem 28 anos e é paquistanês. Muito jovem, veste um fato azul e trabalha em Portimão, no jardim de um hotel. Não consegue legalizar-se. “Sinto que me estão a queimar anos de vida. Estou aqui há três anos a fazer descontos para a Segurança Social, não tenho nenhuma resposta.” O jovem paquistanês não pode ver a sua família no Paquistão: se sair, não vão deixá-lo entrar. “Se tivesse papéis, poderia estudar e progredir. Trabalho muito, gosto de cá estar, mas sinto que me estão a roubar os sonhos. Se sair para outro país é como se tivesse ficado sem anos de vida.”

Desde março de 2016, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras mudou a forma de atuar e determinou que os imigrantes que até então tinham entrado no país ilegalmente, mas que descontavam há anos para a Segurança Social, não podiam de nenhuma forma legalizar-se, recorrendo ao artigo 88 da lei do SEF, que previa anteriormente a dispensa do visto em casos em que os imigrantes estivessem a trabalhar e descontassem para a Segurança Social.

Com a alteração da lei, restava o artigo 123, que prevê essa possibilidade em casos humanitários e em que os candidatos prestem um serviço relevante ao país. Até agora, 100% dos pedidos pelo 123 vêm recusados, segundo nos afiançam os ativistas da SOLIM.

Quando falo com o dirigente desta organização, Timóteo Macedo, sobre o facto de o SEF ter considerado que o artigo 88 podia estar a alimentar as redes de tráfico de pessoas, ele responde-me que isso não é verdade: “Isso é uma falsa questão. Até março de 2016 havia mais flexibilidade com o 88 e não houve nenhuma invasão de imigrantes. O que nós defendemos é que toda a gente que trabalha, faz descontos, contribui para a economia de Portugal possa ser legalizada.” Para isso, a SOLIM teve encontros com os grupos parlamentares do Bloco de Esquerda, Partido Socialista e PCP, para os sensibilizar para ser proposta uma alteração à lei.

Uma reforçada delegação de deputados do Bloco de Esquerda foi à concentração de imigrantes. A líder do BE, Catarina Martins, disse ao i que o seu partido vai apresentar duas propostas: uma que legaliza todos os imigrantes com um ano de descontos, e outra que obriga o Serviço Nacional de Saúde a tratar os imigrantes que cá trabalham, mesmo não tendo papéis de residência. Quando perguntada se há flexibilidade do Partido Socialista nesta matéria, Catarina Martins sorri: “Não é a matéria onde há os maiores consensos, mas é um problema social que é preciso resolver. E nós não abdicamos de nos batermos por essa resolução.”

Na multidão salientava-se, pelo contraste, um jovem russo com um cartaz onde se lia: “Tenho contrato, tenho estudos, falo 5 línguas, amo Portugal, entrei com visto e mesmo assim não tenho residência.” Dimitri Ledovski entrou em novembro de 2016. Legalmente, tinha residência em França, onde era professor de Francês. Durante seis meses exerceu a mesma profissão cá; neste momento é rececionista num hotel. Antes de expirarem os seus documentos, foi ao SEF pedir residência. “Neste momento, já expiraram, dado que nunca mais me dão resposta. Quando lhes pergunto quanto vão demorar, dizem-me sempre o mesmo: que vá trabalhando e fazendo os descontos, mas que espere, que isso não tem prazo. Sinto-me com a vida pendurada”, diz-nos.

Dalgeer Singh Thind, indiano, está na manifestação visivelmente preocupado: trabalha e desconta para a Segurança Social há 24 meses, mas recebeu uma carta do SEF a intimá-lo a ir lá, para ser expulso. Mostra os documentos todos a Jéssica Lopes, uma ativista que fala com ele e o vai acalmando: ele tem de ir ao SEF, pedir que lhe deem advogado, e não assinar nada que permita expulsá-lo. Vai ser uma longa luta, para isso tem de ter calma e continuar a trabalhar, para um dia poder, caso PS, PCP, Bloco e outros partidos estiverem de acordo, ser legal no país onde vive e trabalha todos os dias.