O regime norte-coreano continua de braços cruzados e insiste que ficará assim até que as suas exigências – para já, que terminem os ensaios militares dos inimigos – sejam ouvidas.
Esta quinta-feira, respondendo à oferta sul-coreana de retomar o caminho da diplomacia e usar Seul como um canal de mediação com o presidente norte-americano, para não pôr em risco a cimeira de junho, Pyongyang enterrou os pés na areia e lançou vários insultos ao vizinho, com o qual ainda recentemente andava de mãos dadas.
“Neste momento de oportunidade, as autoridades sul-coreanas têm revelado ser um grupo claramente ignorante e incompetente, desprovido da mais elementar consciência da situação presente”, anunciou esta quinta Ri Son Gwon, o presidente do Comité da Coreia do Norte para a Reunificação Pacífica.
Nada mudou para já nos cálculos americanos e sul-coreanos. Ambos os lados acreditavam ainda esta quinta que o papel de durão assumido na quarta-feira por Kim Jong-un é apenas uma manobra de negócios destinada a espremer o máximo possível de Donald Trump, que nas últimas semanas vem já fazendo comícios de vitória sobre o dossiê coreano.
A estratégia é relativamente simples: o ditador coreano ameaça uma cimeira que Trump deseja na tentativa de lhe extrair concessões – nos exercícios militares com a Coreia do Sul, no prazo para o alívio das sanções ou noutros pontos. Pela lógica coreana, o presidente americano já gastou muito capital diplomático com o abandono do acordo iraniano e não se pode dar ao luxo de perder a cimeira de Singapura.
Kim, diz-se em Washington e Seul, quer apenas uma melhor mão para a cimeira de junho.
Ninguém arrisca antever o sucesso ou o fracasso da estratégia coreana. No entanto, se as teses do bluff estão corretas, o impasse desta semana não se resolverá da noite para o dia.
Quem sai mais a ganhar?
O nó pode mesmo desatar-se apenas na semana que antecede a cimeira. As apostas, por agora, estão contra Pyongyang. Afinal de contas, foi Kim quem convocou a cimeira, em março, e quem ainda mais pode beneficiar com ela. O regime norte-coreano tenta há décadas organizar um encontro deste nível e exposição com o governo americano, em busca da validação no plano internacional que nunca obteve.
No entanto, como argumenta Evan Osnos, jornalista norte-americano e um dos repórteres com mais contacto com o regime coreano e o seu aliado chinês, Donald Trump encontra-se também em terreno lamacento – neste caso, criado por si próprio: “Trump tem-se comprazido luxuriantemente com elogios próprios, dizendo, na semana passada, que ‘toda a gente considera’ que deve receber o Nobel da Paz. Declarações deste tipo podem ter ameaçado a sua iniciativa-bandeira na política externa. Quanto mais abraça a cimeira coreana como a medida da sua presidência, mais Pyongyang pode ganhar ao ameaçar cancelá-la”, escreve na “New Yorker”.
David Frum, intelectual conservador e antigo responsável no governo de George W. Bush, repetia esta quinta-feira um raciocínio semelhante ao de Osnos. A Casa Branca, conclui, não tem outra hipótese que não uma cimeira bem-sucedida.
Se isso não acontecer, argumenta Frum, Trump inventará um sucesso qualquer, como fez na sua vida de negócios: “O governo Trump pode não ter outra hipótese para além de exagerar os méritos da cimeira: antes de verdadeiramente ter conquistado um sucesso coreano, comprometeu-se com um segundo confronto, contra o Irão”, afirma na “Atlantic”.