Os quatro partidos que levaram a discussão da eutanásia ao parlamento prometem não deixar cair a despenalização. É garantido que PS, Bloco de Esquerda (BE), PAN e PEV voltarão à carga na próxima legislatura, sem alterações de maior aos projetos de lei. Até lá, BE e PCP – que, no debate de anteontem, se envolveram numa inflamada troca de argumentos, com os bloquistas a acusarem a bancada comunista de se ter juntado aos que “apostaram numa estratégia de medo” – deverão enterrar os machados de guerra.
Ontem, no day after do chumbo dos quatro projetos de lei, o clima já era de armistício, com o deputado do Bloco José Manuel Pureza a desvalorizar os desaguisados da véspera. “O debate teve momentos de confronto político que são necessários”, justifica, acrescentando que o que “causou mais estranheza” nem foram os argumentos do PCP, mas a votação diferenciada dos deputados abstencionistas e desalinhados do PS e do PSD: “Os quatro projetos eram muito semelhantes entre eles, não consigo entender que tenha sido possível encontrar uma diferenciação tão grande.
Já António Filipe, do PCP, disse ao i que prefere deixar “as análises” sobre as picardias “para os analistas”. “O que havia a dizer sobre a eutanásia foi dito durante o debate”.
Ainda assim, José Manuel Pureza não deixou de recordar que já houve “outros momentos” de maior agressividade no esgrimir de argumentos entre Bloco e PCP, mas com as ‘bombas’ a partirem do lado comunista. “Por exemplo, quando o PCP não condenou o massacre na Síria e comparou o Bloco de Esquerda a Donald Trump”, recorda, rejeitando logo a seguir que as relações entre as duas bancadas possam ter saído machucadas do chumbo à despenalização da eutanásia.
Com os machados de guerra aparentemente enterrados, o certo é que o debate de anteontem ficou marcado por uma troca de argumentos pouco amistosa entre os dois partidos à Esquerda. Mariana Mortágua (BE) apontou o dedo à bancada do PCP, por se ter juntado à ala dos que apostaram “na estratégia do medo”, criando a ideia – que classificou de “uma mentira grotesca” – de que a eutanásia “é imposta aos idosos e a doentes mentais”.
A deputada do Bloco continuou a ofensiva dirigida ao deputado António Filipe, comparando a posição do PCP às de Cavaco Silva, Assunção Cristas ou Isilda Pegado e até recorreu a uma invocação de Deus pelo meio, perante os protestos da bancada comunista: “A nossa diferença é a escolha política. Se as consciências de Cavaco Silva, de Isilda Pegado, do deputado António Filipe ou da deputada Assunção Cristas determinam que, independentemente do sofrimento, a vida só é digna se for vivida até ao último sopro determinado por Deus, eu respeito essa consciência”. Logo a seguir, no retorno, António Filipe garantiu que, “ao contrário de outros”, o PCP pensa “pela sua própria cabeça”.
Uma farpa mais ou menos semelhante já tinha sido lançada dias antes do debate, no comunicado em que os comunistas anunciaram que votariam contra os quatro projetos de lei: o texto fazia referência a partidos que usam a eutanásia para tentarem assumir “protagonismos” e apostarem em “agendas políticas promocionais”.
O verniz continuou a estalar e estendeu-se às redes sociais, com Francisco Louçã (BE) a comparar o PCP ao Opus Dei, referindo-se a um texto publicado no site dos comunistas sobre a alegada existência de idosos na Holanda “com maiores rendimentos” e que “emigram para zonas de fronteira com a Alemanha” para não serem eutanasiados. “Não é o Opus Dei, é o PCP a escrever esta fábula. (…) Cria vergonha alheia e não imaginei que um partido como o PCP chegasse a este ponto”, escreveu o antigo coordenador bloquista.
À segunda passa Com divergências à esquerda ou sem elas, os quatro partidos que apresentaram projetos de lei visando a despenalização da eutanásia prometem voltar a apresentá-los na próxima legislatura.
“Vamos voltar a fazê-lo assim que haja condições e está visto que, nesta legislatura, essas condições não estão reunidas. Por isso, será na próxima”, promete a deputada do PS Isabel Moreira, para quem “a posição do PCP [de votar contra] é de um conservadorismo difícil de acompanhar” e que acredita que há “mais deputados” a favor da despenalização no PSD do que aqueles que se assumiram anteontem. “Não quiseram ficar com o ónus da aprovação”, diz a socialista. A colega de bancada Maria Antónia Almeida Santos garante, por seu turno, que o tema se tornou “incontornável”. “Na próxima legislatura estaremos ainda mais serenos e mais conscientes de que que temos de votar”, defende.
O deputado André Silva, do PAN, também já prometeu, logo a seguir às votações, regressar ao assunto: “Certamente em 2019 contamos voltar a trazer este tema”, afirmou anteontem aos jornalistas.
E Heloísa Apolónia – que insistiu que o debate dos projetos de lei deveria ocorrer só a seguir ao verão – aponta na mesma direção. “Não há, naturalmente, condições para voltar a apresentar os projetos de lei nesta legislatura, mas seguramente voltaremos ao tema”, promete a deputada d’Os Verdes, acrescentando que, por agora, o tempo é de “ponderar todos os argumentos que foram apresentados”.
Em setembro teria sido diferente? Os resultados teriam sido diferentes se se tivesse aguardasse por setembro para os discutir? “Acreditávamos que era necessária uma etapa de apreciação, de ponderação, e que o timing para votar deveria ser a partir de setembro, mas a verdade é que é impossível saber se adiando teria sido diferente”, defende Heloísa Apolónia.
Do lado do BE, a expectativa também é a de que a despenalização venha a acontecer na legislatura que começará em 2019. “É uma questão de tempo, não foi agora será na próxima legislatura”, escreveu no Facebook o deputado João Semedo. “Certamente que ficou claro que o envolvimento que o Bloco de Esquerda teve nesta matéria não fica afastado com a votação de ontem”, corrobora José Manuel Pureza, acrescentando que o Bloco “voltará a inscrever” a despenalização da eutanásia no seu próximo programa eleitoral.