A oferta pública de aquisição (OPA) sobre a EDP já foi registada e cabe agora à administração da elétrica pronunciar-se sobre as condições da oferta, desde preço à estratégia e oportunidade da operação lançada pelo seu maior acionista: a China Three Gorges que já detém 23,27% do capital social da empresa. O registo foi feito na sexta-feira na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), ou seja, na data limite e manteve o preço oferecido.
Os investidores oferecem 3,26 euros por cada ação da elétrica, enquanto na EDP Renováveis, a contrapartida está nos 7,33 euros. Um valor que já foi considerado pela administração de António Mexia, numa primeira análise, baixo ao defender que “não reflete adequadamente o valor da EDP”.
A avaliação da OPA será feita agora pela administração da elétrica que está liberta das restrições impostas pelo código de mercado a empresas que são alvo de OPA. Aliás, este foi o entendimento da CMVM, em resposta a um pedido de esclarecimento feito pela equipa liderada por António Mexia. Na prática, a administração executiva da EDP não fica limitada a uma situação de gestão corrente — pode comprar e vender ativos, por exemplo — mas ainda assim, tem de agir de boa fé, refere a CMVM.
A China Three Gorges apresentou no mês passado uma OPA sobre a totalidade do capital da elétrica, avaliando-a em 11,9 mil milhões de euros. A proposta chinesa tinha implícita um prémio de 4,8% face à última cotação antes da OPA, de 3,11 euros, mas os títulos rapidamente superaram o valor oferecido. Ainda esta sexta-feira, as ações fecharam a valer 3,367 euros, conferindo à EDP um valor de mercado de 12,25 mil milhões de euros. E caso a OPA sobre a EDP tenha sucesso, os chineses avançarão com uma oferta pública obrigatória sobre 100% do capital social da EDP Renováveis.
Preço pode ser entrave Sem dúvida que um dos entraves ao sucesso da OPA pode ser o preço. A opinião é unânime junto dos analistas contactados pelo i: o valor oferecido pela empresa chinesa é baixo e chega a ser inferior ao que foi oferecido ao Estado, em 2011, no processo de privatização, altura em que foram pagos 3,45 euros por ação.
Face a este cenário de preço baixo, os analistas admitem que é natural que possam vir a surgir eventuais ofertas que tenham um caráter mais “oportunístico”, no sentido de impedir a tomada de controlo ou a detenção da totalidade do capital. Aliás, nos últimos meses, têm surgido notícias dando conta do interesse de várias elétricas europeias, como a italiana Enel, a francesa Engie ou a espanhola Gas Natural Fenosa.
“Poderá surgir uma estrutura de investimento mais predadora que visasse obter um acordo favorável de uma parcela relevante do capital. Se um fundo detiver 5% a 10% dos direitos de voto, isso obrigaria a uma negociação direta”, refere ao i João Queiroz, do Banco Carregosa.
A opinião é partilhada por Eduardo Silva, analista da XTB. “Se se considerar a oferta pública de aquisição como um valor reduzido face ao valor real da EDP e se o Estado português não se opõe à aquisição da empresa por parte de uma empresa estrangeira, existe uma excelente janela de oportunidade e uma forte hipótese de surgirem propostas de empresas concorrentes, uma vez que a EDP estará disponível para ouvir e negociar propostas.
Mais variáveis No entanto, o sucesso da OPA não depende só do preço. Também os reguladores têm uma palavra a dizer e essas autorizações não se limitam apenas a Portugal, já que as entidades estrangeiras também têm de se pronunciar. O texto do anúncio preliminar indica 16 entidades diferentes.
As primeiras a serem mencionada são a Autoridade da Concorrência e a Comissão Europeia. A oferta só avança com “uma decisão da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia declarando a compatibilidade da transação com a Lei da Concorrência ou com o Regulamento das Concentrações Comunitárias”. Também o Departamento de Concorrência Federal do Canadá tem uma palavra a dizer.
A presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) já revelou, no mês passado, no parlamento que o regulador está a acompanhar a OPA da China Three Gorges à EDP, mas que só se vai pronunciar numa fase posterior.
“A ERSE só terá de se pronunciar num momento posterior. É evidente que acompanhamos o que está a acontecer”, explicou Cristina Portugal, durante uma audição parlamentar na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.
Daí os analistas falarem em processo complexo. “Esta OPA não terá vida fácil, uma vez que 25% do capital da REN pertence à State Grid of China, que, a par da CTG, é também uma empresa pública chinesa, pelo que, ao deter o mesmo acionista, será um grande entrave, pois deve haver uma separação entre a rede de transporte de energia (neste caso, a REN) e a comercialização e produção (EDP) da mesma”, diz Eduardo Silva.
Mas apesar desta complexidade, João Queiroz deixa um alerta: “Que, do ponto de vista da concorrência e do regulador setorial, esta operação possa servir para uma análise profunda ao mercado de produção, comercialização e distribuição de energia em Portugal, bem como a eficiência, a qualidade do serviço, os preços e a estrutura de mercado. Do ponto de vista do regulador de mercado de capitais, que faça cumprir a lei, tendo em atenção também os interesses dos pequenos acionistas.”
Steven Santos, analista do Big, lembra que por serem necessárias diversas aprovações regulamentares em geografias distintas (Europa, Portugal, Brasil e EUA), o processo gera complexidade adicional e, como tal, “ não nos permite projetar com relativa certeza o desenrolar de todo este processo regulamentar”.
Sem consenso O primeiro-ministro, António Costa, já disse que não tem “nenhuma reserva a opor” a que o grupo chinês realize a OPA sobre a EDP. “Não temos nada, nenhuma reserva a opor. As coisas têm corrido aliás bem, os investidores chineses têm sido bons investidores em Portugal, quer na REN, quer na EDP, quer em outros setores. Somos um país aberto, não temos uma visão fechada”, afirmou Costa. Para o governante, mais importante do que conhecer quem são os acionistas, interessa saber qual é o projeto para a empresa.
Também o Presidente da República afirmou que não lhe compete pronunciar-se sobre a OPA, remetendo a questão para o mercado e para as instituições reguladoras e de supervisão. “As empresas têm a sua vida própria. Vivemos numa economia em que existe mercado, em que há instituições reguladoras ou de supervisão. E, portanto, não compete ao Presidente da República estar a pronunciar-se sobre isso”, justificou Marcelo.
Uma opinião que vai ao encontro do que tem vindo a ser defendido pelo líder social-democrata. Para Rui Rio, esta operação é “uma questão de mercado” que não passa pela política. A OPA “é uma questão de mercado, a opção política é a opção de se privatizar ou não a energia em Portugal. A partir do momento em que se fez essa opção, agora só se tem que aplicar as regras do mercado, não passa efetivamente pela política”, revelou.
Já para o secretário-geral do PCP uma empresa como a EDP “não pode estar sujeita à disputa por parte de grupos económicos ou de Estados estrangeiros” e defende a renacionalizarão da elétrica. “Aquilo que o país precisa é que as suas empresas estratégicas, em vez de estarem nas mãos de grupos económicos americanos, alemães, franceses, espanhóis ou chineses, estejam nas mãos do Estado português, para servir o povo, para servir o desenvolvimento do país”, afirmou Jerónimo de Sousa.
O mesmo veio dizer a líder bloquista ao afirmar que a possibilidade dos chineses da China Three Gorges virem a assumir o controlo da EDP é uma “manobra particularmente perigosa”. “Como é que explicamos que o Estado português não pode mandar na energia e o Estado chinês pode? Esta manobra é particularmente perigosa porque, controlando já o Estado chinês através de várias empresas a REN, aumentando o seu poder com a EDP, aumenta-se a dependência face a um Estado estrangeiro”, afirmou Catarina Martins.
Também o CDS já veio pedir às entidades reguladoras e supervisoras para que “estejam atentas” à operação. “Há entidades que são reguladores e supervisoras e o que pedimos e esperamos é que estejam atentas e escrutinem todo o processo para que todo o processo decorra nos estritos termos da lei”, afirmou o vice-presidente do partido Nuno Melo. Ainda assim, lembrou que “a questão não é de política, é de mercado. Se uma empresa está no mercado, as regras são as do mercado, não são as da política”.