A investigação da Operação Lex vai de vento em popa. A Polícia Judiciária (PJ) realizou ontem novas buscas que podem trazer novos desenvolvimentos para este caso. O alvo foi o escritório – na empresa Varius Temperus – de Natércia Pina, arguida em processos de burla ao Estado e cliente do juiz Rui Rangel.
Neste espaço, localizado na zona de Telheiras, em Lisboa, a PJ apreendeu uma pasta com informações que o “SOL” já tinha revelado em primeira mão no passado mês de março: trata-se de documentos bancários, e-mails e registos contabilísticos que comprovam o esquema que o Ministério Público atribui a Rangel, e ao seu testa-de-ferro, para despistar pagamentos de despesas pessoais do juiz. Em troca, Rangel tomava decisões judiciais que favorecessem essas pessoas. Neste escritório, foram apreendidas pastas que continham as informações acima referidas e um disco rígido. Além do escritório, o i sabe que a PJ também fez buscas em casa de Natércia Pina, que já é arguida neste caso.
Como o “SOL” noticiou na altura, parte da documentação que foi agora apreendida diz respeito a pagamentos efetuados por Natércia Pina, funcionária hospitalar de profissão, que, entre maio de 2014 e maio de 2017, suportou despesas de Rangel e seus familiares. Ao todo, as despesas chegaram aos 14 mil euros.
Documentação a que o i teve acesso revela que nas buscas de ontem foram apreendidos no escritório de Natércia Pina “uma pasta de arquivo, tipo dossier, de cor cinzento, com a indicação na lombada ‘Dr. Santos Martins’, contendo no interior diversa documentação relativa a pagamentos, transferências e entregas em numerário a este advogado” (cujo conteúdo o “SOL” já tinha revelado), um telemóvel Nokia, diversa correspondência destinada a Santos Martins, um disco interno e diversos ficheiros informáticos, incluindo emails.
Todos os indícios contra Rui Rangel Na fundamentação do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça para as buscas de ontem pode ler-se que no caso Lex estão em causa os crimes de tráfico de influência, branqueamento, fraude fiscal, corrupção e recebimento indevido de vantagem e que o principal suspeito é “a pessoa de Rui Manuel de Freitas Rangel, juiz de Direito no Tribunal da Relação de Lisboa”.
O Ministério Público divide mesmo em três núcleos os alegados crimes praticados pelo magistrado.
Em primeiro lugar, as “solicitações e promessa de intervenção de Rui Rangel, a troco de vantagens de natureza patrimonial, para o exercício de influência sobre terceiros decisores públicos, designadamente juízes”. E neste primeiro ponto destaca-se a relação entre Rangel e o empresário José Veiga, que terá pago para obter a ajuda do juiz da Relação de Lisboa num processo que corria no Tribunal Tributário de Lisboa e mais tarde no recurso que chegou á Relação, “no âmbito do qual José Veiga viria a ser absolvido da prática de crimes de fraude fiscal e de branqueamento, crimes nos quais havia sido condenado em primeira instância”. Além disso, entram também neste primeiro quadro de crimes a influência que Rangel exerceu a favor de Luís Filipe Vieira, com a mediação do advogado Jorge Barroso, “junto da titular do processo 1297/13.BESNT do Tribunal Administrativo Fiscal de Sintra, a troco de um posto futuro na direção do Sport Lisboa e Benfica ou na Universidade que tal clube projeta instalar no Seixal”. É ainda destacada a influência do magistrado da Relação de Lisboa junto de colegas do mesmo tribunal num processo laboral no qual eram intervenientes Pedro Sousa, ex-diretor de comunicação do Sporting, e o Sporting Clube de Portugal – alegadamente pedida por José Veiga.
O segundo núcleo de crimes diz respeito à “ocultação e conversão das vantagens auferidas com a atividade suprarreferida através da faturação de serviços fictícios e utilização de contas bancárias de terceiros comparticipantes”. Rangel receberia o dinheiro em numerário ou através do pagamento de despesas. Como comparticipantes no esquema, o MP elenca o advogado Santos Martins, o filho deste, Bernardo André Santos Martins, a magistrada Fátima Galante, a atual companheira (de Rangel) Rita Figueira, o seu pai, Albertino Figueira, Nuno Proença, Bruna Amaral e João Rangel.
O terceiro núcleo de crimes descrito prende-se com o “desenvolvimento de uma atividade remunerada de prestação de serviços jurídicos de natureza privada (muitos dos quais para clientes africanos e indivíduos de nacionalidade portuguesa arguidos em processos crime pendentes em tribunais sob a alçada da competência decisória do Tribunal da Relação de Lisboa, como é o caco de Natércia Pina) incompatíveis com o cargo de juiz, associada à ocultação fiscal dos proventos respetivos”.
Além disso, suspeita-se de que oferecia a terceiros os seus serviços enquanto juiz, o que poderá vir a ser comprovado com o “cruzamento da listagem de clientela com os processos que lhe foram distribuídos”. É aqui que entra a corrupção.
As ligações a Natércia Pina O processo em que a funcionária hospitalar Natércia Pina já era arguida – a Operação Pratos Limpos – foi iniciada em 2015. Neste caso, Natércia Pina e o marido, Manuel Cleto, empresário de restauração, eram suspeitos de crimes como corrupção ativa e passiva, burla qualificada e tráfico de influências, na exploração de bares e cafetarias em hospitais de Lisboa, Setúbal, Portimão e Faro. Este esquema lesou o Estado em dois milhões de euros.
Foi esta investigação que acabou por levar os investigadores até Rangel e Santos Martins – foi através deste advogado que Natércia Pina entrou na ‘rede’ de clientes que o MP atribui a Rui Rangel. Um e-mail revelado pelo “SOL” em março mostra a proximidade entre ambos: “Cara amiga. Mais uma vez me vejo na necessidade de lhe pedir um grande favor. Tenho que pagar hoje uma dívida que se vem arrastando desde setembro, ao lar onde está a minha mãe, pois foi o máximo de prazo que me deram e queria evitar que a minha mãe tivesse conhecimento desta situação irregular. São 450 euros. Veja se e como pode ajudar”, lê-se no e-mail, datado de novembro de 2016. De seguida, o causídico enviou a Natércia as referências do cartão multibanco carregável.
Em maio de 2017, Rui Rangel estava sem dinheiro e precisava urgentemente de ajuda financeira. Nervoso, mandou várias mensagens para o telemóvel de Santos Martins, que acabaram por ser intercetadas pelos investigadores. Na altura, o advogado tentou apaziguar o juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, dizendo que Natércia ou já pagara ou iria pagar, e que tinha “andado a juntar das receitas dos restaurantes”. No mesmo dia, Santos Martins envia um e-mail a uma funcionária do escritório de Natércia: “Lurdes, boa tarde. Peço o favor de confirmar os pagamentos à NOS que pedi à Dra. Natércia para serem feitos e de me enviar os respetivos comprovativos de pagamento”. O “SOL” revelou na altura que em causa estavam duas faturas: uma no valor de 258,11 euros e a outra de 204,75 euros.