O Governo português está convencido de que a relação com Angola voltou aos eixos anteriores à questão Manuel Vicente e agora é recuperar o tempo perdido. Que os próximos dois anos «possam ser anos de retomar o número de exportadores que Portugal já teve, e hoje não tem, para reafirmar a prioridade estratégica que é a relação Portugal-Angola».
A afirmação é do secretário de Estado da Internacionalização que a foi dizer a Angola. Para Eurico Brilhante Dias, citado pela Lusa, o que estamos hoje a atravessar é «um momento novo» nas relações entre os dois países.
Sinal disso, a normalização do relacionamento diplomático: Carlos Fonseca entregou as credenciais como embaixador de Angola em Portugal a Marcelo Rebelo de Sousa esta quarta-feira. Desde 23 de abril, quando João Lourenço exonerou José Marcos Barrica, que a embaixada de Angola em Portugal estava sem liderança. Carlos Fonseca foi nomeado a 17 de maio, mas teve de esperar até agora para começar a exercer as suas funções.
O Presidente da República falou na ocasião da «expectativa altíssima» face a esta normalização. «As perspetivas são, à partida, tão boas em termos económicos e financeiros, sociais e políticos que agora é preciso é que os passos que sejam dados sejam todos seguros», disse Marcelo. «Os empresários, os trabalhadores, os estudantes têm expectativas; as comunidades que estão num país e noutro têm expectativa. Há que, no fundo, trabalhar de forma segura para que essas expectativas sejam realizadas», acrescentou o chefe de Estado português.
Carlos Fonseca estará atarefado nos próximos tempos com a viagem de António Costa a Angola, marcada finalmente, depois de muitas datas aventadas, para os dias 17 de 18 de setembro. A seguir, dedicar-se-á com afinco à preparação da visita oficial do Presidente João Lourenço a Portugal, que deverá acontecer numa data até ao final do ano.
«As autoridades angolanas e portuguesas compreenderam, no interesse dos seus povos e países, que era tempo de erradicar obstáculos a uma boa convivência, numa conjuntura mundial que requer muito diálogo, tendo em conta que há muitos problemas que exigem o empenho de países de diferentes continentes», escreveu, na quarta-feira, em editorial, o Jornal de Angola, o diário do Estado.
Desaparecido o tal «irritante» (tão irritante fonologicamente como semanticamente) da relação entre os dois Estados – leia-se enviado o processo do ex-vice-presidente Manuel Vicente para Angola, de modo a que seja julgado ou não por corrupção –, Portugal e Angola podem voltar a ser o que sempre têm sido, nações que sabem negociar bem em conjunto, por cultura e mentalidade próximas.
Manuel Domingos Augusto, o ministro das Relações Exteriores, passou por Lisboa na semana passada com uma carta de João Lourenço, sinal de que está tudo sanado.
Resolvida a questão política, ter-se-á agora de lidar com a questão económica, um dossiê que precisará de árduas negociações para solucionar. À frente de todas, está a transferência de divisas das empresas e particulares portugueses em Angola, que têm tido muita dificuldade para conseguir aceder a moeda estrangeira para pagar o que importam e transferir o que ganham. Por exemplo, face à escassez de dólares, Portugal poderá ajudar Angola no acesso ao euro de forma menos onerosa do que até aqui. Isso é vantajoso no sentido em que permitirá a Angola normalizar o pagamento das suas importações.
Brilhante Dias anunciou na quarta-feira que o Governo angolano ficou de estabelecer um cronograma de regularização de pagamentos das dívidas angolanas aos exportadores portugueses que ascendem a centenas de milhões de euros. O Executivo português não está à espera de que a situação se regularize nos próximos meses, mas esta intenção angolana já é um passo na boa direção.
«As empresas portuguesas têm legitimamente a vontade, a necessidade e a expectativa de receber uma parte substantiva daquilo que foi a sua emissão de fatura. Agora, compreendemos que cada caso é um caso e nós não vamos impor – e muito menos estaremos a ir para além das nossas competências – uma solução única para todas as empresas. Umas aceitarão determinadas condições, outras não», explicou o secretário de Estado.
A prioridade é «manter a economia angolana a funcionar», depois de três anos muitos difíceis devido à quebra do preço do petróleo no mercado internacional. Primeiro é preciso saber o tamanho da dívida e depois pensar em como se poderá regularizar – «um processo que gostaríamos todos que fosse mais rápido, mas que está em execução», desabafou Brilhante Dias. Mesmo assim, «há uma regularização dos atrasados que já começou». É um princípio.