O braço de ferro entre trabalhadores e administração da Autoeuropa em torno da implementação dos novos horários de laboração contínua após o período de férias em agosto está a ganhar novos contornos. Nessa altura, a fábrica de Palmela quer avançar um total de 19 turnos por semana – três turnos diários de segunda a sexta-feira e dois turnos ao sábado e ao domingo.
Para já, a Comissão de Trabalhadores (CT) pretende aumentos salariais de 4% em 2019 – com um valor mínimo de 36 euros, o pagamento a dobrar do trabalho ao domingo, tal como já sucede com os sábados, e a passagem de 400 contratos a prazo a contratos sem termo. Aliás, estas medidas fazem parte do caderno reivindicativo da estrutura que representa os trabalhadores que será discutida com os trabalhadores em plenários a realizar na próxima quinta-feira, revelou num comunicado interno.
De acordo com a entidade liderada por Fausto Dionísio, a administração da fábrica de Palmela recusa «discutir isoladamente as compensações para a laboração contínua», ou seja, o pagamento de um acréscimo de 100% no trabalho ao domingo, como sucede ao sábado, no novo horário de laboração contínua.
A CT pretende ainda que a empresa passe, até setembro do próximo ano, 400 contratos a prazo para contratos sem termo e que assuma que não irá levar a cabo qualquer despedimento coletivo durante a vigência deste acordo. O documento propõe ainda que a empresa faça uma entrega extraordinária de 100 mil euros para o Fundo de Pensões «a dividir de forma igual por todos os trabalhadores aderentes» e que mantenham todas as regalias sociais aprovadas em acordos anteriores, tendo já informado a administração que «não irá aceitar qualquer cláusula de renúncia».
Ao que o SOL apurou a administração está com pouca margem para negociar estas exigências da CT. Aliás, as negociações na Autoeuropa foram retomadas no final de junho, com os trabalhadores a pretenderem que a remuneração do trabalho ao domingo tenha um acréscimo de 100%, como sucede ao sábado, no novo horário de laboração contínua, mas a administração rejeitou essa proposta. A estrutura tem chamado a atenção para o facto de «as cargas de trabalho, o esforço acrescido que está a ser exigido aos trabalhadores e as alterações que os novos horários têm na vida pessoal de cada um e suas famílias não podem ser desvalorizadas e têm que corresponder a contrapartidas significativas».
Travar horário
Mas enquanto a Comissão de Trabalhadores continua a tentar negociar com a administração há um grupo de trabalhadores, denominado Juntos pelos Trabalhadores da Autoeuropa, que quer avançar com uma providência cautelar para impedir a implementação dos novos horários de laboração contínua.
O SOL sabe que esta ação já está a avançar e cada trabalhador está a entregar em média 25 euros – pode ser superior ou inferior consoante a disponibilidade financeira de cada trabalhador – para pagar um escritório de advogados para esclarecer se a administração pode ou não impor o novo modelo de laboração contínua sem o acordo dos trabalhadores e a satisfação das suas exigências quanto aos limites temporais e às compensações respetivas.
O i esta semana já tinha denunciado este descontentamento. «Desde há mais de um ano que a administração da Autoeuropa tem adotado uma postura de intransigência para com os trabalhadores para resolver um problema que ela mesma criou. Esta intransigência tem resultado em várias imposições prejudiciais aos trabalhadores, algumas delas levantando várias dúvidas quanto à sua legalidade», revelou esse grupo numa comunicação divulgada aos trabalhadores a que o i teve acesso.
Os novos horários foram uma consequência direta do aumento das encomendas do novo SUV. A meta já foi anunciada: atingir até final do ano um volume de produção na ordem dos 240 mil veículos – a maioria dos quais, o modelo T-Roc.
Fornecedores sem acordo
A maioria das empresas fornecedoras da Autoeuropa também ainda não têm acordo para o horário de laboração contínua. De acordo com a coordenadora das comissões de trabalhadores do Parque Industrial de Palmela, das 19 empresas existentes neste espaço – que contam com um total de cerca de 3500 trabalhadores -, apenas três a quatro chegaram a um acordo, «existindo algumas que têm acordos mais vantajosos que a própria Autoeuropa».
Já nas empresas que ainda estão em negociações, segundo esta estrutura «existe uma clara vontade por parte das administrações de diminuírem os rendimentos dos trabalhadores e agravando as suas condições de trabalho, aumentando inclusive a precariedade», acrescentando ainda que «há empresas com cerca de 70% de trabalhadores precários».
A coordenadora das comissões de trabalhadores do parque industrial lamenta ainda as recentes alterações propostas pelo governo ao Código do Trabalho no que diz respeito à utilização do período experimental, aumentando-o de 90 dias para 180 dias. Trata-se de uma medida «para que as empresas fragilizem as relações de trabalho para o lado dos trabalhadores».
E as críticas não ficam por aqui: «O Governo decidiu manter a norma da caducidade das convenções coletivas de trabalho, o que é revelador da vontade política e mantém a enorme desigualdade de tratamento entre trabalhadores que estão abrangidos e os que não estão, nas diferentes empresas, por qualquer convenção coletiva».