Vídeo de Centeno indigna esquerda e críticas da direita

Declaração sobre saída da troika na Grécia levou a onda de críticas até no PS

 

“Um vídeo lamentável que apaga o desastre que foi o programa de ajustamento grego e branqueia todo o comportamento das instituições europeias”. Foi desta forma que o ex-porta socialista João Galamba classificou esta segunda-feira no Twitter o vídeo do ministro das Finanças, Mário Centeno, sobre o fim de oito anos de resgate financeiro à Grécia. O governante revoltou o Bloco de Esquerda, mas também figuras da ala mais esquerda do PS, além do antigo ministro das finanças grego, Yannis Varoufakis. No PSD e no CDS apontam-se as contradições entre o cargo de ministro e de presidente do Eurogrupo.

No PS, ficou claro que Centeno divide opiniões e houve quem não perdoasse a  crítica do ex-porta-voz socialista.  “A comunicação de Mário Centeno sobre a saída da Grécia do programa de assistência faz todo o sentido. Está claro que o doido do Varoufakis (quase acabava o que restava do seu país) não lhe acha piada nenhuma, mas pensei que João Galamba já tinha esgotado as duas doses de radicalismo barato. Enganei-me”, escreveu o deputado socialista Ascenso Simões num comentário à opinião do antigo porta-voz do PS, num dia o nome Centeno inundou as redes sociais.

A troika saiu esta segunda-feira da Grécia e o ministro das Finanças vestiu a pele de presidente do Eurogrupo para saudar os gregos, assinalando “o dia especial” para aquele país da zona euro, numa versão em modo vídeo com a duração de pouco mais de um minuto, publicada no Twitter.

Numa declaração em inglês, Mário Centeno defendeu que a “Grécia voltou ao normal”, e que ontem “reconquistou o lugar porque tanto lutou”. Apesar dos elogios, o também presidente do Eurogrupo lançou avisos ao povo grego: “A Grécia reconquistou o controlo pelo qual lutou. Com controlo vem a responsabilidade. Os gregos pagaram caro pelas más políticas do passado, por isso voltar atrás, seria um grave erro”. Depois de sucessivas renegociações do resgate financeiro desde 2010, Mário Centeno reconheceu que os resultados ainda não chegaram “a toda a população” grega.

O discurso de Centeno caiu muito mal entre os parceiros de apoio ao governo.   Antes do comentário crítico do antigo porta-voz socialista também o dirigente do Bloco de Esquerda José Gusmão atacou a mensagem de Centeno: “Um vídeo ridículo para quem tem alguma noção do que aconteceu na Grécia, insultuoso para os gregos e esclarecedor para os portugueses. Ainda alguém tem dúvidas sobre se o governo ganhou um representante no Eurogrupo ou vice-versa?”, disse no twitter o membro da comissão política bloquista. As críticas de dirigentes do Bloco contra Centeno- por ocupar a liderança do Eurogrupo- não são novas  e ontem ganharam novo fôlego. “Quem achava que Centeno ia mudar alguma coisa no Eurogrupo enganou-se. É muito perigoso e muito preocupante para o futuro do país”, defendeu a dirigente Mariana Mortágua, citada pelo Expresso  O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes chegou a dizer que no governo são “todos Centeno”. A frase provocou choque  entre os parceiros de esquerda pelo facto de o ministro da Saúde não reclamar mais peso político contra o ministro das Finanças. Talvez por isso, ontem o vídeo do também presidente do Eurogrupo serviu para ampliar as críticas. “Definitivamente não somos todos Mário Centeno. Mais valia por as legendas em alemão, o discurso dos povos expiadores de pecados orçamentais cola bem no reino da Merkel. Por cá sabemos em que altar se inventou a austeridade. E até fora de horas aparecem novos crentes”, argumentou a deputada do BE Joana Mortágua. Que engrossou a lista de ataques nas redes sociais.

Quem também foi bastante duro com Centeno foi o antigo ministro das Finanças grego, Yannis Varoufakis: “A Comissão Europeia a acrescentar insulto à miséria insuportável da Grécia com um vídeo da estética/imoralidade da máquina de propaganda norte-coreana”, atirou o ex-governante grego, que bateu de frente com a comissão europeia e Eurogrupo para renegociar o resgate financeiro grego no início do governo do Syriza, uma força política que chegou a ser considerado partido-irmão do Bloco de Esquerda. 

No PCP, o ataque foi mais estrutural, contestando-se os ““pactos de agressão contra Estados e povos”.

A revolta da esquerda também se refletiu no PSD mas por motivos bem diferentes. Miguel Morgado, deputado social-democrata e antigo conselheiro do ex-primeiro-ministro, Passos Coelho, apontou as contradições de Mário Centeno: “Passou 3 anos a apoucar a saída limpa portuguesa de 2014 – conseguida contra todos os esforços contrários do PS – e agora desfaz-se em palavras doces para um país que sai devorado por problemas após oito anos de bailout. Há mínimos”.

O porta-voz do CDS, João Almeida, disse ao i que “é impossível ser politicamente sério e coerete e achar que é a mesma pessoa quando fala em Portugal e na Europa”. O dirigente centrista sublinhou ainda que o resgate grego foi bem mais duro que o português.

O primeiro-ministro, António Costa, também deu os parabéns ao governo e povo helénicos  “pela conclusão do programa de apoio à estabilidade”. A frase de apoio mereceu ainda críticas no PSD. Margarida Balseiro Lopes, líder da JSD, e o deputado Duarte Marques , insistiram na ideia de que faltou dar os parabéns a Passos  e ao povo português quando o país saiu do plano de resgate. “Os parabéns ao primeiro-ministro português e ao povo português que saiu em 2014 de um programa de ajustamento ainda estão por chegar”, escreveu a líder da JSD.