Passaram 60 anos desde que pisou, pela primeira vez, os corredores da Faculdade de Direito de Lisboa. Por lá, aprendeu a ser “irreverente”, “iconoclasta” e a manter-se sempre “desperto para o novo e o diferente”. Mesmo assim, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu ontem, no seu discurso de jubilação da universidade, que foi incapaz de contornar a maior das fragilidades humanas. Não conseguiu “travar o andar do tempo”.
Na plateia da Aula Magna, para assistir à última lição de Marcelo – o aluno, professor e agora Presidente – esteve a nata da Academia e da Política. Os antigos presidentes da República Jorge Sampaio e Ramalho Eanes sentaram-se na primeira fila. Da lista de convidados fizeram ainda parte atuais ministros – como Eduardo Cabrita, da Administração Interna, ou Tiago Brandão Rodrigues, da Educação – e o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues. Bacelar Vasconcelos, Pedro Mexia, Teresa Caeiro, Manuela Ferreira Leite, Carlos César e Jaime Gama também por lá estiveram, para ouvir a história dos 60 anos de Marcelo na Universidade de Lisboa.
Com uma capa académica ao ombro – oferecida pelos estudantes da instituição -, Marcelo permitiu-se a ser aluno e professor e só no final da lição de sapiência falou enquanto Presidente da República. Assumiu-se como “o último moicano no ativo e licenciado na pré-história”, mas garantiu que, apesar disso, não lhe falta “a capacidade de sonhar”. Falta, sim, “tempo e modo para os sonhos”.
“A universidade, a minha universidade, foi sempre a minha praça-forte, a minha casa ‘mater’, o meu último refúgio. Tudo quanto fiz ou faço em tantos outros domínios fi-lo a partir dela e por causa dela”, confessou, antes de agradecer às “dezenas de mestres” com que se cruzou, às “centenas de colegas, docentes e não docentes” e às “mais de duas dezenas de milhar de alunos” que lhe passaram pela mão – num percurso que descreveu como “uma fascinante aventura” que se desenrolou a partir dos corredores da Universidade, mas que extravasou para a vida. “Depois de cada incursão fora dela, à minha escola regressava sempre, sem exceção, jubiloso ou derrotado, pois era ela a verdadeira vocação da minha vida”, admitiu.
Só no final da lição de sapiência Marcelo se permitiu a ser Presidente, ainda que não para falar de política, mas de sonhos. “Permitam-me uma palavra final do Presidente da República: uma palavra de esperança no futuro desta Universidade, de todas as universidades, no futuro da educação, e uma palavra de esperança no futuro de Portugal”, disse, antes de ser aplaudido, de pé e durante dois minutos, pela plateia da Aula Magna.
À chegada, Marcelo foi recebido com pompa e circunstância, mas não se livrou dos protestos de um grupo de alunos – um deles acabaria mesmo por ser detido pela PSP por se ter recusado a identificar – que o interpelaram, de cartazes em punho, sobre o pagamento das propinas. “A educação supostamente é um direito, mas pagamos 1.068 [euros], não é?”, atirou-lhe um jovem, mesmo à chegada. “Quando fui líder do PSD, contribuí para o chumbo de uma proposta do governo porque as propinas eram muito elevadas”, respondeu-lhe Marcelo. O estudante não se deixou ficar: “As propinas continuam a existir e os orçamentos do Estado a passar, não é?” Marcelo continuou o diálogo, prometeu que está “atento a isso” e sugeriu aos jovens que fossem ao Parlamento para conseguir “que os partidos lutem por isso também”. Foi a primeira da última lição de Marcelo Rebelo de Sousa.