Confesso que nunca entendi o pronunciamento da senhora ministra da Justiça, quando ocorreu, como um pequeno lapso ou uma distração.
Mais me esclareceu a controvérsia que se lhe seguiu e o embaraço terminados quando César deu a entender claramente que a solução da recondução era desagradável para o PS.
Convém esclarecer os vários componentes desta questão quanto à figura da Procuradora Geral.
Em relação à atuação e à independência com que exerce as suas funções.
Em relação ao geral sentido de igualdade perante a lei e de fim do refúgio da impunidade quanto aos vários setores da sociedade.
Em relação ao pequeno grande caso da detenção de um primeiro-ministro Socialista e da sua guerra aberta ao Ministério Público. E, dentro deste caso, da inconveniência do tema e da tentativa de limitar os danos ou de dividir os mundos.
Em relação à posição de um governo perante os outros atores da democracia e da exigência formal da prova de uma visão não concentracionária dos poderes.
Em relação, por último, com a duração e renovação do mandato.
Tempos houve em que se levantavam dúvidas quanto à atuação e à independência. Factos ignorados, tempos ultrapassados, diligências não realizadas, por exemplo.
Outros existiram em que só os mais pequenos e frágeis eram objeto da atenção. Depois vieram os políticos, os banqueiros, os magistrados, os clubes de futebol e outros tantos.
Um dia aconteceu um facto histórico. Sócrates foi detido. Deixou sem palavras o partido ao qual pertencia dividido entre as fidelidades de uns e aqueles cuja chegada ao poder exigia distância e recato. A coragem da Procuradora só encontrava o silêncio do poder.
Até que foi a hora da escolha. Deve o partido do Governo, enredado nesta teia, escolher entre o seu interesse e o afunilamento do poder ou aderir, mesmo que com fragilidades, à abertura à consideração da opinião das oposições? Isto é, deve nomear quem lhe interessa ou quem abra a democracia e a ideia da independência da ação penal?
O Partido Socialista e o César do costume não levaram muito tempo a escolher.
Da pior forma, todavia.
Mandato único, dizem.
Um comentador que pretende ser um exegeta oficial apressou-se a ler um texto.
Esqueceu-se de outro e bem mais importante.
Fui ler o texto do acordo entre PS e PSD para a revisão constitucional de 1997.
Ali se diz: «Acordam ainda na definição dos mandatos dos altos cargos de juiz do Tribunal Constitucional – 9 anos, não renováveis -, Procurador Geral da República – 6 anos, sem limite de renovação».
Leia-se, sem limite de renovação.
E porquê esta norma?
Porque o abuso inconsiderado produziu um Procurador Geral da República que foi convivendo com três Presidentes e três Chefes de Estado e não tinha mandato fixo e privilegiava a intervenção política sem qualquer limite.
Ora, o que se passa com a atual Procuradora Geral da República é bem o oposto.
Não intervém politicamente, não dá entrevistas sentada na cadeira do poder, não se deixa invadir pelo sonho de ser presidente, não mantém relações privilegiadas com a comunicação social. Não é narciso.
Aprendeu os limites democráticos da sua função.
Talvez o Partido Socialista lhe descubra um fraco – não serve governos.
É a vida…