As histórias de Pedrógão que nunca foram contadas

Governo decidiu não divulgar 100 páginas de relatos

Desde a semana passada que o i tem vindo a publicar todos os dias as histórias que contam como terão morrido as 66 pessoas, vítimas do incêndio de Pedrógão. Estas são contadas em detalhe na primeira pessoa de familiares ou de amigos das vítimas mortais.

É o conjunto destes relatos que permitem perceber o terror das circunstâncias em que terão morrido 66 pessoas que fazem parte do capítulo VI do relatório dos investigadores liderados por Domingos Xavier Viegas. São estas cerca de 100 páginas de relatos – a que o i teve acesso em exclusivo – que o Governo decidiu não divulgar.

 

Família Lopes da Costa

A primeira história divulgada na semana passada foi a da família Lopes da Costa. O relato de familiares e amigos descreve como o grupo de nove pessoas que estavam reunidas, em Várzeas, para jantar e que acabou por ser colhido pelo fogo na estrada da morte. As nove pessoas –­ onde estavam incluídas duas crianças – são algumas das 47 vítimas mortais da EN 236-1 onde as viaturas acabaram por ter acidentes, enquanto faziam várias inversões de marcha para tentar escapar às chamas, acabando por ficar bloqueadas com a perda total de visibilidade devido ao fumo. A casa onde estavam reunidos ficou intacta.

Família Pinhal

Outra das histórias divulgadas na semana passada foi a da família Pinhal, composta por sete pessoas. Mário Pinhal perdeu a mulher e as duas filhas e conta como a família decidiu abandonar as casas onde estavam de férias para fugir ao incêndio. O fumo intenso que pairava na chamada estrada da morte, a EN 236-1, forçou os carros a fazerem várias manobras de inversão de marcha, numa tentativa de escapar às chamas. Pelo meio da confusão e da perda total da visibilidade, que resultou em acidentes entre as várias viaturas que circulavam naquela estrada, Mário Pinhal conseguiu tirar dali o seu carro já sem pneus, com as jantes a arrastar pelo alcatrão. Salvou os pais e a tia, que seguiam consigo na viatura até onde a carroçaria aguentou. A mesma sorte não teve a mulher, Susana Pinhal, e as duas filhas Joana Pinhal e Margarida Pinhal, com 15 e 12 anos, que acabaram por morrer a duzentos e poucos metros da viatura de Mário Pinhal sem que este, que as procurou durante horas, as tivesse visto.  O relato de Mário Pinhal aos investigadores da equipa de Domingos Xavier Viegas, que consta no capítulo VI descreve em detalhe a aflição que viveu durante horas do dia 17 de junho de 2017.

Famílias que tentaram fugir

Também a família Machado, de Jaime e Fátima, Anabela Esteves e Anabela Araújo partilharam o mesmo destino fatídico na EN 236-1 depois de tentarem fugir ao fogo.

O casal Machado e os seus dois filhos, com quatro anos e um ano de idade, de Sacavém, estava a passar férias numa praia fluvial em Castanheira de Pera e andava a passear de carro nas redondezas quando se cruzou com o incêndio. Foram encontrados dentro do seu Citroën C4 Picasso entre cinco viaturas que tinham batido umas nas outras enquanto faziam várias manobras para tentarem escapar à morte.

Fátima Carvalho e Jaime Luís, que viviam em Pobrais, decidiram entrar na Nissan Vannette para seguir a viatura do filho de Fátima Carvalho e a sua nora, Ricardo Martins e Ana Henriques, que tinham saído de sua casa em Vila Facaia para fugir às chamas. Foram encontrados todos no conjunto de viaturas ardidas na estrada da morte.  O mesmo destino foi partilhado por duas primas, Anabela Esteves e Anabela Araújo, que viviam em Pobrais. Depois da tentativa de fuga por várias estradas antigas e de terra perderam de vista a viatura do marido de Anabela Esteves, que seguia na sua frente, e no pânico decidiu virar num cruzamento à esquerda em direção à EN 236-1.

Três famílias desfeitas

Os casos da família Abreu, do casal Nunes Graça e de Fernando Freire dos Santos têm um fio condutor em comum: estavam na mesma estrada, à mesma hora quando as chamas os encurralaram. Estas são algumas das histórias das 47 pessoas que morreram no troço de poucas centenas de metros da estrada da morte, durante o incêndio de Pedrógão Grande que matou, no total, 66 pessoas. O casal Fernando Abreu e Maria Abreu residia na região de Lisboa mas tinham raízes em  Nodeirinho. Tinham uma casa em Pobrais que tinha sofrido obras recentes e a família tinha planeado um jantar para usufruir do novo espaço. Com o aproximar do fogo, pelas 19h30, o casal e os pais de Fernando Abreu decidiram fugir à pressa deixando os telemóveis em casa. Foram encontrados dentro da viatura na estrada da morte. O mesmo destino foi traçado ao casal Nunes Graça que viva em Bobadela e estava de férias em Várzeas numa casa que tinha com outros familiares. Já a viúva de Fernando Freire dos Santos conta como o marido de 79 anos decidiu sair de casa sem que ela se apercebesse para nunca mais voltar.