António Costa fez uma remodelação de surpresa. Ninguém a esperava.
Ou melhor: quando se esperava o anúncio do nome que substituiria Azeredo Lopes (que nesta história era o ‘Azarado’ Lopes) na Defesa, eis que o primeiro-ministro tira da cartola mais três novos ministros.
E ninguém esperava, porquê?
Porque 48 horas antes Costa reiterara a confiança no ministro da Defesa e dissera que não fazia substituições de governantes ‘a pedido’.
E todos acreditaram – jornalistas e portugueses em geral.
Cavaco Silva também fazia remodelações que surpreendiam tudo e todos, mas o processo era outro.
Cavaco não as negava, como Costa fez – simplesmente não dava qualquer sinal de que iria mexer na equipa.
Costa, pelo contrário, apanhou o país desprevenido porque as pessoas confiaram nele.
Confiaram na sua palavra.
Acreditaram que, tendo o primeiro-ministro desmentido a saída de Azeredo, ele permaneceria e não haveria mexidas no Governo.
Ora, este tipo de atuação é muito perigoso para um político.
Da próxima vez que Costa negar terminantemente algum rumor, as pessoas continuarão na dúvida.
A partir de agora a sua palavra valerá muito menos.
Eu também fui apanhado de surpresa pela remodelação, e até o fui duplamente – pois nunca pensei que o ministro da Saúde saísse do Governo.
De todos os ministros, era aquele que transparecia uma maior sinceridade, uma maior franqueza, uma ausência de cinismo, a qualidade rara de olhar as pessoas nos olhos e dizer-lhes o que pensava, mesmo que não fosse politicamente conveniente.
Talvez tenha sido isso que começou por tramar o ministro.
Costa não quer ministros sinceros – quer ministros propagandistas.
A segunda coisa que terá levado à substituição de Adalberto Campos Fernandes foi a instabilidade vivida na área da Saúde – as greves, os protestos, as queixas, as demissões.
Mas suponho que isso não resultará tanto de responsabilidades suas como dos cortes impostos pelo Ministério das Finanças.
A terceira coisa que jogou contra Adalberto Fernandes foi a falhada tentativa de mudar o Infarmed para o Porto.
Mas aqui ainda acredito menos que a responsabilidade tenha sido dele.
Aquele anúncio precipitado tem o dedo de António Costa – para contentar Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, furioso com o falhanço da candidatura de Portugal à Agência Europeia do Medicamento, cuja sede iria para a sua cidade.
Perguntar-se-á: mas que responsabilidade tinha Costa no facto de essa candidatura ter falhado?
Não tendo responsabilidades no chumbo, obviamente, tinha-as na forma como manipulara o tema.
A candidatura à Agência do Medicamento era um rebuçado que António Costa se propunha dar à cidade do Porto para calar as queixas de Moreira contra a concentração de investimentos em Lisboa.
Ora, depois do falhanço, Rui Moreira ter-se-á sentido outra vez enganado.
Terá achado que o Governo sabia que não ganharia o concurso, e que fizera aquela farsa com o intuito de o enganar.
Então, para provar a sua boa-fé, António Costa mandou Adalberto anunciar, como compensação, a transferência do Infarmed para a capital do Norte.
Como se viu, esta transferência também era um engano, uma mentira desde o princípio.
Como podiam deslocalizar um serviço especializado, com mais de três centenas de funcionários que não representam, propriamente, mão-de-obra indiferenciada?
Iriam transferir todos os funcionários para lá?
E como? Pagar-lhes-iam ajudas de custo? E eles e elas deixariam as famílias e mudar-se-iam para o Porto de um dia para o outro?
E não sendo assim, como seria?
Colocariam todo o pessoal do Infarmed de Lisboa noutros serviços e contratariam gente nova no Porto?
E haveria lá pessoas suficientes com a qualificação e a experiência necessárias para o Infarmed continuar a funcionar sem interrupções?
Enfim, viu-se logo que a ideia era um disparate pegado!
Melhor, um embuste.
Uma mentira.
António Costa mandou o ministro fazer a triste figura de a anunciar – e depois fazer a figura, também triste, de a anular.
E, no fim, a paga foi despedi-lo, por ter a imagem queimada.
É assim que António Costa atua: usa os ministros como escudo e vai sobrevivendo a todas as batalhas, saindo incólume de casos tremendamente complicados.
Como estratégia de sobrevivência, estará certa.
Como exemplo de conduta, está errado.
E, de uma forma ou de outra, fazer desmentidos que umas horas depois se revelarão inverdadeiros é um péssimo caminho para um governante.
Um primeiro-ministro vive em boa parte da palavra.
Quando ela perde o crédito, o seu valor como político cai a pique.
P.S. – Para lá da remodelação, dois factos marcaram a semana: a demissão do CEME e o inquérito ao juiz Carlos Alexandre. Ambos estão ligados a dois famosos casos: o roubo em Tancos e a alegada corrupção de Sócrates. Os assuntos prometem. Voltaremos a eles.