«A resposta estrutural aos problemas do país não se faz com o Governo do PS, nem com a sua atual política».
Jerónimo de Sousa
A Assembleia da República República voltou a discutir o aumento do salário mínimo nacional no passado dia 12 de Outubro, três dias antes da apresentação do Orçamento do Estado para 2019, através de uma iniciativa parlamentar do Partido Comunista Português.
Foi um debate surreal, porque os partidos que compõem a ainda chamada ‘geringonça’ nunca tiveram na coerência política uma preocupação digna desse nome, e em particular o Partido Comunista – ao apresentar um ‘projeto de resolução’ no qual recomendava (a um Governo que apoia há três anos…) o aumento do salário mínimo! Com isso revelou falta de decoro político e que está refém do primeiro-ministro e do Governo, resignado a um papel secundário.
Há três anos que o PCP, o BE, o PEV, o PAN aprovam os orçamentos do Estado do Partido Socialista – e daqui a umas semanas é mais do que certo que aprovarão o quarto -, nunca tendo feito depender essas aprovações do aumento do salário mínimo nacional.
É caso para perguntar: o que tem corrido tão mal na relação do PCP com o Governo e o PS para, anos volvidos sobre o nascimento da ‘geringonça’, uma matéria tão prioritária para o PCP não encontrar acolhimento governativo e parlamentar? E na semana passada percebeu-se que o PCP já se vai resignando…
Tendo apresentado para discussão um simples ‘projeto de resolução’, na prática assumiu a confissão de uma culpa e a assunção de uma hipocrisia – que outra coisa não é um partido da maioria da ‘geringonça’ acusar o Governo que apoia de fazer o contrário do que esse mesmo partido diz defender.
No seu projeto de resolução, o PCP assumiu que – pasme-se – o número de trabalhadores que auferem o salário mínimo nacional duplicou entre 2016 e 2017, realidade que «prova que os baixos salários continuam a ser uma opção política e uma realidade predominante no país». Palavras do PCP.
Afinal, as coisas não têm sido, nem estão, tão cor-de-rosa como às vezes dizem. Isso significa que o PCP apoia um Governo que acusa de ter duplicado o número de trabalhadores com salário mínimo nacional!
Este é apenas um entre muitos exemplos que se poderiam dar a propósito das insanáveis contradições que grassam entre os parceiros da ‘geringonça’ e que, não fora a sua sede de poder, há muito a teriam condenado.
O PCP apoia o Governo mas diz que o país precisa de «outra política», porque, segundo o seu secretário-geral Jerónimo de Sousa, «a resposta estrutural aos problemas do país não se faz com o Governo do PS, nem com a sua atual política».
O PCP apoia um Governo que, depois, acusa de fazer do défice «uma questão de ditadura»!
O PCP aprova os orçamentos do Estado ao mesmo tempo que acusa o PS e o Governo de não irem no que diz ser a «direção certa, a direção de Abril».
O PCP apoia o Governo do Partido Socialista mas discorda das suas políticas, seja nas áreas das finanças públicas, da economia, dos assuntos europeus, da saúde ou da educação, para só citar algumas.
A duplicidade e o calculismo político do Partido Comunista levaram-no mesmo ao ponto de, durante a primeira metade da legislatura, ‘amansar’ os sindicatos e os movimentos ditos de ‘utentes’ que controla, para agora, à medida que se aproximam as eleições, incentivar as greves laborais e os protestos sociais contra o Governo, criando uma onda de contestação na rua.
O PCP apoia um Governo que baixou o investimento do Estado para níveis miseráveis, ao mesmo tempo que, todos os anos, finge defender um aumento do investimento público.
O Partido Comunista, tal como o Bloco de Esquerda, está amarrado à solução governativa que viabilizou há já três anos e por cujos resultados é tão responsável como o Partido Socialista. De salvadores de António Costa, passaram a seus reféns. É normalmente no que dá quando se vendem as convicções, para mais em troca de umas migalhas de poder! Não venha é o Partido Comunista dizer que não é responsável pela degradação dos serviços públicos ou pelo desinvestimento do Estado.
E não venha, por exemplo, também o PCP dizer que nada tem a ver com o aumento das listas de espera nos hospitais públicos, seja para consultas ou para operações, ou com as visíveis dificuldades que atravessa o sistema de ensino público.
O PCP continua a ser um partido intrinsecamente inimigo da iniciativa privada e um partido, na prática, programaticamente defensor do capitalismo de Estado. A demonstração de que continua fixado nos seus ultrapassados estereótipos estalinistas é facilmente encontrada no facto de, mais uma vez, na discussão sobre o aumento do salário mínimo nacional, o PCP não ter feito referência à concertação social.
E essa omissão não constitui um esquecimento. Essa omissão decorre diretamente do ADN político do Partido Comunista.
Um partido que afirma: «Em Portugal, desde que foi criada, em 1984, a concertação social nunca passou dum embuste de apoio à exploração dos trabalhadores».
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