A zona de jardim, no meio da Web Summit, é um sinal das preocupações do evento com a sustentabilidade. Mas está longe de ser o mais importante. O segundo dia foi dedicado ao meio ambiente e às oportunidades que a tecnologia traz para a sustentabilidade mundial. Um dos oradores principais do palco Planet: Tech foi Lucas Joppa, chefe do primeiro gabinete ambiental da Microsoft.
A empresa criada por Bill Gates quer aplicar as tecnologias existentes de Inteligência Artificial ao mercado de gestão dos recursos naturais. «Nós precisamos de nos tornar mais eficientes na forma como gerimos os recursos naturais, como os usamos e acreditamos que a tecnologia digital tem um papel importante a desempenhar», disse Joppa em entrevista ao B,i. durante o segundo dia deste evento.
O projeto chama-se 'IA para a Terra' e pretende investir em cinco anos 50 milhões de dólares ao serviço da investigação de Inteligência Artificial para melhorar a sustentabilidade na produção de recurso naturais. Através de algoritmos inteligentes a empresa norte-americana pretende criar um mecanismo de previsão que dê a possibilidade aos agricultores de tomar decisões mais informadas para tornar a produção mais eficiente. «Queremos pegar em imagens de satélite, olhar para a terra e perceber o que está a crescer num determinado terreno: se é milho, se é soja. Queremos poder ter diferentes algoritmos que prevejam o que pode acontecer naquele terreno nos próximos dias, semanas ou meses e saber quando milho ou soja vai de facto crescer».
«Este mecanismo combina previsões meteorológicas – com base no que vemos em terra e em experiências passadas – para começar a fazer previsões que podem ajudar muitas pessoas», acrescenta. No entanto com as recentes alterações climáticas a utilização de dados do passado para prever o futuro torna-se mais complicada. «Quando estamos a operar numa altura em que o passado não permite prever o futuro pode haver limitações porque muito do que a aprendizagem das máquinas faz é utilizar informação do passado para prever o futuro», diz Joppa reforçando que isso não implica que o programa da Microsoft fracasse. «Não serve apenas para pegar em informações do passado e criar um modelo de previsões. É um sistema que faz previsões, tem feedback em tempo real sobre a precisão das previsões e recalibra-se.»
A falta de tecnologia associada à agricultura é também uma preocupação de Matt Barnard, co-fundador e CEO da Plenty, uma empresa dedicada à criação de edifícios agrícolas onde a plantação e gestação dos alimentos passa a ser feita num ambiente controlado. «A falta de tecnologia não quer dizer que os agricultores são maus empresários, são, na verdade, fantásticos empresários. Lidam com enormes riscos num ambiente que não controlam», diz durante a sua conferência. «Pode a agricultura interior alimentar o mundo?», questiona, exemplificando de seguida E exemplifica: «Pensem como seria ter um negócio sem telhado e sem controlar o impacto que isso teria no vosso sucesso».
Para além de combater os imprevistos, Barnard quer aproximar a produção agrícola dos consumidores, diminuído os tempos de transporte e criando produtos com uma maior longevidade e duração. Com apenas cinco regiões com clima mediterrâneo – o mais propício à agricultura – no mundo e um crescente aumento da população, a criação de alternativas à agricultura tradicional torna-se urgente. «Se olharmos para daqui a 12 anos, os cálculos dizem que precisamos de um espaço equivalente à junção da Índia e do Paquistão que sejam dedicados à agricultura» para juntar ao território que atualmente é utilizado para esse fim «e nós não temos esse tipo de terra disponível».
Para além da questão do espaço, os próprios recursos utilizados na agricultura são colocados na balança entre a agricultura tradicional e o projeto da Plenty. «Num campo ou numa estufa usam perto de 100 vezes mais água do que a que nós usamos na quinta da Plenty para produzir os mesmos produtos», afirma Barnard. «Por exemplo: no caso da alface é preciso 50 galeões de água para produzir alface lá fora – no sítio mais eficiente do mundo – e nós usamos um quinto de galeão para produzir a mesma quantidade».
O avanço tecnológico que hoje existe permite mesmo que os custos da produção indoor torne o projeto possível. «Quando se leva a quinta para o interior, para termos o controlo total, é preciso ter energia para as plantas para que possam crescer. Atualmente estamos a gastar um por cento do que gastaríamos há uma década para comprar mesma capacidade de luz.», explicou. «O que seria uma caricatura há sete ou oito anos é algo possível».
Plástico, o inimigo número um
Quando o ministro do Ambiente subiu ao palco para participar numa das conferências e anunciou que a administração pública portuguesa ia deixar de utilizar qualquer tipo de plástico descartável, o aplauso da audiência mostrou que o plástico continua uma das principais preocupações ambientais. Garrafas de vidro, loiças e sacos de papel vão passar a integrar o dia-a-dia das empresas do Estado.
«Tenho de começar por dizer que estou agradecido pelo plástico. Há plástico em todo o lado e era impossível fazer esta conferência sem plástico. O problema é que o plástico não está só nos microfones ou nos cartões de crédito, está em todo o lado. Está na água que nós bebemos, está em nós e esse é o problema», disse ainda o ministro.
É nesse sentido que Daphna Nissenbaum, co-fundadora e CEO da Tipa, apresentou o projeto desenvolvido pela companhia para a criação de embalagens biodegradáveis. «A ideia básica era desenvolver um pacote que o consumidor pudesse tratar como lixo orgânico», explicou na conferência ‘Como nós pirateamos o plástico’.
«Nos últimos 30 a 40 anos, foram produzidos 8,3 mil milhões de toneladas de plástico. A maioria – cerca de 75% – foi utilizada só uma vez. Hoje estamos a reciclar 9% e desses 9% apenas 10% é reciclado uma segunda vez. Essa não é a resolução do problema porque eventualmente esse plástico vai ser enterrado em algum lado», afirma Nissenbaum. «Nós criámos um produto que é semelhante ao plástico, no que toca às boas características, mas que é totalmente composto, o que significa que se divide e desintegra em pequenas partes que são depois biodegradáveis pelas bactérias. Tudo isto acontece em seis meses. O que não é muito, comparado com as centenas de anos que leva o plástico [a decompor-se].»
Proteger combatendo
São muitas as startups que apresentam ideias para tornar o mundo um lugar mais ecológico, mas a LadSensors, uma startup portuguesa, chamou a atenção quer do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, quer de Assunção Cristas, líder do CDS. João Ladeira e André Glória apresentam o projeto: «É um sistema de deteção de incêndios florestais através dos níveis de temperatura, humidade e dióxido de carbono (CO2)».
Através da colocação de sensores, criados de raiz pelos empreendedores, nas florestas, tanto João Ladeira como André Vieira acreditam que poderão passar a identificar pontos de ignição e, através de notificações enviadas diretamente aos bombeiros ou aos elementos da Autoridade Nacional da Proteção Civil (ANPC), alertar as autoridades para o incêndio antes de este ganhar grandes proporções. Os aparelhos são colocados no topo das árvores – «se estiver muito baixo temos de estar muito próximos do incêndio para o detetar» – e têm um raio de deteção de cerca de 500 metros.
«Já falamos com os bombeiros e eles estão muito contentes», explica André Glória. E é com a ajuda dos bombeiros que vão começar a fazer os testes ao material: «Vamos fazer uma queimada com sensores a várias distâncias», acrescenta referindo que tal ainda não foi possível devido à proibição imposta pelo Estado para fazer queimadas durante a época do verão.
Para além dos sensores, a LadSensors já está a desenvolver também um projeto para colocar um equipamento nos fatos dos bombeiros, com GPS, que permite não só localizar os operacionais como medir as temperatura e os gases tóxicos a que o bombeiro está exposto. Desta forma os responsáveis pela operação poderão acompanhar melhor o trabalhado individual de cada bombeiro e evitar ferimentos e complicações.