Os livros que se metem pelo meio

Qual será o livro em que vamos pegar quando terminarmos este que estamos a ler? Muitas vezes já temos uma ideia fixa, um ‘alvo a abater’ bem definido. Mas também pode acontecer o destino trocar-nos as voltas e aliciar-nos com algo que não estava nos nossos planos.

Há pouco tempo, em conversa com outro leitor inveterado, ele falava-me da melancolia provocada pela certeza de que já não poderá ler todos os livros que gostaria. E acrescentava: «Uma pessoa pode pensar neste momento que ainda há de ler aquela obra, mas é impossível dizer se a vai ler ou não, porque na altura em que puder escolher o interesse é imprevisível, pode ser uma outra coisa completamente diferente. Há de ser a obra que está noutra sala ou outra coisa que nem está em casa. O tempo dirá».

Na altura, bem caladinho, pensei de mim para mim: ‘Pois eu não terei esse problema. Sei exatamente o que me interessa ler e não tenciono desviar-me’. Só que há livros que se impõem aos outros, que furam pelo meio da floresta de papel, nos vêm parar às mãos e, quase sem darmos por isso, já nos agarraram.

Por ironia, alguns dias depois dessa conversa acontecia-me precisamente aquilo de que o meu interlocutor falava: interessar-me por «outra coisa completamente diferente» do que estava nas minhas previsões.

Pior, ainda nem tinha terminado o livro que tinha em mãos na altura quando, compelido por uma necessidade inadiável, iniciei a leitura desse outro, uma grossa biografia de 700 páginas. Avancei a alta velocidade, para poder rapidamente retomar o livro que deixara em suspenso, mas mal tinha acabado de passar a metade quando me caiu no regaço um terceiro livro… que tive mesmo de ler.

Assim, a minha situação, por estes dias, pode ser comparada à de um malabarista que vai fazendo girar três livros pelo ar, tentando não deixar cair nenhum.

A esse propósito, recordei-me de ‘O conto do alfaiate, do corcunda, do judeu, do mordomo e do cristão’, das Mil e Uma Noites, que já foi comparado a uma matriosca. Porquê? Porque as histórias se metem umas dentro das outras como se fossem bonecas russas. Com centenas de páginas, é maior do que muitos livros e a sucessão de histórias que começam sem deixarem terminar a anterior chega a provocar uma certa vertigem. A tal ponto que, a dado momento – e para regressar à metáfora do malabarista – o deixei cair. Por outras palavras, interrompi a leitura.

Desta vez estou mesmo empenhado em levar as três leituras até ao fim. Mas lá está, nunca se sabe o que vai acontecer… ou se vai aparecer algum destes livros ‘metediços’ que se recusam a esperar educadamente na fila e passam à frente de todos os outros.