A agência Xinhua fala da relação entre China e Portugal como de ‘amigos e parceiros’ e que a cooperação entre os dois países superou a crise da dívida europeia e é agora fortalecida pela iniciativa One Belt One Road e a defesa do multilateralismo. Em que medida está ser fortalecida essa relação?
É verdade que Portugal e a China são países parceiros, têm uma relação histórica de mais de 500 anos, foram parceiros num processo considerado exemplar por toda a comunidade internacional, que foi a transferência da soberania de Portugal para a China da hoje Região Administrativa Especial de Macau, e isso criou laços sólidos que os dois países têm cultivado. E são países amigos visto que têm hoje um bom relacionamento político, um relacionamento económico relativamente intenso e parcerias que vão desde o ensino de português em universidades chinesas até ao Fórum Macau, que é uma ponte entre a China e os países de língua portuguesa em África. Nós temos um posicionamento geopolítico que é muito claro para todos, somos um país membro da União Europeia e da Aliança Atlântica, também é claro para todos que somos um país europeu com relações muito próximas com a América Latina, com África e com grandes nações asiáticas, como a Índia, o Japão ou a China. É verdade que somos países amigos e parceiros, embora não sejamos aliados no plano geoestratégico. Os nossos aliados são outros, naturalmente. A relação bilateral tem-se desenvolvido ao nível da concertação político-diplomática – foi muito importante o apoio que a China deu às duas grandes candidaturas internacionais mais recentes de Portugal, a de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas e a de António Vitorino à Organização Internacional das Migrações. O apoio da China foi inequívoco. Ambos os países são hoje defensores do multilateralismo, do comércio internacional, da agenda do clima, da necessidade de assegurar a transição energética e temos um relacionamento económico que se tem desenvolvido. Desse ponto de vista, as relações estão a intensificar-se.
Quando a China fala de estarem os dois no campo da defesa do multilateralismo, não estará a colocar Portugal ao seu lado nesta guerra comercial com os Estados Unidos?
Não, está a respeitar e a reconhecer o papel de Portugal como membro da União Europeia. A UE e a China partilham a defesa do multilateralismo e a necessidade de comércio livre e essa é uma posição habitual no grande arco do Atlântico Norte. O Canadá, os EUA sempre foram grandes defensores do multilateralismo e do comércio internacional e esse traço de continuidade é um elemento que favorece a ordem internacional.
Mas, neste momento, temos um Governo dos EUA que não é a favor desse multilateralismo.
É verdade. A Administração corrente dos EUA tem exprimido reservas face ao multilateralismo e tem defendido mudanças na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas também a UE as defende. É preciso que o comércio internacional seja equilibrado. Defender o comércio internacional não significa pactuar com desequilíbrios profundos e permanentes e, quanto ao multilateralismo, nós, europeus, acreditamos que conseguiremos convencer os nossos amigos norte-americanos das suas virtudes.
Há nos argumentos do Governo norte-americano alguma razão no sentido em que a China é conhecida por não respeitar a propriedade intelectual, por usar tecnologia dos outros como se fosse sua, por manter o valor da sua moeda artificialmente controlado…
Defender o comércio internacional e cultivar uma parceria não significa estarmos de acordo em todos os domínios. Dou o nosso exemplo: temos hoje uma relação extremamente próxima com Espanha e, mesmo assim, discutimos em matérias como a gestão do caudal do rio Tejo ou a bacia do Guadiana. No caso chinês, Portugal, como Estado-membro da UE, tem procurado defender junto das instâncias internacionais a posição europeia e própria, chamando a atenção para que o comércio com a China tem de se desenvolver de acordo com as regras da OMC: respeito pela propriedade intelectual, não haver auxílios do Estado que desvirtuem a concorrência entre empresas e não haver sobreprodução. E a UE tem tomado medidas para defender os seus interesses, no que diz respeito à relação com a China.
Todas essas insistências, quer da UE quer dos EUA, antes de Trump chegar à presidência, não resolveram nada.
Eu diria que não, tem havido progressos. A China aderiu à OMC no princípio deste século, tem trabalhado com a UE e há progressos que devem ser reconhecidos. São bastantes? Não. Não são suficientes.
Coincidindo com visita do Presidente Xi Jinping, há a primeira festa de cinema chinês em Portugal e uma exposição sobre Confúcio. Há aqui uma ofensiva de soft power por parte da China também?
Não lhe chamaria ofensiva de soft power, agora, a área cultural é uma das áreas onde mais podemos consolidar relações de amizade entre países. Há uma comunicação da Comissão Europeia que estabelece os princípios, as orientações e os objetivos do que chamamos a diplomacia cultural. É muito importante ter em conta que em 2019 se celebrarão, ao mesmo tempo, os 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a China e os 20 anos da transferência bem-sucedida para a China da soberania portuguesa em Macau. Estamos a preparar as comemorações que queremos que sejam, sobretudo, de índole cultural, com a divulgação da cultura chinesa em Portugal e com a divulgação da cultura portuguesa na China. Um dos resultados da visita do Presidente Xi pode estar na preparação conjunta dessas celebrações.
Portugal foi entre 2010 e 2016 o sétimo país europeu com mais investimento chinês. Em 2016 esse investimento abrandou, qual foi a razão?
Tem uma razão muito simples, grande parte do investimento chinês em Portugal nesta segunda década do século XXI fez-se por aquisição de ativos, no contexto do processo de privatização de várias empresas públicas, ou no processo de venda de participações em empresas privadas durante o nosso programa de ajustamento. Foi assim que as empresas chinesas tomaram participação muito importante em empresas como a EDP, a REN e em pelo menos um banco português. Agora trata-se de passar a uma nova fase, a de criar ativos, quer dizer, de investir de raiz. Designadamente, no setor industrial há muitas oportunidades, esperamos que as empresas chinesas se possam interessar por essas oportunidades. Para nós há um ponto que é muito claro: investimento direto estrangeiro é bem-vindo desde que respeite a legislação portuguesa e europeia e que seja salvaguardada a soberania portuguesa nas matérias que são de soberania.
Não o preocupa a operação pública de compra da EDP pela Three Gorges?
O Governo teve oportunidade já de dizer, pela boca do primeiro-ministro, que 1) trata-se de uma operação entre operadores privados; 2) sujeita às autorizações devidas dos reguladores que são independentes do Governo; 3) o Governo não viu nenhum obstáculo a essa operação e não tem nenhuma objeção a fazer na esfera das suas competências. O que o Governo quer é contribuir para que a EDP continue a ser uma empresa portuguesa, sediada em Portugal, aberta para a exploração das energias renováveis e para o pleno aproveitamento dos mercados que se abrem por causa das ligações de Portugal: ao Brasil, aos EUA, a África, à Ásia. É isso que o Governo quer, que a EDP seja uma empresa portuguesa forte.
Uma empresa portuguesa forte controlada pela China.
O que acontece neste momento é que o conjunto das participações de empresas chinesas no capital da EDP deve andar por um pouco menos de um terço. A OPA significa que a principal empresa chinesa acionista da EDP quer fortalecer a sua posição. É uma coisa que o mercado decidirá, que os reguladores autorizarão ou não e que, do nosso ponto de vista, não põe em causa a estratégia industrial de médio prazo que queremos, que notamos que a EDP tem seguido e que, em nome do nosso interesse nacional, gostaríamos que a EDP prosseguisse. O que é importante numa empresa industrial não é a cor das ações, nem a origem nacional dos acionistas, mas se os acionistas estão ou não comprometidos com a estratégia a prazo dessa empresa. O que vemos sempre com maus olhos é o domínio de empresas por fundos puramente especulativos, porque todos aprendemos com a crise de 2008. Todos sabemos que empresas, e sobretudo empresas tão importantes como a EDP, ganham em ter acionistas comprometidos com estratégias a médio prazo e perdem quando ficam nas mãos de puros especuladores.
Isto será um negócio entre empresas privadas, mas sabemos da proximidade entre estas grandes empresas chinesas e o Governo chinês.
Se a questão é tratar-se de uma empresa com importantes capitais públicos, gostaria de chamar a atenção para muitas empresas europeias que têm importantes capitais públicos. Devo dizer que lamento que a troika nos tenha obrigado a privatizar a REN, quando a REN tem o monopólio natural sobre as redes de distribuição de energia e, à luz das regras mais sadias da teoria económica, até devia ser pública. Não tenho essa visão de que as empresas de capitais públicos são necessariamente más ou necessariamente boas e que as empresas de capitais privados são necessariamente boas ou necessariamente más. O que interessa é o comprometimento dos acionistas com os planos de desenvolvimento das respetivas empresas. Sejam esses acionistas angolanos, chineses, franceses, espanhóis, americanos, em Portugal, precisamos é de investimento porque a economia portuguesa tem escassez de capital.
A visita da ministra do Mar à China em 2017 já trouxe frutos em termos de investimento, tendo em conta que a primeira parceria azul que a China estabeleceu com um país europeu foi com Portugal?
A minha expectativa é que para a semana, no decurso da visita do presidente Xi, vários acordos sejam celebrados, garantindo resultados concretos de todas as avenidas de cooperação que foram abertas.
O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês diz que entre Portugal e a China há uma ‘cooperação ativa’ em África e na América Latina e que a China pretende ‘levar a parceria estratégia para um novo nível’. Que cooperação ativa é esta e qual será esse novo nível?
Cooperamos ao nível político-diplomático. Por exemplo, um dos temas de agenda da minha última reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros da China foi a situação na África Central. Expliquei-lhe qual era a perspetiva que nós temos, expliquei-lhe também como é que Angola nos ajudava muito a esclarecer essa perspetiva. Falamos, por exemplo, da situação na América Latina, em particular da Venezuela e do Brasil, dadas as ligações evidentes de Portugal a esses dois países. Mas também ao nível do relacionamento económico, o Fórum Macau, fundado há 10 anos, que é uma iniciativa em que Portugal participa, é um dos principais instrumentos para uma cooperação triangular, envolvendo a China, Portugal e países de língua portuguesa em África.
O vice-ministro disse também que Portugal tem respondido positivamente à iniciativa da Rota de Seda.
Olhamos com interesse para a iniciativa chinesa a que chamam Uma Cintura e Uma Rota, primeiro porque nos parece que casa bem com a estratégia europeia de conectividade euro-asiática e se enquadra com um instrumento muito importante de cooperação que a UE tem com a China, a chamada Plataforma para a Conectividade UE-China. E casa bem com as nossas próprias responsabilidades europeias? Sim. Em segundo lugar, não se trata de aderirmos a uma iniciativa chinesa, nós não aderimos a iniciativas chinesas, nós somos Portugal, país soberano. Podemos é cooperar com essa iniciativa chinesa, porque há um interesse evidente e facilmente percetível olhando um mapa. A China quer desenvolver rotas marítimas e rotas terrestres que a liguem à Europa. Já hoje, na rota ferroviária, há um comboio de mercadorias que parte dos confins da China e chega a Madrid. Ora, o nosso porto de Sines pode ser o elo de ligação entre estas duas rotas, porque pode terminar a rota marítima e, como estamos a modernizar e a concluir a ligação ferroviária entre Sines e Espanha, pode ser o ponto em que a rede terrestre e a rede marítima se encontrem. Parece-nos uma possibilidade que traz vantagens para Portugal, para a China e para a UE.
E a China já mostrou interesse em incluir o porto de Sines nessa rota?
Veja com muito cuidado o memorando que vamos assinar na próxima quarta-feira e a declaração conjunta que vai sair nesse dia. Ela responderá a essa pergunta.
Posso deduzir que estará incluído nesses documentos?
Pode esperar tranquilamente por quarta-feira.
A China está à procura de desenhar uma nova ordem mundial…
Eu contesto essa afirmação…
Há académicos, políticos, analistas a dizerem isso…
Mas eu sou ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, respondo pela política externa de Portugal e a política externa de Portugal não reconhece a nenhum país do mundo legitimidade de construir una ordem mundial, reconhece à comunidade internacional essa legitimidade. As Nações Unidas são à luz do direito internacional e da história, o sistema que nos agrega e é do trabalho que fazemos no interior desse sistema que resultou uma ordem mundial responsável por um período de grande prosperidade na segunda metade do século XX, é a ordem mundial que queremos preservar.
Uma ordem mundial que foi construída e a China está a construir outra agora, com grandes obras, com parcerias estratégicas. O Presidente Xi Jinping estabeleceu como objetivo da política externa o alargamento da influência da China e essa influência aumentou.
A influência chinesa no mundo, certamente. A China é um país de 1300 milhões de pessoas, um território imenso, uma das mais antigas civilizações do mundo e é um país que desde há 40 anos, desde a abertura de Deng Xiaoping, tem feito um caminho assinalável na redução da pobreza e no fortalecimento da sua economia. É hoje aquilo a que chamamos um player, um protagonista da cena mundial. Portugal pertence a uma ordem regional que é a da UE e a outra ordem regional que, aliás, se justapõe em grande parte à UE, que é a da Aliança Atlântica. Esse é o nosso lugar e o nosso posicionamento. E pertencemos a uma ordem de interações regionais que são, sobretudo, Europa-África, Europa-América Latina e que, no nosso caso, são também com a Índia, com o Japão e com a China. A única ordem mundial a que queremos pertencer é a ordem das Nações Unidas. Não pertencemos nem à pax norte-americana, nem à ressurgência russa, nem à afirmação chinesa.
O ex-secretário dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, escreveu um artigo no Expresso em que diz que a Alemanha, os EUA e, sobretudo, a França têm pressionado muito o Governo português para não deixar que a relação chinesa se torne mais forte. Existe essa pressão? Não tem receio de que a aproximação à China afete as relações com os seus parceiros europeus?
No sistema político-diplomático que eu chefio não foi exercida nenhuma pressão e do meu conhecimento, nos outros órgãos de soberania também não se pode falar em pressão. Temos explicado aos nossos aliados o sentido da nossa parceria com a China, como explicamos aos nossos aliados o sentido da nossa parceria com o Brasil, o nosso relacionamento com a Venezuela, a intensificação das nossas relações com o México, ou o que pensamos acerca da África subsariana e do Magrebe. Portugal tem aliados e tem parceiros. Felizmente os parceiros de Portugal estão por todo o mundo, mas os aliados são os Estados-membros da UE, incluindo o Reino Unido que, saindo da UE, continuará a ser o aliado histórico mais duradouro de Portugal, e são os EUA e o conjunto de países que fazem parte do Atlântico Norte. Depois temos, naturalmente, relações íntimas com os países de língua portuguesa espalhados por diferentes continentes. Portanto, a política externa portuguesa explica sempre aos seus aliados o que está a fazer com os seus parceiros, mas isso não é pressão, isso é uma interação entre iguais e todos os nossos aliados sabem que Portugal, pela sua história – e pelo seu presente – tem uma política externa própria que não significa apenas a replicação nem da política norte-americana, nem da política europeia, mas que acrescenta valor a essas políticas.
Olhando para o estado atual da UE, que não passa pelos seus melhores dias, não acha que poderá trazer um pouco mais de tensão à construção europeia? Não deveriam os países da UE falar a uma só voz em relação à China?
Mas nós falamos a uma só voz em relação à China! Por isso dizia que tivemos o cuidado de deixar claro que a nossa cooperação com a iniciativa One Belt, One Road se fazia no quadro mais geral da Estratégia de Conectividade UE-Ásia e da Plataforma de Conectividade UE-China. Não podemos cometer o erro de pensar que Portugal é o único país europeu que tem investimento chinês ou que procura investimento chinês, ou o único país europeu que procura produzir para o mercado chinês. Muito mais importante do que o investimento chinês em Portugal é o investimento chinês no Reino Unido, na França ou na Alemanha e muito maiores parceiros comerciais da China são a Alemanha, a França ou a Espanha. Não sejamos ingénuos. Ninguém faz boa política externa na base da ingenuidade. A Europa tem uma estratégia de relação com a Ásia e até tem a tal plataforma de relacionamento com a China e é no quadro dessa estratégia e não fora dela que Portugal faz a sua cooperação com a iniciativa One Belt, One Road.
Muitos dos candidatos aos vistos gold são cidadãos chineses, um tipo de programa que preocupa cada vez mais a Comissão Europeia. Como é que este Governo vê esse programa de vistos e se está a pensar em alterá-lo ou acabar com ele?
O programa dos chamados vistos gold, de autorizações de residência para investimento, é um dos vários instrumentos que temos para atrair investimento. Com base nesse programa, o país já atraiu mais de quatro mil milhões de euros de investimento estrangeiro em troca de autorizações de residência dadas em condições próprias. Ao contrário do que às vezes se diz, as pessoas que beneficiam de vistos gold não adquirem a nacionalidade portuguesa, ninguém adquire a nacionalidade portuguesa por dinheiro. O programa tem um efeito muito limitado, porque temos outros instrumentos mais poderosos para atrair investimento. Esse programa dentro da sua limitação é útil. Carece de avaliação? Carece. O primeiro-ministro disse-o no Parlamento e estamos a fazer essa avaliação e quando este jornal sair já saberemos se uma das alterações que queremos fazer no programa, e está em discussão na especialidade no Orçamento, foi ou não aprovada. Queremos continuar com o programa, mas queremos aperfeiçoá-lo.
Qual é a alteração?
É uma alteração que permitirá melhorar a nossa capacidade de trocar informação fiscal com os nossos parceiros, designadamente dentro do âmbito da OCDE.
O que pensa quando um jornal como o Financial Times escreve, como fez há pouco tempo, que ‘Portugal nem sequer parece questionar os candidatos’ a vistos gold?
Deduzo que o Financial Times está mal informado, o que é natural. O Financial Times demonstra um certo desconhecimento sobre a realidade europeia e portuguesa, em particular.
Mas a verdade é que o Parlamento Europeu (PE) pediu este mês que este tipo de programas seja gradualmente eliminado?
A iniciativa do PE é genérica e, como digo, há muita confusão. Há Estados-membros que têm condições muito generosas de concessão da sua nacionalidade e outros que têm condições muito lassas, muito pouco estritas de escrutínio dos candidatos a esses programas. Não é o caso português, onde as questões ligadas à segurança estão bastante bem acauteladas, as questões ligadas à origem e natureza do capital são escrutinadas e a justiça tem acompanhado como lhe compete este programa. E já interveio, quando entendeu que havia indícios de ilegalidades cometidas no âmbito do programa. O julgamento fez-se, aguardamos a sentença. Se for necessário corrigir procedimentos, cá estaremos para os corrigir.
O PE diz que os riscos de lavagem de dinheiro não são compensados pelo investimento.
Não posso decidir politicamente com base nem em boatos, nem em rumores, nem em suposições, isso não é maneira de decidir politicamente. Decidimos com base na informação que temos, com base na monitorização constante dos processos. A garantia que damos é que o programa português tem instrumentos de controlo bastante apertados e tudo o que ao longo da execução do programa verificamos que é preciso corrigir ou aperfeiçoar, nós corrigimos e aperfeiçoamos.
O Governo está contente com este programa?
O Governo tem consciência que este programa é um instrumento que permitiu atrair investimento. Tem efeitos limitados, dentro dos seus limites tem tido efeito positivo, não vejo razão para deitar fora o bebé com a água do banho das eventuais imperfeições.
As eleições europeias de 2019 vão ser muito importantes para o futuro da Europa…
Há um mantra na Europa que diz que cada ano é decisivo e que cada próxima eleição é a mais decisiva, mas, na minha opinião pessoal, nunca, como em 2019, esse mantra esteve tão próximo da realidade. Pela primeira vez desde a fundação do PE as eleições europeias vão ser realizadas segundo uma grande clivagem que nunca até agora, felizmente, tinha existido, que é a clivagem entre aqueles que são a favor do projeto europeu e aqueles que querem destruir o projeto europeu. Até agora, a clivagem fundamental, eleição após eleição, era a natural clivagem política entre os partidos democráticos europeus: ora ganhavam os conservadores e democratas-cristãos, ora ganhavam os socialistas, social-democratas e trabalhistas. Umas vezes os liberais, que são a terceira força, tinham mais influência, outras tinham menos. Os Verdes também se afirmaram como uma grande família europeia. E assim a Comissão ora era presidida por um socialista, como Jacques Delors ou Romano Prodi, ora por um conservador, como Durão Barroso ou Jean-Claude Juncker. Em 2019, pela primeira vez, tudo indica que a grande clivagem vai ser entre os que querem a Europa, que querem continuar com a integração europeia, que querem que a UE continue a existir e que acham que a UE é o melhor dos espaços regionais que o mundo tem; e, por outro lado, os que querem destruir a construção europeia, querem regredir no projeto europeu. E isso é que torna as eleições para o Parlamento Europeu tão importantes.
O que podem fazer os partidos que defendem a construção europeia?
O que fazem os políticos, que é convencer as pessoas, mobilizar as pessoas, falar para as pessoas, apresentar respostas para as perguntas que fazem. O que importa a um ministro dos Negócios Estrangeiros de um país pró-europeu como Portugal é que votem onde votarem, votem naqueles que defendem o projeto europeu. E que aqueles que vão para as eleições com o objetivo de destruir a Europa sejam vencidos.
Essas eleições serão as primeiras sem o Reino Unido. O acordo do Brexit foi aprovado no passado fim de semana, mas tudo indica que não passará no Parlamento britânico, serão 18 meses de negociação jogados fora?
O acordo está concluído e está endossado pelos chefes de Estado e de Governo da UE. Agora são precisas três coisas: que o Parlamento britânico o aprove, que o Parlamento Europeu o aprove por maioria simples e que o Conselho o aprove por maioria qualificada. As últimas duas coisas estão praticamente garantidas, a primeira é incerta. Se os britânicos aprovarem, a saída far-se-á nos termos aprovados, de forma ordenada, suave, com um período de transição suficientemente lato para que nos possamos entender sobre o futuro. Se o Parlamento britânico não aprovar o acordo, há várias hipóteses, segunda votação, segundo referendo, eleições. O nosso ponto de vista é muito claro: fechamos uma negociação, não vamos reabri-la.
Se o acordo não for aprovado no Parlamento britânico e acontecer o hard Brexit…
Terá efeitos muitíssimo negativos para o Reino Unido e muito negativos para a Europa. E Portugal, todos os estudos sugerem, não será dos países mais atingidos, mas será também atingido. Por isso, nós não paramos o nosso processo de preparação, quer europeu, a 27, quer nacional, para a possibilidade de um cenário de não acordo. Agora, é preferível haver acordo? Mil vezes preferível.
Em relação a Angola, o economista angolano Alves da Rocha afirma que Portugal nunca mais será um parceiro estratégico de Angola.
Sempre admirei a capacidade de os economistas preverem o futuro mesmo falhando sistematicamente as suas previsões. Como não somos parceiros estratégicos de Angola se os nossos documentos mais recentes definem a nossa relação como uma parceria estratégica? Ironia à parte, até porque o Dr. Alves da Rocha é um dos melhores economistas angolanos, o que ele diz faz sentido. Não pensemos que o mercado angolano é um mercado que está à espera dos portugueses, um mercado reservado para os portugueses. Não. Será cada vez mais um mercado importante para muitos países, para a China, certamente, que é aliás o primeiro parceiro comercial de Angola, mas também para França, Espanha, Reino Unido, EUA, Brasil, Turquia. A pior coisa é pensar que há ali umas reservas ao nosso dispor e não temos de fazer nada porque estão à nossa espera. Angola é um dos países mais estáveis e mais abertos de África, é um território imenso que, por exemplo, em matéria de terra arável, menos de 10% está a ser utilizada. Tem um crescimento demográfico que duplicará a população até meados deste século e depois torna a duplicar até ao fim do século. É um mercado imenso.
O Presidente João Lourenço usou uma expressão antiga, pedindo às empresas portuguesas que fossem em força para Angola…
Disse uma coisa muito mais importante, ‘nós queremos investidores e não apenas comerciantes’ e tem toda a razão.
Mas esse apelo às pequenas e médias empresas portuguesas é um apelo sério…
Como é que podemos avaliar a seriedade dos propósitos de seja quem for? Comparando esses propósitos com ações. Ora, Angola já aprovou uma lei da concorrência, já aprovou uma lei de proteção do investimento privado, tem mostrado neste processo da regularização das dívidas que está empenhada em restaurar a confiança das empresas na palavra do seu Estado, já definiu as orientações estratégicas para os próximos anos e anunciou às empresas quais são as áreas em que quer investimento. Ainda esta semana o Governo angolano definiu uma lista de produtos nos quais passará a dar preferência à produção própria em relação à importação. Toda a gente sabe que um país, para ter soberania, precisa de ter um nível elevado de soberania alimentar. Toda a gente sabe que, infelizmente, Angola está dependente a quase 100% das importações do ponto de vista da alimentação. E toda a gente sabe o apoio enorme, quer técnico quer empresarial que Portugal pode dar a Angola neste esforço que os angolanos estão a fazer para adquirirem maior soberania alimentar. Esta é a oportunidade.
Falando agora da Venezuela, depois de o Governo ter estabelecido uma linha vermelha após a detenção de uma série de gerentes de supermercados de origem portuguesa, como está a questão?
As pessoas que estavam detidas foram libertas. Em relação ao hotel português em Caracas, que tinha sido fechado, as últimas informações de que disponho, e espero que venham a ser confirmadas, assinalam que vai reabrir em breve. Desse ponto de vista, as coisas estão normalizadas. A situação económica e social continua muito difícil. Felizmente, esta semana, a Venezuela admitiu pela primeira vez a gravidade da situação humanitária e anuiu à ajuda das Nações Unidas. Como sabe, a UE também tem proposto fazer essa ajuda. Essa é umas das quatro condições que na UE colocamos para que haja desenvolvimentos positivos na Venezuela. Esperemos que as outras três se cumpram, a saber: respeito das competências próprias da Assembleia Nacional, não haver políticos detidos apenas por serem políticos que se opõem ao Governo e os próximos processos eleitorais serem conduzidos por órgãos e segundo regras em que todas as partes se revejam.
E a situação da comunidade portuguesa?
Difícil. Estamos a acompanhar muito de perto, seja através da nossa embaixada e dos nossos consulados, seja através aqui da nossa equipa política. Recordo que, ao longo destes três anos, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas já se deslocou cinco vezes à Venezuela. E nós temos um contacto direto. Eu tenho no meu telemóvel o contacto direto do senhor embaixador. Fazemos esse acompanhamento dia a dia. Criámos instrumentos de apoio, designadamente nas situações de maior emergência, que são aquelas que têm a ver com penúria de alimentos e, sobretudo, escassez de medicamentos e dificuldade em tratamentos crónicos, em clínicas e hospitais venezuelanos.
Quantos luso-venezuelanos já vieram para Portugal?
A nossa estimativa é que tenham regressado a Portugal cerca de oito mil e que haja uns cinco mil que saíram da Venezuela para países vizinhos, como a Colômbia, o Brasil, o Panamá e o Chile.
Quantos mais poderão vir ainda a deixar a Venezuela?
Depende da evolução. O que nós sabemos é que a larguíssima maioria quer continuar, até porque tem lá as suas economias, os seus investimentos, as suas famílias. O problema venezuelano não é um problema de pobreza do país, porque é um dos países mais ricos do mundo. Tem a maior reserva de petróleo por explorar do mundo. Já foi um dos países mais avançados do ponto de vista económico de toda a América Latina. E tem inúmeras outras riquezas, quer agrícolas, quer minerais. O problema da Venezuela é que o seu desenvolvimento está refém de um processo político bloqueado que é preciso ajudar a desbloquear.
Na Madeira, para onde foi o grosso dos que regressaram da Venezuela, haverá uns quatro mil recenseados para votar, poderá isso mudar a perspetiva eleitoral do PS?
Essa é a última das minhas preocupações. Não sei responder a essa pergunta com toda a franqueza. Imagino que nos vários partidos possa haver gente que trata disso, mas eu não tenho nada a dizer sobre o assunto. O que eu sei, e é muito importante, é que desses, as autoridades madeirenses ora falam em cinco mil, ora em seis mil que chegaram, três mil já encontraram trabalho.
A Secretaria de Estado das Comunidades também criou uma plataforma de emprego.
É uma plataforma eletrónica, alojada no sítio do Instituto do Emprego e Formação Profissional que tem a característica de trazer ofertas de emprego especificamente dirigidas para cidadãos que vivem na Venezuela. Em Aveiro, que é no continente a região de onde saiu mais gente para a Venezuela, a absorção dos que regressaram está a ser excelente.
Em relação a licenciados, há algum processo de agilização do reconhecimento de títulos?
Sim, naquilo que depende apenas do Estado e em particular do Governo, tudo é fácil. Há um problema específico que tem a ver com o reconhecimento das qualificações na área da medicina, em que intervêm também as ordens profissionais, mas temos feito os possíveis para que os médicos luso-venezuelanos que queiram vir para Portugal possam vir.
Há abertura da Ordem dos Médicos?
Temos trabalhado em conjunto.
Quanto ao Brasil, Murteira Nabo, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-brasileira, disse que tendo em conta que Portugal tem uma democracia consolidada, a sua relação com o Governo do Presidente Jair Bolsonaro tem de ser ‘necessariamente má’. Concorda?
É uma das poucas ocasiões em que discordo do Dr. Francisco Murteira Nabo. O povo brasileiro escolheu quem entendeu para seu Presidente e, portanto, é o Presidente do Brasil com que trabalhamos. O Presidente escolheu quem decidiu para o seu Governo e é com os membros do seu Governo que trabalharemos. Farei em relação ao ministro Ernesto Araújo o mesmo que fiz em relação aos outros três ministros das Relações Exteriores com que tive oportunidade de contactar enquanto MNE, logo que tomar posse tentarei o contacto imediato.
Nota-se, pela escolha do novo ministro e pelas afirmações de Bolsonaro, que a política externa brasileira será mais voltada para os EUA.
Vamos ver, em democracia temos de distinguir o que é o tempo da campanha e o tempo do exercício do poder. Se o programa do Governo brasileiro for reforçar as relações com os EUA, olhe, aí está uma área de convergência, nós temos reforçado as relações com os EUA a todos os níveis. Sabemos que os EUA são um parceiro muitíssimo próximo e um aliado muitíssimo importante para Portugal e Portugal é muito importante para os EUA, respeitando escrupulosamente as escolhas soberanas do eleitorado, trabalhamos com quem o eleitorado escolhe.
Poderá isso fazer com que não se reforce a CPLP, por exemplo?
O Presidente Bolsonaro ainda não tomou posse, o Governo ainda não começou a funcionar, vamos com calma. Para produzirmos notícias sobre o facto temos de esperar que o facto ocorra.
Não são só os jornalistas a estarem ansiosos, por exemplo, há um aumento de pedidos de nacionalidade portuguesa, levando a que o consulado de São Paulo tivesse anunciado a sua suspensão.
De facto, o Consulado Geral de São Paulo decidiu suspender a admissão de processos de nacionalidade. Na altura, estava em visita oficial à China, mal soube, mandei retomar a normalidade. Quanto aos pedidos de nacionalidade, a razão principal tem a ver com o facto de a Assembleia da República ter aprovado em 2016 e o Governo ter, entretanto, regulamentado, uma nova lei da nacionalidade, cuja inovação principal é estender aos netos de portugueses o direito a terem a nacionalidade originária. Isso fez aumentar muito o número de pedidos.
Essa suspensão no consulado de São Paulo foi levantada?
Mal soube, tomei as decisões nesse sentido. O processo de admissão dos pedidos de nacionalidade terá estado, na prática, suspenso uma quinzena. O problema foi identificado, havia naquele período, que coincide com o início das aulas, uma afluência mais volumosa de pedidos de visto para estudantes e o consulado houve ali umas semanas que deixou de ter capacidade para responder. Por isso, reforçámos o consulado.