Um pequeno génio

Cresceu durante a guerra na ex-Jugoslávia. Podia ter morrido cedo, mas salvou-se no meio do caos. Os pais tiveram de fugir para não serem apanhados pelos combates, e um avô foi executado. 

Esta semana tinha muito por onde escolher.  Por exemplo, a visita do Presidente chinês a Portugal, que decorreu sem incidentes. A extrema-esquerda comportou-se bem e não fez distúrbios. Apesar de a China ser um país autocrático (Xi Jinping é presidente vitalício), de partido único, que não respeita os direitos humanos, que é o maior poluidor do mundo, com um regime assente sobre as montanhas de cadáveres de mais de 100 milhões de chineses mortos no tempo de Mao Tsé-Tung.

O Partido Comunista chinês, que levou a cabo um verdadeiro holocausto, vê o seu atual líder ser recebido com pompa e circunstância no Ocidente. Esperemos pelo que acontecerá quando vierem a Portugal Donald Trunp ou Bolsonaro, dois presidentes eleitos democraticamente. Será interessante ver como a extrema-esquerda se comportará.

Poderia também escrever sobre o relatório do Tribunal de Contas sobre os gastos da Assembleia da República com os deputados. É uma situação escabrosa. Como representantes da nação, os deputados deveriam ser exemplo para todos: referenciais de ética, de seriedade, de retidão, de cumprimento das regras. Mas parece que são exatamente o contrário: metem despesas de que não apresentam justificativo, dão moradas falsas para beneficiarem de subsídios, recebem duas vezes pela mesma viagem, faltam às sessões e pedem a outros para lhes marcarem presença, etc. Só com as deslocações dos deputados das ilhas, o Parlamento gasta mais de três milhões de euros por ano. É um desaforo!
Por estas e por outras, os políticos têm uma péssima imagem junto da opinião pública, e o Parlamento – e o próprio regime parlamentar – são cada vez menos respeitados. É neste caldo de cultura que surgem os salvadores da pátria. Os messias. Os Bolsonaros.

Mas vou escrever sobre um tema muito menos importante. A história de um menino que nasceu há 33 anos e cresceu durante a guerra na ex-Jugoslávia. Podia ter morrido cedo, mas salvou-se no meio do caos. Os pais tiveram de fugir para não serem apanhados pelos combates, e um avô foi sumariamente executado.

Tinha jeito para o futebol, mas era baixinho e enfezado, faltando-lhe os atributos físicos necessários para a prática desportiva. Foi rejeitado em vários clubes e teve de percorrer uma via sacra antes de chegar a uma equipa onde tivesse alguma visibilidade e pudessem dar por ele. Mas nunca se deixou cair. Agarrou todas as oportunidades. E com 1,72 de altura e 66 Kg de peso foi agora considerado o melhor jogador de futebol do mundo.

Quando o vi jogar pela primeira vez no Real Madrid, após uma transferência relativamente discreta, sem as parangonas das estrelas, surpreendi-me: «Mas como pode um homem como este jogar num grande clube europeu? Não tem altura, não tem robustez, é pequeno e insignificante». 

Mas não só se afirmou no clube como se tornou um dos seus jogadores mais influentes. Pegou nos cordelinhos da equipa pelas pontas e começou a fazê-los mexer com mestria. Aparece na defesa, no meio campo e no ataque. É senhor de um remate forte e marca golos. Raramente perde um duelo físico: não tem altura nem peso, mas tem fibra. É de antes quebrar que torcer. 

A atribuição a este pequeno génio da bola do galardão de melhor jogador do mundo é uma lufada de ar fresco. Estávamos fartos do despique entre Messi e Ronaldo. Ou era um ou era outro. Parece que não havia mais ninguém no mundo. E isso era desmotivador para os outros jogadores e nada emocionante para os amantes do desporto. Os prémios foram perdendo o valor. Ao serem entregues sempre aos mesmos, tinham-se banalizado.

Ronaldo fez mal em não ir à cerimónia de entrega dos troféus. Mostrou falta de fair play. Revelou mau perder: ou é ele a ganhar ou não comparece. E esta arrogância torna Ronaldo uma estrela idolatrada por muitos mas pouco simpática. Ronaldo é pouco humilde. Quer ganhar tudo e fica amuado quando não ganha. É um menino birrento. Até por isso, a vitória de Modric sobre Ronaldo (e Messi) foi um bom sinal para o mundo do futebol.