Foi divertido assistir à encenação interna do PSD quando a entourage de Rui Rio e o próprio reagiram à conferência de Imprensa de Luís Montenegro, onde este anunciou a intenção de se candidatar à liderança do partido, preconizando as ‘diretas já’ – hipótese que, obviamente, estava condenada a ‘ficar no tinteiro’.
A entourage manifestou-se como se todos fossem ‘virgens ofendidas’ – quando Rui Rio passou quatro anos a vergastar o anterior Governo e, em particular, Pedro Passos Coelho, com o propósito, nem sequer disfarçado, de remover o líder do partido e primeiro-ministro, espartilhado pela troika herdada do Governo socialista de José Sócrates.
Rui Rio encontrou em Montenegro o adversário político que nunca descobriu em António Costa ao longo do primeiro ano de liderança. Deveria agradecer-lhe.
Mal empossado, Rio correu para Costa e assinou de cruz, com um aperto de mão efusivo, dois acordos de regime, sobre descentralização e fundos comunitários. Irrelevâncias…
Foi lesto. E, ao contrário de Jerónimo e de Catarina, que assinaram a ‘geringonça’ num gabinete despojado, quase na ‘clandestinidade’, Rio quis mostrar-se prazenteiro ao lado de Costa, exibindo uma cumplicidade que já tinha histórico enquanto autarcas.
Apostado em estabelecer pontes com os socialistas, Rio foi adiando a primeira reunião com o seu grupo parlamentar e, quando a concretizou, fê-lo com sobranceria. Ou seja, em lugar de unir, dividiu o partido.
A partir daí, ficou-se pelo Porto, sem se dar à maçada de mudar para a capital, e eclipsou-se, abdicando de exercer oposição que se visse, não fosse incomodar o Governo.
Apesar dos graves falhanços do Estado, em várias situações por esclarecer, Rio manteve-se no casulo, refém de uma enigmática estratégia. E, ao invés do ‘banho de ética’ prometido, aliou-se a caciques locais que lhe arregimentaram votos. Depois, ‘segurou’ figuras tão impolutas que até provaram ser capazes de ‘martelar’ currículos ou ‘assinar’ presenças no hemiciclo de São Bento, mesmo ausentes.
Na sua sanha contra a anterior liderança, Rio foi secundado por alguns ressabiamentos militantes, com destaque para Manuela Ferreira Leite – que aproveitou a tribuna televisiva para desancar Passos Coelho em permanência, prestando um inestimável serviço de branqueamento político ao PS e às responsabilidades de Sócrates e de António Costa (que chegou a ser o seu número dois no XVII Governo constitucional, de maioria socialista, cujos desmandos conduziram o país à pré-falência).
Aliás, Manuela Ferreira Leite – disponível em tempos para «suspender a democracia» – manifestou agora «desprezo» por um movimento liberal, e disse preferir um PSD eleitoralmente pequeno do que ter «um rótulo (de direita) que eu acho que não lhe assenta». Uma tolice.
O desafio de Montenegro – mesmo que fique a ‘marinar’ depois do Conselho Nacional, onde perdeu por 25 votos – veio baralhar as contas partidárias, em vésperas da primeira campanha eleitoral do ano.
Claro que Marcelo Rebelo de Sousa prometeu não interferir no seu partido de origem, mas logo se avistou com Rio e, mais tarde, com Montenegro – ‘para compensar’. Outra originalidade.
A par de Marcelo, foi ainda divertido observar outros críticos do timing escolhido por Montenegro, como Francisco Balsemão, o ‘militante nº 1’, que errou no fervoroso apoio a Rio mas não quer admiti-lo; ou Paulo Rangel, desejoso de preservar o lugar em Bruxelas e Estrasburgo, não querendo imitar o destino do seu colega socialista Francisco Assis, recambiado para o Porto apesar dos ‘golpes de rins’.
Montenegro teve o mérito de agitar as águas e, doravante, poderá ser uma voz da oposição que Rio não pratica. A agenda é vasta, a começar nos investimentos públicos de ‘encher o olho’ anunciados a contrarrelógio em novos comboios e barcos (para daqui a dez anos, com as frotas obsoletas), além do aeroporto no Montijo, a trouxe-mouxe, mas logo se vê.
Se Montenegro denunciar este pântano (parafraseando Guterres), nem Rio terá descanso, nem Costa. As águas paradas só interessam aos instalados. Rio saiu da casca para ‘malhar’ nos críticos e abraçar, comovido, Menezes, o pior antes dele. Às vezes é importante provar a ‘laranja amarga’…
Nota: Catarina Martins aprendeu no teatro a arte de ser o que não é; e, na política, a arte de enganar os incautos. Por isso, numa longa entrevista ao Observador (que não é propriamente de esquerda), admitiu que o Bloco seja «radical», mas achou «um insulto» considerarem-no de extrema-esquerda. Lembra o contínuo que passou a ‘assistente operacional’… Ou como uma trotskista se esconde atrás do biombo, recorrendo ao embuste para tentar ser Governo…