O líder do PSD, Rui Rio, fechou o conselho nacional do partido de quinta-feira, já passava das 4 da manhã de sexta, com um discurso apaziguador e uma nova roupagem onde entrou a palavra «humildade», além da promessa de ir a jogo para ganhar eleições: as Europeias de 26 de maio e as Legislativas de 6 de outubro deste ano e atacar o PS. «Ter alguma humildade é um ato de inteligência», afirmou Rui Rio no final do encontro de mais de onze horas, segundo relatos feitos ao SOL. Cá fora, aos jornalistas foi claro a pedir paz interna: «Deixem fazer o trabalho com alguma tranquilidade e que não haja permanente ruído como tem havido».
Lá dentro, Rio avisou que a estratégia era a mesma, delineada na sua moção, ratificada em congresso há um ano, não por arrogância, mas porque tudo tem uma lógica e a oposição que se faz a quatro anos distância não é a mesma que se faz a quatro meses. «Já ando cá há muito anos, já fiz muito disto, não sei se vou ter sucesso, mas sei o que faço, sei o que estou a fazer», afirmou Rio, segundo relatos feitos ao SOL por vários conselheiros presentes, tendo recebido muitas palmas quando proferiu esta frase.
O PS mereceu várias referências no discurso de Rio, uma versão que servirá de guião para as eleições. A escassos meses de dois atos eleitorais, Rio assegurou que «não há mais acordos» com os socialistas e deixou um lamento. Sempre que surgiu a ideia de que estaria a trabalhar para ser, apenas, vice-primeiro-ministro do socialista António Costa, Rio encarou o tema como «destrutivo», algo que retira a «pureza» da estratégia que pretende implementar.
Uma das críticas que lhe têm sido apontadas é a de não nomear Costa nos ataques que faz ao Governo. Na madrugada de ontem não se coibiu de o chamar «habilidoso a explicar as coisas», mas garantiu que não formata discursos a pensar nas sondagens.
PS pode perder as eleições
No capítulo eleitoral, o que mais importa aos sociais-democratas, Rio insistiu na ideia de que se tem «de chegar ao poder em condições de valer a pena chegar ao poder», e que o «PS pode perder as eleições». Por isso, caberá aos sociais-democratas ganhá-las. E, nesse ponto, o antigo líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, deixou um caderno de encargos a Rui Rio, apesar de ter perdido a batalha, depois do desafio para eleições diretas.
Para Luís Montenegro o partido tem agora condições para se «concentrar em ser uma alternativa forte, que leve a uma terceira vitória consecutiva nas legislativas». E deixou em aberto voltar a jogo depois das eleições outubro. «Nesse dia falarei», declarou ontem, a partir de Vila Nova de Gaia, depois de ter perdido qualquer hipótese de provocar eleições internas. Rio acabou por ganhar com 25 votos de diferença, na moção de confiança à sua equipa e Luís Montenegro não conseguiu o convite, sequer, para poder participar no conselho nacional do partido.
No rescaldo da semana mais longa do PSD dos últimos anos, há quem admita ao SOL que Montenegro se precipitou a querer entrar na corrida para a liderança, mas o ex-dirigente poderá ser sempre alegar que entrou em campo sem medo de perder e que avisou para os riscos da estratégia de Rui Rio. Ontem, Montenegro preferiu dizer que está de consciência tranquila. «Acordei um gigante adormecido que é o PSD», declarou o ex-dirigente.
Outros potenciais candidatos poderão aparecer após as eleições de outubro, se o PSD tiver um mau resultado, dividindo o espaço com Luís Montenegro, como é o caso de Miguel Pinto Luz, Pedro Duarte, ou até Carlos Moedas, o comissário europeu, que começa a ser falado como hipótese futura para a liderança do PSD. Isto sem esquecer que, do outro lado, poderá ressurgir também Paulo Rangel, o eurodeputado que ontem apoiou Rio e deverá ser, novamente, o cabeça de lista às eleições europeias. Mas todos os cenário só voltarão a ser falados depois das eleições.
Listas, um parto difícil ou razia
Alguns sociais-democratas ouvidos pelo SOL, sob anonimato, esperam agora algumas afinações na estratégia de Rio, mais próximo do partido, mas antecipam já alguns problemas: as listas para as Europeias e Legislativas.
O discurso oficial da direção é agora de inclusão de contributos de todos, mas há quem admita que Rio também ganhou lastro para fazer o pretendia desde o início: uma razia nas listas para as duas eleições.
Para já, ninguém quer assumir o problema e José Silvano, o secretário-geral do partido, preferiu dizer que o tempo é de acalmia: «Já que criou este precedente e que se terminou desta forma, e que terminou com a confiança na direção, que agora haja um período de acalmia suficiente para podermos passar a mensagem aos portugueses com a ajuda de todos e todos somos poucos para levar essa mensagem à frente. É este o objetivo», disse ao SOL o dirigente.
O objetivo é conseguir a vitória, quer nas Europeias, quer nas Legislativas, assegura Silvano, numa ideia partilhada por um dos vencedores da noite do conselho nacional do partido, Salvador Malheiro. «Acho que se estiverem a remar todos [para o mesmo lado], teremos uma probabilidade melhor de ganhar de eleições», afirma o SOL o vice-presidente social-democrata sublinhando a coesão interna do partido. Que saiu do conselho nacional. Nem todos terão a mesma opinião, mas a ordem é a de enterrar o machado de guerra até aos próximos atos eleitorais.
David Justino, outro dos vices de Rio e o coordenador do conselho estratégico nacional, acrescenta que, agora, « temos muito trabalho pela frente, no plano político, no grupo parlamentar e, fundamentalmente temos muito trabalho no Conselho de Estratégia Nacional e todos os contributos são sempre muito bem-vindos seja de onde for».
Dito de outra forma: o ataque aos críticos parece ter ficado de lado, mas um dos opositores de Rui Rio, que emergiu como um dos apoiantes de Luís Montenegro, Pedro Pinto, lembra que as vitórias são « o objetivo dos líderes do partido, sempre, e de todos os grandes partidos que são alternativa de poder. O objetivo é esse. Sobre se [Rui Rio] vai ganhar ou não, discutiremos isso depois das eleições».
Questionado pelo SOL se pode haver uma razia nas listas para deputados, Pedro Pinto lembrou que «nunca se pronuncia por antecedência», uma vez que « seria uma manifestação de intenção que não faço».
Choque vitamínico para o PSD
O também antigo líder do PSD Rui Machete sublinha que o resultado do conselho nacional do partido foi positivo. « Se as pessoas cumpriram, de um lado e de outro, aquilo que disseram, é bom. Penso que o partido se reativou, Rui Rio fez muito bem em ter admitido o voto secreto e, portanto, acho que as coisas correram melhor do que se poderia supor». Por isso, também não antecipa problemas nas listas. «É de esperar que isso não aconteça até porque as declarações de um lado e de outro me pareceram bastante límpidas». Machete chegou a ponderar deslocar-se à reunião e votar contra a moção de confiança de Rui Rio. O assunto está, agora, arrumado.
Entre os críticos, várias vozes falaram num partido reforçado. A ex-ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, explicou ao SOL que agora o importante é que Rui Rio defina uma estratégia e a apresente aos militantes. «Para que possa haver, do ponto de vista partidário, um consenso», justificou.
Paula Teixeira da Cruz refere que Rui Rio devia fazer «uma leitura dos acontecimentos» e retirar «consequências». «As intervenções que foram feitas no Conselho Nacional são muito claras. E há que ter a humildade e a grandeza de alma de se perceber isso. É preciso unir. Não é preciso espadeirar para dentro», alertou.
A antiga ministra defende ainda que o desafio feito por Montenegro foi um «choque vitamínico para o PSD». Isto porque o partido «tinha desaparecido do espetro político» e «de repente» reapareceu. Ainda assim, Paula Teixeira da Cruz refere que agora há trabalho a fazer e deixa um recado a Rui Rio: «Máxima liberdade, máxima responsabilidade».