Não por uma questão ideológica, não por ignorar que os dados divulgados não retratam todo o trabalho de alunos e escolas ao longo de anos ou que nem sempre a sua contextualização é feita da melhor forma ou com todas as variáveis relevantes. Mas porque é minha convicção que o acesso à informação é sempre um bem maior do que o seu ocultamento ou truncagem. Mesmo que apresentem uma realidade que não é a que eu mais gostaria de ver retratada, só dessa forma poderei agir para a alterar. No desconhecimento, o problema não é sermos iguais, é nem sabermos bem o que somos em relação ao que nos rodeia.
Escrevo isto porque observo dois fenómenos cuja convergência poderá estar a ameaçar a continuidade da divulgação destes resultados, obtidos a partir de provas externas às escolas. Antes de mais, a evidência do domínio das escolas privadas no topo dos rankings começa a ser uma constatação problemática para uma Escola Pública que enveredou por um caminho, ao nível da orientação política, de desvalorização desses rankings, mesmo quando construídos com alguma complexidade, em favor de outros indicadores, certamente estimáveis e interessantes, mas que podem funcionar em circuito fechado. Se me parece essencial que as escolas privadas de topo facultem dados de contexto socio-económico ou de inclusão de alunos com necessidades específicas de aprendizagem (ou como as queiram designar), não deixo de encarar com alguma reserva indicadores que resultem apenas de políticas internas de avaliação sem aferição externa, ditadas por metas contratualizadas com a tutela ou úteis para a avaliação dos órgãos de gestão, como os “percursos directos de sucesso”. Basta as escolas alterarem os critérios de retenção para se conseguir uma subida rápida deste indicador. Para o ajudar temos ainda a eliminação de factores exógenos de avaliação como as provas finais do Ensino Básico no 4º e 6º ano.
E é aqui que entra em cena outro fenómeno, ainda não assumido de forma explícita, que é o projecto ideológico da facção no poder no Ministério da Educação e periferias de “especialistas” de acabar com todas e quaisquer provas finais no Ensino Básico, mantendo apenas as cosméticas provas de aferição introduzidas nos últimos anos e cujos resultados, para além de servirem de alavanca a este ou aquele grupo disciplinar para exigir mais espaço no currículo, são praticamente inúteis para o trabalho com os alunos, pois não são feitas de forma articulada no tempo (os alunos aferidos num determinado ano/ciclo nesta ou aquela disciplina, deveriam voltar a sê-lo dois ou três anos mais tarde para se poder estabelecer um estudo comparativo), pois os relatórios produzidos obedecem a uma simplista lógica descritiva. Estou convicto que, continuando o actual processo de reforma educativa em curso, as provas de 9º ano desaparecerão e com elas os rankings do Ensino Básico, dando um salto atrás de 20 anos em termos de opacidade. As declarações políticas sobre o perfil adequado para a futura liderança do IAVE são evidentes nesse sentido. Assim como no caso do Ensino Secundário, a pressão para que sejam os Politécnicos e as Universidades a regular o acesso aos seus cursos vai no mesmo sentido da eliminação de exames, embora esse talvez seja um projecto a não tão curto prazo.
Contra esta tendência, é importante que a comunicação social continue a fazer o seu trabalho de tratamento dos dados para além de seriações de médias e aproveitem para investigar se a chamada “cultura do insucesso” é das escolas ou se não é uma consequência directa da ineficácia de políticas de desenvolvimento económico e inclusão social em reduzir o aumento de desigualdades para lá dos portões dessas mesmas escolas.
Paulo guinote
{Professor do Básico e doutorado em História da Educação}