A última semana ficou marcada pela turbulência dentro da classe dos enfermeiros. Das ameaças do Governo até à greve de fome em frente ao Palácio de Belém, as declarações e manifestações dos enfermeiros multiplicaram-se e este sábado é também dia de protesto. Às 19h30, os enfermeiros vão juntar-se em Coimbra, Viseu, Lisboa, Porto, Funchal, Braga e Faro numa manifestação apelidada de «marcha branca». Promovida pelo Movimento Nacional dos Enfermeiros, a marcha pretende mostrar solidariedade com o enfermeiro Carlos Ramalho, presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses (Sindepor), que iniciou uma greve de fome esta quarta-feira em Lisboa, tendo terminado ontem na sequência de uma chamada da ministra da Saúde.
Além disso, este protesto pretende ser uma «luta por um SNS com futuro, que sirva melhor os seus utentes e por uma carreira digna de Enfermagem», lê-se na página do Facebook onde foi convocada a «marcha branca».
Mas os protestos não se ficam por aqui. O Movimento Nacional dos Enfermeiros já tinha anunciado na semana passada um novo protesto para o dia 8 de março, em Lisboa. E, para que mais enfermeiros possam estar presentes neste dia, a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) já entregou um pré-aviso de greve nacional para esse mesmo dia – uma paralisação entre as 00h e as 24h. No Facebook, a ASPE explicou que a manifestação não está a ser organizada por nenhum dos sindicatos, mas, por se tratar de uma reivindicação justa pelos enfermeiros, decidiu decretar uma greve em todo o país.
Uma chamada para acabar com a greve de fome
Carlos Ramalho esteve desde quarta-feira em frente ao Palácio de Belém, em Lisboa, em greve de fome. Tudo teve início quando o Ministério da Saúde fez saber que os enfermeiros em greve teriam falta injustificada, por se tratar de um protesto ilegal. A greve de fome, porém, terminou esta sexta-feira, quando o telefone do presidente do Sindepor tocou. Do outro lado, Marta Temido, ministra da Saúde, anunciou que o Governo iria retomar as negociações com os sindicatos dos enfermeiros.
«Falei hoje com o senhor presidente do Sindepor, manifestei-lhe a minha preocupação e dirigi-lhe o mesmo apelo que dirigi aos outros dirigentes sindicais por estes dias, que é o de que nos sentemos a tratar de outros temas, que também existem e que estou certa que os enfermeiros reconhecem que são relevantes», disse Marta Temido, acrescentando que esses temas «não são concretamente a questão da carreira de enfermagem».
O anúncio da tutela tardou, mas chegou, ao contrário das previsões de Lúcia Leite, presidente da ASPE. Esta semana, ao jornal i, a dirigente sindical garantiu solidariedade com Carlos Ramalho, mas apenas isso. Aliás, explicou que esta posição extremista do enfermeiro poderia ter um efeito contrário nas negociações. «Acho que se o Governo tivesse intenção de chamar os sindicatos, com uma ameaça destas [greve de fome] e com a visibilidade pública que tem, pode resistir até a chamar os sindicatos», explicou Lúcia Leite.
Para contentamento dos enfermeiros, este cenário não se verificou e agora o Governo prevê retomar as negociações até ao início de março. Em comunicado, o Ministério da Saúde referiu que vai retomar as reuniões com a Federação Nacional dos Sindicatos dos Enfermeiros (FENSE) para celebrar o acordo coletivo de trabalho, cuja negociação decorre desde novembro do ano passado. Além disso, também o Sindepor e a ASPE solicitaram um processo negocial idêntico, estando ainda em curso a assinatura do respetivo protocolo. Todos querem reunir com o Governo e também o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) pediu esta semana uma nova reunião, esclareceu a tutela também em comunicado.
No entanto, é necessário esclarecer que Duarte Barbosa, um dos enfermeiros do Hospital de S. João, no Porto, seguiu o caminho de Carlos Ramalho e iniciou greve de fome por um período de três dias. Começou esta sexta feira e só termina no domingo, antes de voltar ao trabalho.
Enfermeiros de um lado, Governo do outro
De acordo com os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, a greve cirúrgica dos enfermeiros adiou até ao dia 19 de fevereiro 5.031 cirurgias, o que representa 46% das operações agendadas. Os dez hospitais onde foi decretada a greve cirúrgica – pelos sindicatos Sindepor e ASPE – vão agora ter de reagendar todas as cirurgias. Além destes números, o Governo adiantou também esta semana que foram adiadas nove cirurgias urgentes de doentes com cancro de grau três e quatro – situações consideradas mais graves.
A tutela anunciou esta semana que os enfermeiros em greve iriam ter falta injustificada. Esta decisão foi tomada depois da divulgação do parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a primeira greve cirúrgica. A PGR foi clara e não teve dúvidas sobre «a ilicitude da greve». O conteúdo do pré-aviso da primeira greve entregue pelos sindicatos é um dos pontos mencionados pelo conselho consultivo da PGR para justificar o carimbo de ilegal. «Será legítimo que se questione a bondade do aviso prévio, desde logo, por desrespeito ao principio da boa fé, o que permitirá concluir que a greve é, em si mesma, ilegal», diz o documento.
Além disso, o pré-aviso não mencionava que cada enfermeiro poderia escolher a hora e o dia em que pretendia fazer greve: «A estratégia desta greve é exatamente o contrário da noção clássica de greve […] uma vez que corresponde a uma atuação individual desalinhada dos trabalhadores».
O parecer da PGR e o anúncio do Governo relativamente às faltas dos profissionais de saúde deixaram os sindicatos divididos e obrigados a tomarem estratégias diferentes. Do lado do Sindepor foi pedido aos enfermeiros que não cedessem às ameaças da tutela, do lado da ASPE pediu-se a suspensão da greve. No entanto, aos olhos da ASPE, suspender a greve não significa deixar de lutar. Lúcia Leite referiu esta semana ao jornal i que foi pedido aos enfermeiros para «recusarem as falsas horas extraordinárias, porque há bastantes anos que estão a assegurar por sua conta e risco o funcionamento do SNS, fazendo horas a mais».
Este fim de semana vai então ficar marcado por protestos paralelos à greve cirúrgica, com a «marcha branca», greve de fome e a recusa a horas extraordinárias e cirurgias adicionais.