Pressionado na frente interna pelos democratas e em contagem decrescente para as presidenciais de 2020, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, precisa de uma vitória na política externa nunca antes conseguida pelos seus antecessores. Se pelo meio ganhar o Nobel da Paz, como aconteceu com o seu antecessor Barack Obama, tanto melhor.
É nesta equação que o segundo encontro cara-a-cara entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em Hanói, Vietname, esta quarta e quinta-feiras, entra. Pretende desbloquear oito meses de impasse entre Washington e Pyongyang e dar mais um passo na desnuclearização da Coreia do Norte.
Numa estratégia que já lhe é reconhecida, Trump tanto elogiou Pyongyang como lhe deixou recados do que não está em cima da mesa para negociar. No primeiro, surpreendendo tudo e todos, deixou bem claro que a Coreia do Norte pode vir a ser “uma das maiores potências económicas do mundo” se abandonar o intento nuclear, garantindo de seguida que a retirada das forças nucleares norte-americanas da Coreia do Sul não é uma opção. A escolha do Vietname, em tempos inimigo mortal dos norte-americanos, tem esse mesmo simbolismo: os velhos inimigos podem transformar-se em melhores amigos se um acordo for alcançado.
“Ele [Kim] nunca teve uma relação com alguém deste país [se esquecermos o basquetebolista Dennis Rodman] e não tem muitas relações em qualquer parte”, disse Trump aos jornalistas antes de viajar para o Vitname. “Agora temos uma situação em que as relações são boas – não houve nenhum teste nuclear, nenhum míssil, nenhum rocket”, sublinhou Trump para defender as suas capacidades de negociador: “Se não tivesse sido eleito presidente, estaríamos em guerra com a Coreia do Norte”.
O estilo de diplomacia de Trump contrasta com a dos seus antecessores: se estes se focavam no conselho dos assessores, no estudo dos dossiês e na prudência nas declarações, o atual presidente aposta nas suas qualidades pessoais de homem de negócios, nas relações pessoais e em posturas ora de força ora de diálogo para vergar o outro lado.
Há quem não acredite que a relação pessoal entre Trump e Kim seja a solução. “É a relação pessoal suficiente para uma política ter sucesso? Estamos tão afastados dessa noção de que a amizade por si só criaria a decisão norte-americana de desistir de todas as suas armas nucleares. É muito difícil de imaginar”, disse Victor D. Cha, antigo conselheiro para a Coreia do Norte da administração Bush, ao “Washington Post”.
Há oito meses que Washington e Pyongyang não se entendem sobre quais os passos concretos a dar na desnuclearização da Coreia do Norte, muito por o primeiro encontro entre os dois líderes não ter produzido um roteiro, limitando-se a proclamar frases que serviram as posições de ambas as partes. Para Pyongyang, a declaração conjunta deixa bem clara que a desnuclearização – não apenas a sua, mas de toda a península, obrigando à retirada das forças nucleares norte-americanas da Coreia do Sul – só será iniciada depois de Washington levantar as sanções económicas, enquanto Washington entende que o acordado é Pyongyang começar a desnuclearização e, só depois, se levantar as sanções.
Trump, garantiram fontes oficiais à Reuters, quer que um roteiro com passos concretos sobre a desnuclearização seja acordado desta vez. Entre as possibilidades está a assinatura de uma declaração para terminar com a guerra de 1950-53, amenizando as tensões e com a desnuclearização a ser um pilar desse documento. Além disso, também poderá ser acordado a abertura de gabinetes de ligações diplomáticas e o retorno de restos mortais de soldados norte-americanos mortos na Guerra da Coreia.
Por seu lado, Kim garantiu estar disposto a reabrir o complexo industrial de Kaesong, uma cooperação com a Coreia do Sul, e os passeios na Montanha de Kumgang, mas para isso exige que uma parte das sanções sejam levantadas. Mesmo que Trump o queira fazer, precisa de ter a aprovação do congresso, obrigando-o a apresentar cedências concretas do lado norte-coreano para recolher o apoio dos congressistas.
Para que o impasse seja ultrapassado, ambos os lados terão de fazer obrigatoriamente cedências. Kim precisa do fim das sanções para estabilizar a sua economia e a crise humanitária que, diz, vive o seu país; Trump precisa de uma vitória no imediato, ancorada em passos concretos, para silenciar os seus críticos nos Estados Unidos e fazer descolar a sua campanha presidencial, porventura com um Nobel da Paz na mão.