Em 2016 e 2017, o Instituto de Segurança Social pagou 3,7 milhões de euros em pensões de sobrevivência a beneficiários que já tinham morrido há mais de um ano, alerta o Tribunal de Contas (TdC). E mais de metade deste valor (1,9 milhões de euros) não foi declarado como dívida ao Estado nem foi seguido qualquer procedimento para recuperar estas verbas pagas indevidamente, lesando os cofres públicos.
Em alguns dos casos, a pensões de sobrevivência continuaram a ser pagas mesmo depois de cessadas, havendo registo de beneficiários que já tinham morrido há dez anos. Os juízes do TdC dizem ainda que foram detetados casos em que a pensão de sobrevivência continuou a ser paga a beneficiários que morreram e a quem fora pago, aos familiares, o subsídio de funeral.
Estas são algumas das conclusões da auditoria do Tribunal de Contas (TdC), hoje divulgada e a que o i teve acesso, que passou a pente fino os procedimentos e os pagamentos das pensões de sobrevivência realizadas pelo Instituto de Segurança Social durante 2016 e 2017.
O cenário resulta da falta de cruzamento de informação entre a Segurança Social – que gere a Base de Dados dos Pensionistas e atribui as prestações sociais – o Ministério da Justiça, onde são registados os óbitos, e ainda o Ministério das Finanças.
Além disso, os pagamentos indevidos podem resultar da falta de controlo dos dados, havendo o risco de “fraude”. Isto porque os serviços que gerem a atribuição ou a suspensão das pensões dependem da informação prestada pelos beneficiários, onde se inclui a alteração do estado civil ou a ocorrência do óbito.
Para evitar que se continue a pagar pensões de sobrevivência de forma indevida, os juízes do TdC recomendam que os serviços recorram aos dados das agências funerárias, onde existem registos de óbitos.
Além disso, o TdC recomenda ao Ministro da Solidariedade, Trabalho e Segurança Social, Vieira da Silva, que realize uma auditoria ao Sistema de Informação de Pensões para corrigir os dados dos beneficiários. E ao Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, os juízes recomendam que se realize um levantamento de todos os pagamentos indevidos e que sejam desencadeados os procedimentos para recuperar as verbas, antes que vença o prazo de prescrição, lê-se no relatório.
Mais de nove mil pensões sem identificação fiscal
Os juízes do TdC analisaram as 740.631 pensões de sobrevivência que estavam a ser pagas em 2017 e foram detetadas 9.047 pensões atribuídas sem número de identificação fiscal associado, incluindo beneficiários que são obrigados a ter cartão de cidadão. E entre os 9.047 pagamentos de pensões sem número de identificação fiscal associado, foram detetados beneficiários com registo de óbito na base de dados da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Em sede de contraditório, o presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social diz ao TdC que a responsabilidade dos pagamentos indevidos não deve ser “imputada” ao instituto público, tendo em conta que esta é a informação que lhe chega. Isto porque, acrescenta, “26% dos processos” irregulares “são compostos por registos de óbito automáticos provenientes da troca de dados com a Justiça”, de onde chega “uma parte substancial do desfasamento encontrado”, também para as pensões pagas a mortos há mais de dez anos.
Apenas 614 mil euros recuperados
Aos 3,7 milhões de pensões de sobrevivência pagas indevidamente somam-se ainda 400 mil euros de pensões de direito próprio que também foram pagas de forma irregular.
No total, em apenas dois anos, o Estado foi lesado em quatro milhões de euros e os juízes do TdC salientam a “ineficácia” do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social para recuperar os valores pagos indevidamente.
O relatório da auditoria refere mesmo que, do total do valor pago indevidamente (3,7 milhões de euros), foram recuperados apenas 614 mil euros. Isto porque, nos casos em que as pensões são pagas por transferência bancária, por insuficiência de saldo ou por oposição dos titulares de conta, não é possível ao Centro Nacional de Pensões recuperar as verbas.
Do total de pagamentos que foram realizados depois de as pensões terem cessado, apenas 1,8 milhões de euros foram registados como dívidas à Segurança Social. Ou seja, só este valor inscrito como dívida pode vir a ser recuperado. Já os restantes 1,9 milhões de euros pagos indevidamente “não foram registados como dívida” mesmo “quando foram cessadas as pensões” e “nem foram desencadeados quaisquer procedimentos para a sua recuperação”, lê-se no relatório. Para os juízes do TdC, pode ser exigida responsabilidade financeira tanto aos membros do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social como ao diretor do Centro Nacional de Pensões, que pode ser punidos com multa pela falta de procedimentos para recuperar as verbas.
Em sede de contraditório, o presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social diz que “os casos detetados” foram analisados e “os respetivos débitos devidamente apurados, tendo sido desencadeados os procedimentos subsequentes com vista à sua recuperação”, lê-se no relatório da auditoria. De acordo com a lei, caso a Segurança Social notifique os beneficiários dos pagamentos irregulares, a dívida fica prescrita em cinco anos. Em caso de falta de notificação, a dívida vence ao fim de 20 anos.
Quem recebe estas pensões
A pensão de sobrevivência é uma das várias prestações sociais atribuídas pela Segurança Social.
Destina-se a cônjuges que enviúvam ou filhos até aos 25 anos que perdem um dos progenitores. São portanto pagas a familiares diretos enquanto estes são vivos – pai, mãe, filhos, cônjuges ou unidos de facto – de forma a compensar o agregada perda de rendimentos. É uma prestação paga mensalmente e o valor é calculado de acordo com a pensão de reforma que seria paga, à data do óbito, ao contribuinte falecido.
Esta pensão é atribuída aos cônjuges ou unidos de facto enquanto são vivos e, na ausência de filhos entre o casal, têm de estar casados há mais de um ano ou em união de facto há pelo menos dois anos. Quando os pais morrem, as pensões são atribuídas aos filhos até que completem os 18 anos, podendo ser alargadas aos 25 anos em caso de jovens que não trabalhem mas que se encontrem no secundário ou a frequentar uma licenciatura.