O discurso foi de mobilização e unidade na Comissão Política Nacional do PS, mas como em todas as formações de listas eleitorais, o primeiro-ministro teve de resolver problemas: a situação da eurodeputada Maria João Rodrigues, as exigências do PS/Açores pelo quinto lugar, igual ao de 2014, e as tensões acumuladas no Porto, com a proposta do nono lugar para Manuel Pizarro, líder da Federação socialista da Invicta. Resultado? António Costa fechou a lista na passada quinta-feira, sendo que Maria João Rodrigues foi a última parlamentar, residente em Bruxelas, a saber oficialmente que não ficaria na lista de candidatos às eleições de 26 de maio.
António Costa decidiu convidar a antiga secretária de Estado dos Assuntos Europeus Margarida Marques para o quarto lugar da equipa, uma posição que inicialmente estaria destinada a Maria João Rodrigues. Porém, a eurodeputada tem um processo por assédio laboral em Bruxelas. O caso já terá sido avaliado pelo comité de assédio do Parlamento, e remeteu o dossiê para o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, para determinar se há motivos para alguma sanção. Na véspera de saber que estava oficialmente fora das listas, Maria João Rodrigues ainda deu uma entrevista à TSF sobre o seu relatório de direitos sociais e assegurava estar «disponível» para integrar novamente a lista porque tinha «um trabalho de longo curso sobre a Europa». O critério de Costa foi: na dúvida, a eurodeputada não ficaria na lista e o processo terá tido evolução na última semana razão pela qual, a decisão de afastamento só lhe foi comunicada quinta-feira. O site Politico.eu , onde surgiu a primeira notícia de uma investigação por assédio laboral, deu ontem nota do afastamento da eurodeputada na lista, recordando as várias queixas de uma assistente, pela carga horária ou redução de horário e salários após a licença de maternidade. Um argumento que a visada sempre contestou.
O SOL tentou contactar a eurodeputada, mas sem êxito. Contudo, a ex-ministra de António Guterres considerou que espera, no final do processo, que «o sistema de justiça seja capaz de distinguir entre assédio laboral e uma grande quantidade de trabalho». E prometeu pronunciar-se mais tarde sobre as «implicações políticas gerais» do caso que lhe ditou o afastamento da equipa. De acordo com informações recolhidas pelo SOL, Maria João Rodrigues só deve voltar a falar do caso depois das eleições de 26 de maio.
Porém, algumas fontes socialistas admitiram ao SOL que este foi o argumento para a retirada de Maria João Rodrigues da equipa para abrir caminho a Margarida Marques, apontada como candidata nas europeias desde que saiu do governo em 2017. Na altura, a então secretária de Estado dos Assuntos Europeus afirmou-se «surpreendida», numa declaração ao Observador, assegurando que não lhe tinham sido dadas explicações para a sua exoneração.
Na reunião da Comissão Política, o secretário-geral do PS não fez qualquer referência à saída de Maria João Rodrigues, nem o cabeça de lista, Pedro Marques, abordou o assunto com os jornalistas. O ex-ministro preferiu destacar a «renovação», qualidade e juventude dos candidatos. De facto, da lista de 2014, só resistem os eurodeputados Carlos Zorrinho e Pedro Silva Pereira.
Zorrinho a meio da tabela mas chefe da delegação
A equipa de candidatos do PS às europeias foi aprovada por 68 votos a favor, três abstenções e nove contra, todas oriundas da tendência do militante Daniel Adrião, que pedia primárias para a escolha de candidatos. A ordenação dos nomes ditou que a ex-ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, ficasse em segundo lugar, uma posição que já estaria fechada desde o anúncio da quarta e última remodelação governamental. Em terceiro lugar surge o antigo ministro dos governos de José Sócrates, Pedro Silva Pereira, seguido de Margarida Marques, André Bradford, indicado pelo PS/Açores, Sara Cerdas, do PS/Madeira, e Carlos Zorrinho. O eurodeputado surgiu a meio da tabela da lista potencialmente elegível ( no PS espera-se eleger 8 a 9 lugares), mas continuará como chefe da delegação parlamentar em Bruxelas. A sua posição não ofereceu resistências do próprio, mas causou alguma estranheza em alguns socialistas. Apesar de não constituir uma polémica, Pedro Silva Pereira subiu de sétimo para terceiro lugar entre 2014 e 2019, em nome de um acerto de contas com cinco anos de história. Há cinco anos, a lista socialista foi aprovada por unanimidade, e Pedro Silva Pereira integrou a equipa numa lógica de coesão interna, e no quadro de um acordo alcançado entre o então líder do PS, António José Seguro, e António Costa quando foi apresentado o Documento de Coimbra, em 2013, um guião sobre a estratégia socialista. Depois das eleições europeias, em que o PS teve mais 3,75 pontos percentuais do que a coligação PSD/CDS, o então presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, achou que não era suficiente, e passados cinco meses estava a liderar o PS num longo processo de disputa interna. Na sua lista de apoios -e núcleo duro- lá esteve Pedro Silva Pereira, na primeira batalha política com primárias no partido e um congresso final em dezembro. Isto apesar da sua discrição. O eurodeputado foi chamado, entretanto, em 2016, para ser o redator da moção de estratégia global de António Costa no primeiro congresso como chefe de Governo.
A paz podre na Invicta
Os socialistas aprovaram uma lista em que surgem dois nomes do Porto: Isabel Santos em oitavo lugar, a seguir a Pedro Silva Pereira, e Manuel Pizarro, o presidente da Federação do PS/Porto, em nono lugar numa posição considerada cinzenta por existirem riscos de falhar a eleição.
O lugar destinada a Pizarro foi acertado apenas com o secretário-geral socialista, António Costa, depois de duas conversas. A primeira, no passado domingo, em Gondomar, não terá corrido bem e o dirigente distrital e autarca iniciou um período de reflexão. A decisão de aceitar o nono lugar atrás de Isabel Santos, uma apoiante do seu rival, Renato Sampaio, surgiu na passada quinta-feira, mas o processo está longe de encerrar a polémica. Entre os socialistas do Porto há quem encare a solução final como uma «perda de autoridade» de Pizarro. Ainda assim, o discurso dos seus apoiantes é o de que o Porto ficou bem representado na lista e de que acabaram as tensões. Mas esta versão é apenas um dos lados da história.
Na leitura dos acontecimentos, Eduardo Vítor Rodrigues, membro do secretariado nacional e da dirigente da Federação do PS/Porto, colocou o dedo na ferida, antecipando um longo período de paz podre na estrutura. Ontem, em declarações aos jornalistas, o também autarca de Vila Nova de Gaia lembrou que «há muito boa gente a aproveitar-se, hipocritamente, deste momento para fazer de conta que está muito solidário com Manuel Pizarro, mas na verdade está a tentar desqualificar Manuel Pizarro e a tentar fazer aquilo, que há algum tempo, um setor do Partido Socialista tenta fazer, que é um processo de substituição de Manuel Pizarro da Federação [Distrital do Porto]». Já Renato Sampaio, líder da concelhia do PS/Porto, preferiu afirmar ao SOL que «o secretário-geral fez uma gestão absolutamente correta dos critérios que estabeleceu. O Porto sai prestigiado».
O visado, Manuel Pizarro, que acalentou a ambição de ir a votos nos lugares cimeiros da lista, acabou a noite de quinta-feira a declarar a importância da representatividade do Norte na equipa. O mandato de Pizarro na Federação terminará depois das legislativas e aí será o momento para avaliar os efeitos desta decisão do ainda vereador na câmara do Porto.
A gestão da representatividade dos arquipélagos dos Açores e Madeira também não foram um momento fácil para Costa. O PS/Açores reclamou o peso de ser poder no arquipélago para manter o quinto lugar ( e não o sétimo), atribuído em 2014. André Bradford ficou acima de Carlos Zorrinho, enquanto o PS/Madeira escolheu para o sexto lugar da lista uma médica de 29 anos, desconhecida da atividade política regional e nacional: Sara Cerdas. A atual eurodeputada socialista, indicada pela Madeira, Liliana Rodrigues, soube que estava fora da lista na passada quarta-feira. A parlamentar não tinha uma boa relação com o aparelho socialista regional.