Banca volta a tramar o Governo

A necessidade de nova injeção de capital no Novo Banco e os problemas em torno da avaliação da idoneidade de Tomás Correia levam Executivo a multiplicar-se em explicações.

O sistema financeiro continua a dar dores de cabeça ao Executivo e as atenções estão viradas não só para o Novo Banco como também para a Associação Mutualista Montepio Geral, que detém o banco com o mesmo nome. Mas se os problemas em torno da idoneidade de Tomás Correia não são novos, os alarmes voltaram a soar com a necessidade de nova injeção de capital no Novo Banco, através do Fundo de Resolução, no valor de 1.149 milhões de euros, depois de o banco ter apresentado, na sexta-feira, prejuízos de 1.140 milhões de euros. Este foi o quinto ano consecutivo desde que foi criado, em 2014. Um valor que, segundo Mário Centeno, não terá impacto no défice para este ano. 

Mário Centeno já veio garantir que «nem um euro» dos contribuintes será gasto na instituição financeira liderada por António Ramalho e remete a fatura para o Fundo de Resolução, que irá «pagar este empréstimo ao Estado, em 30 anos, com as contribuições do setor bancário» e que detém 25% do banco. 

Menos convencidos estão os bancos que operam no mercado português e que têm vindo a pôr em causa esta injeção de capital. O BCP, em fevereiro, durante a apresentação de resultados, admitiu que via com «apreensão» estas novas necessidades. «Não vemos com surpresa», referiu o CEO Miguel Maya, lembrando que «o modelo de incentivos é propenso a que haja essa tentação de retirar o máximo possível do Fundo de Resolução», referiu. Mas essa preocupação arrasta-se às restantes instituições financeiras. 

Recorde-se que o fundo é uma entidade pública, mas o seu financiamento é da responsabilidade do sistema bancário, que paga contribuições anuais para dotar este instrumento dos fundos necessários à intervenção em bancos em dificuldades. No entanto, a crise bancária espoletou antes de o Fundo de Resolução ter acumulado contribuições para responder às necessidades financeiras, o que obrigou o Estado a emprestar dinheiro logo quando foi feita a primeira resolução, a do Banco Espírito Santo, em 2014, que deu origem ao Novo Banco.

Face a este cenário, o ministro das Finanças deixou a garantia de que esta operação não vai interferir no desenho do conjunto do Orçamento do Estado. «As nossas metas orçamentais são definidas independentemente daquilo que são as obrigações conhecidas» com o Novo Banco. Ainda assim, o governante não põe de lado o facto de esta situação configurar uma perda significativa para a economia portuguesa. 

Também António Costa deixou a promessa de que o valor a injetar será sempre o máximo do montante que ficou definido no contrato em que assentou a venda da instituição financeira pelo Estado à Lone Star: 3.890 milhões para suprir contingências – e apenas sob a forma de empréstimo (a 30 anos). «O que existe é um empréstimo ao Novo Banco e não uma oferta de dinheiro dos contribuintes àquela instituição bancária», revelou o primeiro-ministro. 

Para Mário Centeno, as perdas registadas pelo Novo Banco não são fruto da forma como a instituição financeira foi vendida, em outubro de 2017, ao fundo norte-americano. «As perdas não são geradas pela venda, nem pela forma como a venda foi feita», acrescentando que «o buraco não nasceu nesta legislatura, existia antes. Foi passado para o banco bom de forma totalmente inexplicável», garantindo que «a verdade vem sempre ao de cima». 

O governante lembrou ainda que a instituição financeira no momento da resolução era um banco mau e «essa parte má é um fardo que o Novo Banco carrega, tendo em conta o que foi lá deixado a 4 de agosto de 2014».

Inquérito parlamentar afastado

Depois de António Costa ter sugerido na quarta-feira a criação de mais uma comissão de inquérito, desta vez para o Novo Banco, Ferro Rodrigues já veio afastar esse cenário. O presidente da Assembleia da República avisou que não aceitará mais comissões de inquérito no Parlamento enquanto não acabarem os trabalhos de uma das três que estão em funcionamento: rendas excessivas, Tancos e Caixa Geral de Depósitos (CGD).

«Enquanto não acabar uma, não haverá uma quarta de certeza absoluta», afirmou. O presidente do Parlamento referiu que só podem funcionar duas comissões de inquérito em simultâneo e que a terceira, sobre a CGD, foi criada por haver consenso.

 

Clarificação da lei para Associação Mutualista

Também incerta está a questão em torno da idoneidade de Tomás Correia à frente da Associação Mutualista e, perante o ‘jogo do empurra’ sobre a quem caberá fazer essa avaliação, António Costa garantiu que o Governo vai avançar com uma «norma interpretativa» para clarificar que cabe ao regulador dos seguros avaliar a idoneidade de Tomás Correia. Mas afirma que não tem dúvidas sobre quem deve fazer essa tarefa. «Não temos dúvidas nenhumas, estamos confrontados com o facto de haver outras pessoas com dúvidas e a ASF [Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões] ter uma interpretação divergente. Como não podemos dar ordens à ASF, só há uma forma: com uma norma interpretativa que esclareça aquilo que para nós é claro, que a ASF tem total competência para avaliar a idoneidade de Tomás Correia», disse o primeiro-ministro, esta semana, durante o debate quinzenal. 

Já Mário Centeno considerou que «o quadro legal é para o Governo bastante claro». Ainda assim deixou uma garantia: «Estamos empenhados em que o quadro legal que existe seja cumprido e faremos, em cooperação com todas as entidades nele envolvidas, todos os esforços para que assim venha a ser e as clarificações que sejam necessários serão produzidas. Mas quero afirmar que nenhuma dessas alterações será a alteração do quadro legal já definido», acrescentando contudo que, «por vezes, o que é claro para [uns] pode não ser para outros».

No entanto, o presidente da ASF tem uma posição diferente e tem vindo a garantir que não compete ao regulador pronunciar-se sobre a idoneidade de Tomás Correia, uma vez que a regulação da mutualista Montepio ainda cabe ao Ministério do Trabalho. Isto porque, segundo José Almaça, apesar de existir um novo Código das Associações Mutualistas, ainda está em curso o período transitório (que pode durar até 12 anos) de convergência da Associação Mutualista Montepio com o regime de supervisão financeira do setor segurador e só depois disso é que o regulador dos seguros assume essas competências.

A questão ganha maior relevo depois de o presidente da Mutualista ter garantido, esta quarta-feira, que é «prática comum entre as instituições financeiras em Portugal e no estrangeiro» a responsabilidade de pagar os processos envolvendo atuais ou antigos administradores, revelou em comunicado. Tal como o SOL avançou na edição passada, caberá ao Banco Montepio o pagamento de coimas de cinco milhões de euros exigidos pelo Banco de Portugal (BdP). Isto porque na Assembleia-geral realizada em 16 de março de 2018 pela Caixa Económica foi escrito em ata que o pagamento dos custos dos atuais ou antigos administradores com processos resultantes da sua atividade na Caixa Económica que decorressem de decisões de entidades oficiais caberia à instituição financeira, agora liderada por Carlos Tavares. 

Em causa está a condenação, por parte do BdP, de Tomás Correia, que terá de pagar uma multa de 1,25 milhões de euros, depois de o regulador ter detetado falhas enquanto exercia o cargo de presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2008 e 2015.

Ainda na semana passada, os deputados da Comissão de Orçamento de Finanças aprovaram os requerimentos de PSD e BE para serem ouvidos com urgência o regulador dos seguros e o ministro do Trabalho para esclarecer a quem cabe a avaliação da idoneidade do presidente da Associação Mutualista Montepio. Contudo, ainda não se sabe quando decorrerão essas audições.