Precisamos mesmo de dormir. 15 curiosidades sobre o sono

Da Antiguidade aos dias de hoje, o conhecimento em torno das funções e benefícios do sono não tem parado de aumentar. Sabia que dormir pouco aumenta o risco de ataque cardíaco? E que torna mais difícil perder peso? São alguns dos alertas do livro “Porque Dormimos?”, de Matthew Walker, que reúne as mais recentes conclusões…

O sono e a memória

Já no século I a. C. o orador romano Quintiliano louvava as virtudes de uma noite de sono: “O intervalo de uma única noite melhora a memória… Seja qual for a causa, coisas das quais não nos lembrávamos no momento são fáceis de coordenar no dia seguinte, e o próprio tempo, que é geralmente apontado como uma das causas do esquecimento, serve, na verdade, para fortalecer a memória.”

As estranhas sestas de Thomas Edison

O inventor norte-americano Thomas Edison fazia sestas durante o dia, numa poltrona ao lado da secretária. Chamava aos sonhos “a pausa do génio”. Antes de se instalar na poltrona, pegava em duas ou três esferas de aço. Assim que adormecia e os músculos relaxavam, as bolas caíam sobre uma caçarola de metal estrategicamente posicionada. O estrondo despertava-o. “Logo a seguir, Edison escrevia todas as ideias criativas que lhe inundavam a mente naquele preciso instante.”

Sonambulismo fatal de Kenneth Parks

Na madrugada de 23 de maio de 1987, Kenneth Parks, um canadiano de 23 anos, adormeceu no sofá enquanto via TV. Quando acordou, levantou-se descalço e conduziu cerca de 22 km até casa dos sogros. “Depois de entrar em casa, subiu até ao piso de cima, esfaqueou a sogra com uma faca que tinha ido buscar à cozinha e estrangulou o sogro até este ficar inconsciente, depois de o atacar também com um cutelo (o sogro sobreviveu). Parks regressou então ao seu carro e, depois de a certa altura acordar e recuperar a consciência completa, dirigiu-se à esquadra da polícia onde disse: ‘Acho que matei algumas pessoas… com as minhas mãos.’” “Uma equipa de peritos da defesa concluiu que Parks estava a dormir quando cometeu o crime, que ocorreu durante um episódio severo de sonambulismo. […] A 25 de maio de 1988, um júri deliberou e decidiu por um veredicto de inocente.”

Oito semanas consecutivas sem conseguir dormir

Michael Corke, professor de Música numa escola secundária do sul de Chicago, começou a ter problemas de sono aos 40 anos. “Inicialmente, Corke achava que o problema era o facto de a mulher ressonar de noite. Respeitando a sugestão do marido, Penny Corke decidiu dormir no sofá durante dez noites seguidas. Mas a insónia de Corke não só não melhorou como ainda piorou.” Não havia comprimidos, por mais fortes que fossem, que o fizessem dormir. “Depois de oito semanas consecutivas sem conseguir dormir, as faculdades mentais de Corke começaram a desvanecer-se rapidamente. O declínio cognitivo foi acompanhado por uma degradação muito rápida do seu corpo. […] à medida que se aproximava de seis meses sem dormir, encontrava–se confinado à cama e a morte aproximava-se. […] Pouco depois de fazer 42 anos, Michael Corke morreu de uma perturbação rara, geneticamente hereditária, chamada insónia familiar fatal. Não existe tratamento para esta perturbação nem cura.”

Como a luz artificial atrasa o relógio biológico

“O nível a que a luz elétrica noturna atrasa o nosso relógio biológico de 24 horas é importante: em média, fá-lo entre duas e três horas por noite. Para contextualizar, digamos que está a ler um livro às 11 da noite em Nova Iorque, depois de ter estado rodeado de luz toda a noite. O seu relógio despertador pode sinalizar que são 11 da noite, mas a omnipresença da luz artificial fez com que o tempo biológico fizesse uma pausa e atrasasse a libertação da melatonina. […] Ao atrasar a libertação da melatonina, a luz noturna artificial faz com que seja bastante menos provável conseguir adormecer a uma hora razoável. Quando desligamos finalmente a luz da mesa de cabeceira, na esperança de que o sono chegue depressa, ele demora na verdade mais tempo.”

Ler no iPad não dá sono 

“Um dos estudos mais recentes descobriu que usar um iPad – um tablet eletrónico enriquecido com luz azul LED – durante duas horas antes de ir para a cama bloqueava a libertação dos níveis de melatonina em 23% […]. Comparando com a experiência de leitura em papel, ler num iPad suprimia a libertação de melatonina em mais de 50% por noite.”

Arrefecer o quarto

“A temperatura ideal para a maior parte das pessoas dormirem é de cerca de 18,3 ºC, partindo do princípio de que a roupa de cama e indumentária são normais. Este valor surpreende muita gente, uma vez que parece ser um pouco frio demais para ser confortável. […] A maior parte de nós aquece as casas e/ou os quartos a temperaturas mais elevadas do que as que são consideradas ótimas para um sono de qualidade e é provável que este facto contribua para uma quantidade e/ou qualidade menor do sono do que aquela que obteríamos em condições ideais. […] Os profissionais clínicos do sono que tratam pacientes de insónias perguntam-lhes com frequência a temperatura dos seus quartos e aconselham-nos a baixar os termóstatos entre 3 e 5 ºC em relação à temperatura atual.”

Um despertador ligado à conta bancária

"O brilhante economista comportamental Dan Ariely sugeriu um sistema […] em que o seu despertador está ligado, por wi-fi, à conta bancária. Por cada segundo que continue sem se levantar, o relógio despertador envia dez dólares a uma organização política… que a pessoa mais deteste.”

Começar as aulas mais tarde 

“As descobertas das investigações revelaram que aumentando o sono através do início posterior das aulas melhora também a assiduidade, reduz os problemas comportamentais e psicológicos e faz diminuir o consumo de álcool e substâncias [ilícitas]. Além disso, começar as aulas mais tarde implica também o benefício de que estas acabam mais tarde. Isto protege os adolescentes da já amplamente investigada ‘janela de perigo’, que se situa entre as três e as seis da tarde, quando as aulas já acabaram, mas os pais ainda não regressaram a casa. Este período de tempo vulnerável e sem supervisão é reconhecido como uma das causas do envolvimento dos adolescentes no crime e no consumo de álcool e drogas.”

Maldita cafeína

A cafeína contraria os efeitos da acumulação de um químico no cérebro que aumenta a pressão do sono. A equação é simples, explica Matthew Walker. Por cada minuto que passamos acordados aumenta a concentração de adenosina no cérebro, o que ao fim de algumas horas fará com que nos sintamos sonolentos. “A cafeína engana-o fazendo-o sentir-se alerta e desperto, não obstante os níveis elevados de adenosina que o fariam sentir-se seduzido pelo sono.” O problema é o tempo que a cafeína dura no organismo. Os níveis de circulação atingem o ponto máximo cerca de meia hora após o consumo oral, mas ela persiste no sistema várias horas. Imagine que bebe uma chávena ao jantar, por volta das sete e meia da tarde, exemplifica o autor. Quando for uma e meia da manhã, 50% da cafeína ainda vai estar ativa e em circulação. Faltam os outros 50%. “Metade de uma dose de cafeína continua a ser bastante poderosa e ainda há muito trabalho de decomposição pela noite fora”, alerta o autor. Beber um descafeinado pode não ser solução. “Contém normalmente 15 a 30% da cafeína de um café normal, o que está longe de ser isento de cafeína. Se beber três ou quatro descafeinados numa noite, eles far-lhe-ão tanto mal como se bebesse um café normal.”

Diretas para estudar são má ideia

Um dos estudos feitos por Matthew Walker em Harvard pretendeu estudar os efeitos de uma direta no cérebro. O autor concluiu que mais de 85% dos seus alunos passavam noites em branco, sobretudo para estudar para um exame. Dividiu dois grupos – um dormia e outro tinha a noite inteira para estudar. Depois de lhes dar duas noites de recuperação, deu-lhes uma lista de factos para memorizar. O grupo que não tinha dormido apresentou um défice de 40% na capacidade de reter novos factos.

Sono doente, coração doente 

Os adultos com mais de 45 anos que dormem menos de seis horas por noite têm uma probabilidade 200% maior de sofrerem um ataque cardíaco ou uma apoplexia durante a vida. A explicação, diz Walker, está na ligação entre privação de sono e pressão arterial. “À medida que o seu coração privado de sono bate mais depressa, a proporção volumétrica de sangue que é bombeado através da sua vasculatura aumenta e com este aumento vem o estado hipertenso da sua pressão arterial. Em simultâneo ocorre um aumento crónico de uma hormona de stresse chamada cortisol, que é ativada pelo sistema nervoso simpático hiperativo. Uma consequência indesejável deste dilúvio ininterrupto de cortisol é a constrição dos vasos sanguíneos, o que origina um aumento ainda maior na pressão arterial.”

Não consegue perder peso? Talvez precise de dormir 

O autor cita os trabalhos desenvolvidos por Eve Van Cauter, da Universidade de Chicago, que há 30 anos estuda a ligação entre sono e apetite. “Dormir pouco aumenta a concentração de uma hormona que o faz sentir fome (grelina), ao mesmo tempo que suprime a produção de outra hormona que indica saciedade (leptina).” Daí a vontade de comer depois de uma noite mal dormida. Van Cauter concluiu que o desejo por doces, comidas ricas em hidratos de carbono e salgados, como batatas fritas, aumenta cerca de 30% a 40% quando o sono é reduzido várias horas por noite. Os efeitos podem tornar-se crónicos. De acordo com Matthew Walker, as crianças de três anos que durmam apenas dez horas e meia ou menos por noite têm um aumento de 45% de probabilidades de serem obesas aos sete anos.

O sono e o sistema imunitário 

Aric Prather, da Universidade da Califórnia, estudou a relação entre a quantidade de sono e a gripe, com resultados surpreendentes. Num estudo expôs os participantes a diferentes vírus e mediu o seu nível de sono na semana anterior. A conclusão foi expressiva: nos que dormiam uma média de cinco horas, a taxa de infeção foi de quase 50%. Nos que dormiram sete horas ou mais por noite, foi de apenas 18%. Walker cita ainda uma descoberta feita em 2002 que concluiu que a privação de sono afeta a eficácia da vacina da gripe, com os voluntários que tinham dormido menos a tirar menos proveito da proteção. Os estudos em torno dos efeitos da privação do sono no aparecimento do cancro também têm produzido alertas substantivos. “Um grande estudo europeu que abrangeu 25 mil indivíduos demonstrou que dormir seis horas ou menos estava associado a um aumento de pelo menos 40% no desenvolvimento de cancro em relação às pessoas que dormem entre sete a nove horas por noite”, diz o autor. A explicação estará mais uma vez no aumento da atividade nervosa, que provoca uma resposta inflamatória continuada e desnecessária do sistema imunitário e vai favorecer a proliferação das células cancerígenas. Uma experiência feita por David Gozal, da Universidade de Chicago, concluiu por exemplo que ratinhos privados de sono sofreram um aumento de 200% na velocidade de crescimento das células cancerígenas relativamente ao grupo de ratinhos que podia dormir.

Quando temos o sono mais profundo?

“Na última semana de gestação, o sono REM atinge o máximo de toda a vida ao chegar às 12 horas por dia. Com um apetite insaciável, o feto humano praticamente duplica o consumo de sono REM mesmo antes de chegar ao mundo.” É nesta fase do sono que sonhamos e não é certo como serão os sonhos na barriga da mãe, mas trata-se de uma fase vital para a maturação do cérebro e há alguns indícios de que diminuição no sono REM ainda durante a fase fetal possa contribuir para a síndrome do espetro autista. Um dos fatores que podem ser prejudiciais é a ingestão de álcool por parte da grávida – está demonstrado que ele diminui o período de sono REM.