A seis meses das eleições, o Governo anunciou a diminuição brutal do preço dos passes sociais dos transportes públicos.
Como diz o povo, mais vale tarde que nunca.
E – acrescentam outros –, se as eleições servirem para os governos tomarem boas decisões, venham elas!
É certo que a medida só cobre as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Mas outras câmaras podem aderir – e tal já aconteceu.
Além disso, segundo a maioria dos comentadores, esta baixa de preço está no ‘caminho certo’, pois vai aumentar os utentes dos transportes e tirar carros às ruas, reduzindo a poluição.
Analisemos agora a questão sem parti pris e com um pouco mais de pormenor.
O Governo anunciou esta medida como uma ‘dádiva’ que faz aos utentes dos transportes, diminuindo drasticamente o preço que têm de pagar pelos passes.
Ora, atenção: o Governo não dá nada a ninguém.
O Governo não fabrica dinheiro.
Se dá bónus a uns, tem de tirar a outros.
Se os utentes de transportes públicos vão pagar menos, outras pessoas – designadamente as que usam o carro – vão pagar mais nos combustíveis.
O dinheiro não estica.
Se se tira de um lado, tem de se pôr do outro.
Dir-se-á que muitos automobilistas passarão, a partir de agora, a usar mais os transportes públicos.
Ora, isso é uma falácia.
Por um lado, a ideia de que uma redução do preço induz automaticamente um aumento do consumo é errada.
Conheço inúmeros produtos – e serviços – que baixaram o preço e não conseguiram aumentar as vendas ou os clientes.
O uso do carro, em prejuízo dos transportes, é uma questão sociológica e não económica.
Não é por serem mais baratos que os transportes públicos serão mais utilizados.
Se fossem muito melhores, se a rede fosse muito mais extensa, aí sim, poderia haver aumento significativo de utentes.
Mas não por baixarem o preço.
Por outro lado, a ideia de que muitas câmaras vão aderir a este projeto é uma ingenuidade dos urbanos.
Porque a esmagadora maioria dos concelhos não tem pura e simplesmente transportes públicos.
Muitas cidades de média dimensão não têm transportes públicos.
E as que têm não dispõem de transportes integrados, e os passes são baratíssimos, pelo que esta medida não as atingirá.
Portanto, a redução dos passes vai beneficiar essencialmente os habitantes das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, aumentando as assimetrias em relação ao interior.
Se a ideia estratégica para o país é a fixação de populações no interior do território, evitando o êxodo para as cidades, esta medida vai no sentido exatamente contrário.
Se a ideia estratégia para o país é combater o centralismo de Lisboa, esta medida reforça-o.
Quem vai pagar esta diminuição do preço dos passes sociais são as pessoas da província que, não tendo transportes públicos, têm obrigatoriamente de usar o carro para se deslocar; e são as pessoas das cidades que continuarão a usar o carro.
E aqui há alguma injustiça.
As pessoas do interior não só não beneficiam de transportes como têm de pagar os transportes dos citadinos.
Por tudo isto, julgo que o caminho certo nesta questão seria outro.
A maior justiça é sempre conseguida com o princípio do utilizador-pagador.
Os automobilistas devem pagar as portagens, os utentes de transportes públicos devem pagar o preço real do respetivo serviço.
Isto é que está certo.
Não andarem uns a pagar para outros.
Claro que neste princípio pode (e deve) ser introduzido um fator de correção de caráter social: as pessoas com menos rendimentos beneficiarem de uma redução do preço do passe.
Mas isso já acontece hoje: as crianças e os jovens, os estudantes, os idosos, os reformados e pensionistas, os desempregados. as pessoas com baixos rendimentos já beneficiam de enormes descontos nos passes sociais.
Portanto, os mais vulneráveis já estão salvaguardados.
E daí poder dizer-se que esta é uma medida eleitoralista.
Visa ter um efeito espetacular mas não altera muito a situação dos mais desfavorecidos.
E aumenta as assimetrias no território, com o objetivo de angariar votos nas grandes cidades, onde se situa boa parte do eleitorado.