Último banco a fechar em Angola foi feito com apoio do BES

O BANC, de Kundi Paihama, foi o último banco a fechar as portas no processo de saneamento do sistema bancário angolano decidido pelo Presidente João Lourenço. É, também, uma forma de atar mais uma ponta solta na história do BES, de onde veio o dinheiro para a sua fundação.

Último banco a fechar em Angola foi feito com apoio do BES

O BANC – Banco Angolano de Negócios e Comércio foi fundado em 2006, com uma estrutura acionista formalmente encabeçada pelo então ministro da Defesa Nacional, o general Kundi Paihama, com uma participação de 37%. Aparecia secundado pelo empresário português António Ferreira (com 29%) e pelo gestor angolano Agostinho Rocha (com 9%), com participações que, em conjunto, eram até ligeiramente superiores à de Paihama. Formalmente, era assim. Na prática, António Ferreira, empresário e maior acionista da Plurijogos, a empresa que se dedica à exploração do jogo em Angola, era o maior acionista do BANC. Por questões legais – em Angola, António Ferreira era ‘estrangeiro’ – parte da participação que detinha na instituição financeira estava formalmente atribuída a Agostinho Manuel Durães Rocha, gestor da sua confiança, que também integrava a administração da Plurijogos. Kundi Paihama era também sócio da Plurijogos, com uma participação de 20%, enquanto António Ferreira controlava a empresa dos Casinos de Angola, com 70%.

É António Ferreira que lidera o projeto de criação do BANC, que nasce apadrinhado pelo português Banco Espírito Santo (BES), ancorado num empréstimo de cinco milhões de dólares (cerca de 3,75 milhões de euros, ao câmbio da altura) decidido em Lisboa, mas contraído junto do Banco Espírito Santo Angola (BESA). É com este dinheiro que é realizado o capital social do novo banco. Aliás, nenhum dos outros acionistas realizou capital, com exceção de Rui Fraga, que se tornaria o primeiro presidente do conselho de administração do BANC. 

As contas iniciais do BANC pelas quais é movimentado o dinheiro necessário para o funcionamento da comissão de instalação do novo banco estão também domiciliadas no BESA.

Por sua vez, o BES é formalmente constituído como correspondente do BANC em dólares e em euros, numa assembleia geral realizada a 12 de outubro de 2006. A primeira liderança executiva do BANC terá também sido decidida em Lisboa, na Avenida da Liberdade.

Os restantes acionistas daquela que viria a ser a 16.ª instituição do sistema bancário angolano são o ex-ministro Diakumpuna Sita José, o empresário João Beirão e João Avelino, na altura presidente do conselho de administração da Angola Telecom.

O BANC nasce num período de pleno desenvolvimento da banca privada em Angola. Segundo os dados do Banco Nacional de Angola (BNA), nos três anos entre 2004 e 2007, o número de instituições que integram o sistema bancário angolano aumenta de 11 para 19, traduzindo de forma clara a abertura do sector à iniciativa privada angolana. Em 2004, havia apenas quatro instituições ‘privadas nacionais’ registadas e em 2007 contabilizam-se já 10. No mesmo período, o número de bancos públicos aumenta de dois para três, enquanto o de instituições bancárias estrangeiras sobe marginalmente de cinco para seis.

É neste período, também, que o crescimento da economia angolana dispara. O ritmo de expansão anual do produto interno bruto (PIB) de Angola é multiplicado por sete entre 2003 e 2004, para 11,7%; no ano seguinte o passo acelera para 19,9% e mantém-se a crescer a uma taxa claramente superior a 10% até à recessão de 2009. Entre 2004 e 2008, a economia angolana cresceu a uma taxa média anual de 17%, até ser atingida pelos efeitos da crise financeira internacional e pela quebra acentuada no preço do petróleo – chegou a cair 76,5% em apenas cinco meses. 

Crise nas relações 

É, também, em 2009 que António Ferreira e Kundi Paihama rompem relações. Em consequência disso mesmo, Ferreira perde o poder na Plurijogos e, também, no BANC. Primeiro, a participação do empresário português que formalmente estava entregue a Agostinho Rocha passa a ser gerida no interesse de Kundi Paihama. Depois, por força de aumentos de capital em que entram novos acionistas, como a Caixa de Segurança Social das Forças Armadas Angolanas, a participação de António Ferreira é diluída; em 2015, quando o jornal Expansão faz uma edição em que regista os acionistas individuais da banca angolana, Ferreira aparece como detentor de 14,87% do capital, mas em maio de 2018, na última assembleia geral antes da intervenção do BNA no banco, já só lhe era atribuída uma parcela de 7,21% no capital da instituição. No trabalho do Expansão, Agostinho Rocha é creditado com uma participação de 31,36% do BANC e Kundi Paihama ainda de 41,42%; mas em maio do ano passado Rocha já só surge com 1,12% e Paihama agrega a participação que aquele tinha parqueada, assumindo 80,42% do capital.

Finalmente, Ferreira é executado pelo BESA (que, entretanto, passou a Banco Económico), por não pagar o empréstimo de cinco milhões de dólares de que era o único titular e que serviu para realizar o capital social inicial do BANC. 

António Ferreira é pressionado a deixar Angola. Reage enviando o caso para tribunal, sem que haja qualquer solução para o diferendo. «O general Kundi Paihama é alguém que foi convidado a ser sócio de uma realidade empresarial sem nunca ter colocado qualquer dólar ou kwanza de investimento num projeto de reconhecido sucesso que fundei, desenvolvi e liderei até uma tomada de poder à margem do normal funcionamento das instituições», acusou, numa declaração feita em abril de 2012. Ainda regressa em 2013, para um acordo que envolve o empresário Silvestre Tulumba – familiar de Paihama e um dos grandes devedores do sistema bancário angolano, incluindo o BANC –; ficaria com parte dos negócios que tinha perdido, mas o acordo nunca chega a ser assinado. 

Em 2016, o empresário português escreve ao Presidente José Eduardo dos Santos uma carta que torna pública e em que explica o processo, mas sem que haja repercussões. Pelo menos, até agora. Mas o que é facto é que desde que João Lourenço foi eleito Presidente da República de Angola, em agosto de 2017, Kundi Paihama foi perdendo poder: primeiro, a Plurijogos, já controlada pelo general, perde o monopólio de facto do jogo em Angola; depois, o BANC foi intervencionado pelo BNA, já sob a liderança de João Massano, nomeado governador por João Lourenço, com a incumbência de sanear a banca angola; a seguir, Paihama foi exonerado do cargo de governador da província do Cunene; e, já este ano, o BNA decide o encerramento do banco do general.