A administração de Tomás Correia poderá não passar pelo crivo da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). O regulador já iniciou o processo de avaliação de idoneidade e de experiência dos responsáveis por associações mutualistas. E é aqui que o processo treme.
Se, por um lado, o presidente da Associação Mutualista Montepio Geral poderá ter a vida complicada após o Banco de Portugal o ter multado em 1,25 milhões de euros por detetado falhas de gestão enquanto exercia o cargo do presidente do agora denominado Banco Montepio, entre 2008 e 2015; o mesmo cenário poderá repetir-se com Luís Almeida, também ele administrador da Mutualista, mas ex-administrador da Caixa Económica sob a liderança de Félix Morgado, que esteve envolvido em fortes polémicas, nomeadamente com o negócio das Vogais Dinâmicas. Uma operação que terá tido como objetivo limpar artificialmente as contas da instituição financeira de 2016 e assim possibilitar à gestão melhorar os resultados da atividade.
E aí a lei é clara: o Regime Jurídico de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora prevê que devem ser tomadas em consideração determinadas situações, como a «acusação ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por infrações das normas que regem a atividade das instituições de crédito, das sociedades financeiras e das entidades gestoras de fundos de pensões, bem como das normas que regem o mercado de valores mobiliários e a atividade seguradora ou resseguradora, incluindo a mediação de seguros ou resseguros».
Mas, apesar de o mesmo regime considerar que a «condenação, ainda que definitiva, por factos ilícitos de natureza criminal, contraordenacional ou outra não tem como efeito necessário a perda de idoneidade para o exercício de funções nas empresas de seguros ou de resseguros, devendo a sua relevância ser ponderada, entre outros fatores, em função da natureza do ilícito cometido e da sua conexão», o SOL sabe que no somatório das coimas aplicadas pelo Banco de Portugal, Tomás Correia foi alvo de uma penalização muito severa no que diz respeito ao não cumprimento de requisito de controlo interno.
O não cumprimento desta norma prevê o pagamento de uma coima que pode ir dos mil aos 500 mil euros e, ao que o SOL apurou, Tomás Correia foi condenado ao pagamento de 450 mil euros, ou seja, quase o valor máximo.
Mas os entraves não ficam por aqui. No processo de avaliação, a ASF pode pedir informações tanto ao Banco de Portugal como à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). E se neste caso não há problemas, já o banco central, além das falhas no controlo interno, aponta o não respeito pelas normativas definidas nos regulamentos, que justificaram a concessão de crédito de financiamentos de elevado montante a alguns clientes, nomeadamente a Paulo Guilherme e a José Guilherme.
O SOL sabe ainda que outro calcanhar de Aquiles da atual administração da Mutualista é Idália Serrão, que poderá receber cartão vermelho da ASF no que diz respeito à experiência, já que o seu curriculum está ligado apenas à política. Foi eleita deputada em 2005 por Santarém e só no início do ano é que renunciou ao mandato para integrar a equipa de Tomás Correia.
Ao que o SOL apurou, após a avaliação, a Mutualista corre o risco de ver o regulador de seguros pedir a substituição parcial ou total da administração. E, perante um cenário destes, poderão ser convocadas novas eleições.
Contas tremidas
Este impasse ocorre numa altura em que a Associação Mutualista Montepio Geral aprovou contas referentes a 2018, em Assembleia-Geral (AG), com 82% dos votos. A entidade liderada por Tomás Correia registou lucros de 1,6 milhões de euros, no ano passado, em linha com a estimativa apresentada à AG em dezembro de 2018.
No entanto, se tivermos apenas em conta os resultados operacionais, os números são menos animadores. As perdas são de 6,1 milhões de euros quando, em 2017, os resultados tinham ultrapassado os nove milhões de euros, mas graças aos créditos fiscais, a Mutualista conseguiu passar as contas para o verde.
A verdade é que estes números têm sido alvo de fortes críticas e há quem diga que para uma associação desta dimensão teria de ter no mínimo entre 40 a 50 milhões de euros.
Opositor do atual presidente, António Godinho já veio acusar que a «falta de democraticidade aprofunda-se na dinâmica negativa dos últimos anos, nomeadamente a crise reputacional que atinge o Montepio, com um recorde de 41 mil abandonos de associados, só em 2018».
E diz ainda que da associação foram retirados mais de 191 milhões de euros de fundos mutualistas, elevando para dois mil milhões a diminuição do ativo nos últimos quatro anos e meio «chegando-se a um resultado negativo, em 2018, de 10 milhões de euros caso não fosse suportado por mais 11,6 milhões de créditos fiscais».
Liquidez também fragiliza
Também Eugénio Rosa disse, esta semana, ao i que nos últimos três anos o levantamento de poupanças na associação mutualista pelos associados foi superior à entrada de novas poupanças. «Em 2016, os reembolsos foram superiores às entradas em 122,4 milhões; em 2017, em 373,8 milhões; e, em 2018, as saídas de poupanças foram também superiores às entradas de novas poupanças em 191,2 milhões», refere, lembrando que isso «é uma prova clara da falta de confiança dos associados na administração de Tomás Correia e, se continuar, põe em perigo a própria sobrevivência da Associação Mutualista e de todo o grupo Montepio».
Outra fragilidade, segundo o economista, diz respeito à liquidez imediata que, em 2016, somava 1510 milhões e desceu para 763,8 milhões no ano seguinte, até atingir os 513,6 milhões em 2018. E o cenário, de acordo com o mesmo, não é animador: «Em 2019 está previsto o vencimento de mais de 300 milhões de capital certo e, se a atual administração permanecer inalterada, é de prever que os associados retirem a esmagadora maioria do capital certo que venceu na associação mutualista, o que poderá criar problemas sérios de liquidez».
Recorde-se que, em 2017, a Mutualista apresentou lucros de 587,5 milhões de euros, beneficiando de créditos fiscais. Isto depois de a entidade ter tido o aval Autoridade Tributária no pedido de deixar de ter uma isenção de impostos, apesar de manter o estatuto de IPSS. Apesar de passar a ter de pagar IRC, a mutualista pode usar créditos fiscais: os ativos por impostos diferidos. Isso permitiu uma melhoria de 808,6 milhões de euros nas contas.